Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

A bola do Brasil 1

Justin Setterfield/Reprodução

A bola do Brasil 1

  • Heraldo Palmeira

Enfim, a camisa amarela entrou em campo e vencemos o primeiro degrau da nossa campanha na Copa 2022. De um jeito ainda acanhado, o país foi se mobilizando e aos poucos ratificando o verde, o amarelo e a camisa da Seleção como símbolos da festa do futebol. Novamente, a paixão nacional começou a vestir seu uniforme.

Depois que o escrete brasileiro desembarcou no Catar, novas controvérsias tiveram início. Como nos informa Sylvio Maestrelli, o craque das escritas esportivas do Giramundo, “Nos dias que antecederam nossa estreia, alguns jogadores se portaram com arrogância, chegando até a assumir um favoritismo exagerado para a Copa ou a subestimar a boa equipe balcânica que teríamos pela frente no primeiro jogo. A pior provocação foi a de Neymar nas redes sociais, mostrando uma camisa da Seleção com uma sexta estrela no escudo da CBF, como se já tivéssemos sido campeões antecipadamente. Atitude inoportuna, infantil, desnecessária e descabida que não somente gerou antipatia de torcedores de todo o mundo em relação ao nosso time, como certamente influenciou os sérvios, que ‘baixaram o sarrafo’ em rodízio em nosso provocativo camisa 10. Sua contusão era, pois, previsível. Lição que precisa ser aprendida”.

E o resultado dessa insistência na animosidade, em nunca aprender a lição está posto: aquele que boa parte da imprensa insiste em chamar de “menino” e minimizar as infantilidades é o jogador que mais sofreu faltas na primeira rodada da Copa. Foram nove somente no jogo de estreia, algo impensável para qualquer outro atleta das 30 seleções que entraram em campo nas 15 partidas anteriores a Brasil x Sérvia.

Por mais que se tente emprestar compreensão, os fatos são decisivos e matam qualquer pachequismo. Há um argentino – e não são poucos os que não gostam do espírito argentino no futebol – que é gênio da bola, um dos maiorais de todos os tempos, sete vezes eleito melhor jogador do mundo, que já entrou na história do esporte e começa a virar lenda. Lionel Messi joga muito mais bola do que Neymar e não vive sendo caçado em campo por “desafetos” ou torcedores adversários. Ah, e é muito mais rico e famoso. Bom, nem precisa incluir na conversa um tal português Cristiano Ronaldo. Ou um francês que atende por Kylian Mbappé. Todos super craques marcados sem trégua, aqui e ali uma botinada mais atrevida nas canelas, mas nada parecido com as “caixas de ferramentas” apresentadas a Neymar. Parece óbvio que não é apenas o jogo que está em jogo e a quantidade de lesões graves pode ser uma pista.

Desse episódio, restou o “plus a mais” para a Seleção: o jogador mais importante do time, que está no centro de toda a estratégia de jogo montada pelo técnico – parece que todas as jogadas têm de passar pelos seus pés – ficará de fora dos dois próximos jogos. E ainda está nos rondando o fantasma do corte, latejando nos tornozelos da estrela principal e de Danilo, que também não deverá jogar mais a fase de grupos e foi obrigado a ficar em campo porque Tite, que veio a público reconhecer o erro, não se deu conta de seu estado e gastou as cinco substituições antes.

No meio desse jogo pesado da violência em campo, está uma FIFA sempre incapaz de tomar atitudes óbvias. Por isso, tantos pernas de pau maltratam a bola e caçam os craques adversários. Não sou especialista no esporte, mas não me pareceria absurdo que o agressor ficasse suspenso pelo mesmo tempo que sua vítima estivesse no departamento médico.

É inegável que Neymar virou uma figura desarmônica no mundo do futebol e isso não é privilégio da Seleção Brasileira, onde sua presença é sempre cercada de problemas desde que ele estabeleceu uma relação de amor e ódio com as torcidas e com a própria vida.

De passagem pelo Rio de Janeiro, fui ver o jogo na rua Alice, quase esquina com rua das Laranjeiras. Com o privilégio de reencontrar um velho amigo, daqueles que a vida vai moldando irmão. Almoçamos vendo a estreia de Portugal e ficamos no esquenta das goelas geladas pelas cervejas no melhor modelo “estupidamente”, enquanto a Canarinho não entrava em campo.

No sopé da ladeira boêmia onde mais acima marcou época o lendário bordel de luxo Casa Rosa, quatro bares-restaurantes juntaram gente naquela quantidade confortável. Clima ótimo. Diversão pura!

No primeiro degrau da nossa campanha no Catar estava a Sérvia, um adversário que jogou sem qualquer inspiração, com dificuldade até para dominar a bola do jogo. Mesmo assim, nosso ritmo estava preso à presença de Neymar em campo e o primeiro tempo foi irritante.

Em duas ocasiões, ele foi encarregado de cobrar faltas a nosso favor. Naquele intervalo de montagem da barreira, o coro soou forte e uníssono pela rua: “Sonegador, sonegador, sonegador…”. Quando finalmente deixou o campo contundido, a vaia cobriu sem piedade, como um estranho grito de alívio.

Na mesma hora, do seu reduto paulista nosso cronista Maestrelli mandou mensagem: “Nunca vi, desde que comecei a curtir futebol, algo assim. Torcedores desejando contusão para um jogador!”.

Quando Rodrygo entrou em campo no lugar de Vinícius Júnior, um vizinho de mesa não deixou por menos: “Esses dois caras estão ‘comendo a bola’ no Real Madrid! Por que Tite não deixou os dois em campo? Porque fariam um salseiro capaz de quebrar a hegemonia do bad boy. Depois reclama que as pessoas acham isso e aquilo”.

No dia seguinte, Richarlison, O Pombo, havia conquistado 4 milhões de novos seguidores em suas redes sociais, número que deverá continuar crescendo. Compreensível diante dos dois gols, um deles antológico e considerado o mais bonito da Copa até aqui. Foi o tempo suficiente para misturar seu desempenho em campo com as boas notícias a respeito da sua persona fora dele. Não causa surpresa ver um torcedor dinamarquês fazendo a “dança do pombo” na entrada de um estádio do Catar, e os brasileiros encantados com um moleque sangue bom, cheio de empatia com o mundo ao redor.

Um garoto mimado e sem bússola

Dono de uma das maiores fortunas do futebol, Neymar teve todas as chances de se transformar também em um dos principais jogadores da história, algo que ele mesmo foi empurrando pelo ralo por tantas papagaiadas. Basta pensar que em outra Copa do Mundo virou meme do cai-cai nas redes sociais do planeta. Tudo isso enfeitado por penteados ridículos no cocuruto da vaidade.

Neymar divide seu talento para a bola com a competência em angariar antipatias por onde passa e o resultado desse caldeirão entra em campo com ele. Tornou-se uma celebridade mimada que exerce estranha liderança, do tipo que exige de forma velada a subserviência de quem está ao redor. Por que temos de vê-lo voltar sozinho para o segundo tempo contra a Sérvia, depois do resto do time, levando uma eternidade para vestir a camisa principal no trajeto entre o túnel e o campo? Passo seguinte, o jogo reiniciado e ele agachado ainda amarrando as chuteiras. Talvez uma estudada demonstração de poder, que terminou desmontada pela sua imagem vagando solitário pelo túnel, mancando, causando estranheza nos funcionários que estavam por ali.

Agora, parece estar vivendo outro capítulo esquisito da própria trajetória, renovando uma espécie de maldição pessoal em Copas. E cada vez mais gente na arquibancada começa a sentir alívio com o que parece ser o fim da era Neymar na Seleção Brasileira. Ficou incômoda a impressão de que sua presença inibe outros talentos – até porque o esquema de jogo é montado em torno dele. As pessoas cansaram de tanta ostentação, individualismo, controvérsias e resultados sempre abaixo do prometido.

Pelo visto, é hora da geração de Richarlison virar a chave, devolver ao nosso jogo aquela alegria que se viu no segundo tempo da estreia, quando a garotada começou a entrar em campo e a grande vedete deixou o gramado. Não há como negar, fomos mais felizes e fizemos a festa sem ela.

Acompanhe aqui a nossa série sobre a participação do Brasil em todas as Copas

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