Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

A bola do Brasil 6

Reuters/Hannah Mckay/Reprodução

A bola do Brasil 6

  • Heraldo Palmeira

Enfim, aconteceu o que vinha ficando óbvio a cada jogo: o Brasil foi eliminado da Copa 2022. Marquinhos, um dos poucos jogadores excelentes e admiráveis daquela barafunda arrebanhada por Tite, teve a infelicidade de acertar a trave do goleiro croata Dominik Livakovic – joga até hoje no modesto GNK Dinamo Zagreb e vem assombrando os adversários e o mundo como uma muralha e aquela cara de bebê chorão – e carimbou o nosso passaporte de saída do Catar.

Explodiu também naquela trave o óbvio ululante, algo que está absurdamente na cara e as pessoas não enxergam. Ou fingem que não. Ou não querem. Explodiu com nome e sobrenome na declaração de Wagner Ribeiro, ex-empresário de Neymar, para falar de Tite após a desclassificação: “Este senhor nunca foi técnico de futebol. Ficou apenas enganando o povo, perdendo duas Copas. Ele só serve para ser o orador da turma de formandos”. E desintegrou no destempero de Neto, ex-jogador que comanda um programa esportivo na TV e apareceu completamente possesso no ar para destinar ofensas ao técnico brasileiro.

Pouca gente duvida que, vivo fosse, o genial cronista Nelson Rodrigues já teria feito um refinado picadinho ao molho ululante de Adenor Leonardo Bachi, aquele senhor bonachão e fala mansa que até cruzar com a Croácia sentava no banco da Seleção Brasileira no papel de técnico.

Até para o mais desatento torcedor já estava claro que Tite armou um esquema único para o time jogar a Copa: a tática da confusão. E as substituições foram um capítulo desastroso à parte em todos os jogos. Por isso, muita gente até achou melhor que parássemos àquela altura, diante do risco de um enorme vexame numa semifinal contra Argentina ou Holanda.

Contra a Croácia, o Brasil não conseguiu “entrar voando” em campo e deu apenas mais um dos costumeiros “voos de galinha”, algo que já foi tratado aqui no Giramundo. Pior, deixou Modric à vontade, sem marcação alguma o jogo inteiro. Não podia dar certo mesmo.

O nosso cronista giramundista Sylvio Maestrelli traçou o mapa do momento em que começou a se abrir o buraco no casco que levou nosso time a pique: “E aí… Bem, aí, nosso treinador deu uma mãozinha significativa ao seu colega croata: colocou (sabe-se lá por que) Alex Sandro na lateral esquerda e o extenuado Danilo na direita, sacando Éder Militão. Ah, e mandou o time para frente, faltando poucos minutos, em vez de trocar passes no ataque e administrar a vitória quase garantida. Resultado: em uma bola onde Fred (que deveria ser protetor da zaga) estava travestido de ponta-direita de nosso ataque e Casemiro, nosso outo cabeça de área, na meia-lua adversária, Orsic correu na lateral de Danilo e cruzou. O chute do tosco Petkovic ainda desviou na chuteira do ótimo Marquinhos e traiu Alisson. Um único chute no jogo inteiro, um gol, 100% de aproveitamento croata. Castigo! Pelo visto, merecido”.

Algumas perguntas óbvias seguem sem resposta: por que Vinícius Júnior e Rodrygo, que tocam o salseiro jogando pelo Real Madrid, não viraram uma aposta ofensiva da Seleção e foram escalados juntos? Por que Éverton Ribeiro ficou condenado a assistir do banco um Paquetá inexistente em todos os jogos, até mesmo contra a inocente Coreia do Sul? Por que Gabriel Jesus era titular e Pedro esquentava a reserva? Por que Rodinei não poderia ter ido para o Catar no lugar de Daniel Alves, se seria uma ótima opção para o ataque e não apresentava qualquer indício de contusão? Por que Gustavo Scarpa, o melhor jogador do Brasileirão, assistiu à Copa pela TV? Qual a dificuldade de experimentar alternativas, ao invés de ficar refém de jogadores da “panela” e substituições previsíveis e inexplicáveis, como as de Vinícius Júnior, sempre quando era um dos melhores em campo?

Difícil compreender como fomos eliminados pela Croácia daquele jeito. Qualquer time mediano teria segurado a bola (e o jogo), a poucos minutos do apito final e com uma classificação daquela importância praticamente no papo. Vimos o Mbappé fazendo isso com maestria no jogo contra a Inglaterra, que também valia uma vaga (conquistada pela França) nas semifinais.

A cobrança dos pênaltis foi outro “Deus nos acuda”, uma completa barafunda que começou por atirar o inexperiente Rodrygo aos leões – nunca se soube que o garoto fosse cobrador de pênaltis – e cujo ápice foi a omissão de Neymar. A única coisa a lamentar foi ver Marquinhos passar pelo infortúnio daquele momento final, ele que é excelente jogador e de uma dedicação exemplar.

O jogo foi apenas mais um a demonstrar que nosso time sempre foi um amontoado sem qualquer estratégia. A falta de entrosamento é natural entre jogadores que se conhecem superficialmente, pouco jogam juntos e estão em times com esquemas muito diferentes. É aí que entra a necessidade de um técnico de verdade, um estrategista com elevado conhecimento tático. Além de administrar egos estelares, precisa ter capacidade de entender com rapidez as surpresas de cada jogo de um torneio rápido como a Copa. E reagir prontamente.

Depois da partida, um desses ex-jogadores fantasiados de comentarista apontou numa resenha de TV os mesmos problemas que Maestrelli anotou no seu Boletim da Copa 14, aqui no Giramundo. Mas fez a ressalva que Neymar tinha exposto Fred ao perguntar o que ele estava fazendo no ataque na hora do fatídico contra-ataque croata. Exposto? Ora, faça-nos o favor. Quer dizer então que o craque máximo do time não pode cobrar, dentro de campo, tamanha cagada de um jogador bisonho numa quarta de final de Copa do Mundo? A liderança do “dono do time” só deve ser exercida para que, à sua imagem e semelhança, todos descoloram cabelos e usem penteados de gosto duvidoso?

Boa parte dos problemas que a Seleção Brasileira vem enfrentando há alguns anos tem origem nessa chatice reinante, onde todo mundo se sente intocável e recebe endosso dessa mídia sem independência para criticar ninguém com veemência, ainda mais na questão técnica.  Uma gente que costuma defender imunidade completa para as infantilidades de Neymar, mas critica nos raros momentos em que ele age com maturidade e profissionalismo.

É essa mídia que colabora muito para o clima de futilidade e deslumbramento que termina invadindo o ambiente da Seleção, exatamente pela ambiguidade de posicionamento dos cronistas. Enquanto os jogadores da Croácia foram proibidos até de se aproximar das janelas da concentração para não perder o foco, nosso noticiário estava quase sempre infestado de bobagens – a questão das cabeleiras é a cereja desse bolo azedo, que tem também as dancinhas, a crise de um jogador com seu patrocinador de chuteiras sendo tratada em plena Copa, a carne milionária de outros. Diante dessas baboseiras, fica no ar a sensação cada vez mais nítida de que somos o time mais imaturo de todos. Entra ano e sai ano e o extracampo segue sendo nosso primeiro adversário.

Logo após o pênalti cobrado por Marquinhos explodir na trave, conversei longamente com o pai de um grande amigo. O senhorzinho querido está inteiro aos 85 anos e, segundo ele mesmo, foi um grande peladeiro e adora futebol desde que se entende por gente. Começou dizendo que está irritado com o que considera o absurdo dos absurdos: alguém tentar comparar Neymar a Pelé. “Falam de número de gols pela Seleção sem levar em conta a quantidade de jogos de cada um. Esse menino é bom de bola, mas a carreira é muito irregular e gosta de encrenca. Pelé era sobrenatural, não dá para comparar com ninguém. E tinha um sorriso belíssimo que não cansava de distribuir!”. Fiquei olhando para aquele homem, como quem vê um cracaço fazendo um gol de placa.

Lembrou que Pelé, “que podia tudo”, sempre cortou o cabelo com um barbeiro amigo em Santos e seu corte virou uma espécie de logomarca, tanto quanto a assinatura e o punho no ar comemorando gol. “Quando vejo esses caras de hoje, penso logo que não têm espelho em casa, só pode ser!”. Também estava irritadíssimo porque os atuais “craques” sequer dominam os fundamentos básicos do jogo. “Esse time tem mais bonde do que a Light” – no tempo dele, “bonde” era jogador bisonho e Light era a empresa proprietária dos bondes que faziam o transporte público.

Pelo visto, a Croácia estacionou seu ônibus sobre os trilhos e não teve jeito de nossos bondes seguirem adiante. Restou voltar e preparar a viagem para 2026.

Acompanhe aqui a nossa série sobre a participação do Brasil em todas as Copas

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