Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

Música de estrelas

Universal/Divulgação

Música de estrelas

  • Heraldo Palmeira

GIRAMUNDO OUVIU Assim que o álbum foi disponibilizado nas plataformas digitais, recebi um link diretamente da fonte: meu querido amigo/irmão Victor Biglione. Nós havíamos estado juntos algumas semanas antes, em minha visita ao Rio. Ele obviamente animado com o lançamento em vias de ocorrer, renovou minha memória com detalhes especiais do até ali inédito Cássia Eller & Victor Biglione in Blues. Na verdade, esse trabalho já era tema de nossas conversas desde muito tempo antes, sempre com o mesmo entusiasmo e uma espécie de orfandade finalmente reparada.

Tudo começou quando os dois artistas se reuniram para um show no Circo Voador, em 1991. Em seguida, resolveram ir para o estúdio com o auxílio luxuoso de uma superbanda que era uma seleção de craques. Já era 1992 quando a gravação de Cássia Eller & Victor Biglione in Blues foi finalizada. Cássia e Biglione haviam engrenado uma temporada de shows que durou ao redor de um ano. Ou seja, mesmo sem o disco – que virou lenda urbana porque nunca chegava às lojas –, ao vivo o projeto virou um enorme sucesso de público.

E nunca chegava porque no meio do caminho tinha uma pedra: a gravadora, mesmo tendo viabilizado uma produção de alto nível, decidiu que aquele tesouro musical iria mofar numa gaveta porque poderia “carimbar” Cássia como cantora de rock e atrapalhar sua promissora carreira no ambiente pop. Como se aquela pegada vocal dela escondesse a roqueira, bluseira e jazzwoman que rosnava sob sua pele de fera ao menor descuido do dono do zoológico.

Difícil acompanhar a linha de raciocínio de uma gravadora multinacional, acostumada a projetos especiais desse tipo ao redor do mundo. À época, Biglione foi claro ao argumentar “É um projeto especial, os músicos norte-americanos não se cansam de fazer isso. Eles se juntam para fazer uma coisa bonita e depois cada um segue o seu caminho”.

O filho da cantora, Chico Chico, procurou Biglione e disse que gostaria de lançar o trabalho por ocasião dos 60 anos da mãe.

Ouvindo o álbum hoje, não tenho qualquer dúvida que ele é uma obra espetacular e capaz de mostrar ao mundo o quanto o Brasil é capaz de executar com alto nível a sonoridade rock/pop/jazzística das matrizes norte-americanas e inglesas. E dar um sonoro “mamãe sacode” naquele roquinho nacional bem sem-vergonha que dominava as rádios, feito por músicos de três notas que infestavam as bandas locais posando de “gênios”. “É um álbum que, com certeza, coloca o rock, blues e o jazz brasileiros em patamar absolutamente acima de onde estavam. É uma releitura brasileira muito boa do rock, blues e jazz”, afirma Biglione.

Eu fico me perguntando por que sempre aparece um dono de zoológico tentando impor felicidade de jaula a bichos que nasceram para viver soltos sem fronteiras. Visão estreita, provinciana, incapaz de ver os projetos de grandes artistas internacionais, que dão seus pulinhos fora da infinita highway e deixam como legado trilhas (sonoras) definitivas, que não precisarão de mapas para abrigar verdadeiras stairways to heaven.

Qualquer mente mundana se põe a matutar a respeito do que o mundo teria perdido se uma gravadora impedisse de chegar aos players de música aquela maravilha que Tony Bennett e Lady Gaga fizeram juntos, para que não sofressem “prejuízos” nas carreiras. No mínimo, cada um ganhou muito espaço no público do outro e a boa música agradece.

Na época da prematura morte de Cássia aos 38 anos, em 2001, a gravadora – a mesmíssima que engavetou o disco pelo achismo de que prejudicaria a carreira dela – animou-se a lançar o álbum. Felizmente, a ideia murchou, não era mesmo o melhor momento. No mínimo, soaria estranho – palavra menos rock and roll para oportunismo.

Lançado no sábado 10 de dezembro de 2022, dia em que ela completaria 60 anos, Cássia Eller & Victor Biglione in Blues traz 10 músicas primorosamente escolhidas, num balaio de clássicos do rock, do blues e do jazz. Nem um mês de vida pública, já namora 500 mil acessos e imagino que o tempo tornará o número milionário. É de lei para o que vira história.

A gravadora Universal pretende lançar o álbum em vinil, e já começou a rodar um minidocumentário a respeito do projeto.

Ouça aqui   https://open.spotify.com/album/2zx348PyI6d3fEfDWnv3QP?si=0bbCIGJKRj-i-vNn4ZGONg

Ficha técnica

Os músicos Cássia Eller (voz), Victor Biglione (guitarra e violão), Ricardo Leão (teclados), Marcos Nimrichter (órgão), André Gomes (baixo elétrico), Nico Assumpção (baixo acústico), André Tandeta (bateria), Zé Nogueira (sax-alto e soprano), Chico Sá (sax-tenor), Zé Carlos Ramos (sax-alto), Bidinho (trompete) e Serginho Trombone (trombone). Gravação, mixagem e masterização Sérgio Murilo. Remasterização Ricardo Garcia. Produção musical Victor Biglione e Zé Nogueira.

Repertório

1 (I’m Your) Hoochie Coochie Man (Muddy Waters) | 2 Got To Get You Into my Life (John Lennon-Paul McCartney) | 3 Same Old Blues (Don Nix) | 4 When Sunny Get’s Blue (Marvin Ficher) | 5 Oh, Well/Quadrant Four/Lazy – Blues Medley II (Peter Green-Billy Cobham-Deep Purple) | 6 If Six Was Nine (Jimi Hendrix) | 7.Prison Blues (Jimmy Page) | 8 I A’int Superstitious (Willie Dixon) | 9 A’int Got Nothing But the Blues (Duke Ellington) | 10 Need Your Love So Bad/You Shook Me/The Flash Door – Blues Medley I (Peter Green-Willie Dixon)

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