Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

A bola do Brasil 5

EFE/EPA/Abedin Taherkenareh/ Reprodução

A bola do Brasil 5

  • Heraldo Palmeira

Aqui no Giramundo a gente assiste aos jogos com a camisa da Seleção, mas não dá para negar que o aperreio é grande. Brasil 4×1 Coreia do Sul teve o condão de nos dar um primeiro tempo de alegria com a nossa chuva de gols. Mas a segunda metade foi aquela coisa irritante de sempre, um cisca pra lá, cisca pra cá inócuo – no melhor estilo da Espanha –, a ponto de muita gente se perguntar, batendo na madeira, o que poderia ter acontecido se os coreanos tivessem feito gol mais cedo.

Felizmente, tivemos um grande volume de jogo na primeira metade da partida e obtivemos uma vitória fácil. Depois do apito final e placar fechado ganhou corpo a tese de que foi certo se poupar – ninguém entendeu a decisão de manter Neymar se arrastando em campo, ele que havia saído de contusão séria e continua sendo o melhor jogador do elenco. Claro que a Coreia do Sul ajudou muito, adotando a tática suicida de partir para cima do Brasil.

Não é nenhum exagero pensar que esse jogo contra a Coreia do Sul deveria ter sido apenas a quarta goleada inapelável dos brasileiros, porque todos os adversários que enfrentamos são times ruins, sem qualquer inspiração e muito abaixo da nossa capacidade de jogo. Jogar contra os coreanos foi, como bem disse Vera Seciliano, uma amiga carioca da área cultural, “um passeio no parque”. Na verdade, algo bem mais desigual, adultos brincando em parquinho infantil – eles nos ajudaram muito adotando a tática suicida de partir para cima do Brasil.

É surpreendente o efeito positivo de uma vitória canarinha com muitos gols numa Copa. Sim, porque, até aqui, com os titulares, fizemos aqueles joguinhos mequetrefes contra Sérvia e Suíça. Já os reservas, que muitos pachecos consideram o segundo melhor time do mundo, abaixo apenas dos titulares, nos brindaram com o vexame diante de Camarões.

Quem teve a sorte de testemunhar a Copa 1970 viu um bando de ETs de camisa amarela desembarcar no México e vencer os seis jogos que disputou, metendo 19 gols e sofrendo apenas 7 – e muitos achavam que o goleiro Félix (Fluminense) não era lá uma parede à altura dos muros daquela usina brasileira de futebol. O time deu espetáculo em todas as partidas e apenas a Inglaterra resistiu bravamente, perdendo de 1×0. A gente sentava diante da TV (coisa ainda rara na maior parte do país) ou do rádio sentindo aquele friozinho na barriga, mas entendendo que tudo era questão de tempo para começar a gritaria da festa.

Desde então, e cada vez mais, a Seleção Brasileira é sempre uma incógnita antes de cada jogo. Ora entra voando e resolve com o encantamento do grande futebol germinado por Pelé & Cia.; ora nos oferece aquele voo de galinha que só existe para justificar o par de asas dotado pela natureza.

O problema é que, a cada Copa do Mundo, ressurge no Brasil o pachequismo, fenômeno traduzido por aquela atitude fanatizada de relativizar os problemas do time e supervalorizar qualquer resultado positivo, ainda mais quando é goleada, mesmo que o outro time seja fraco.

É aí que mora o perigo de ignorar a sorte bafejada sobre nós pela tabela da Copa do Catar, onde pegamos adversários fracos. Basta lembrar o sufoco que passamos para vencer a Suíça por magérrimo 1×0 na fase de grupos, onde as disputas são mais relaxadas pois não há mata-mata. Portugal goleou o mesmo time por 6×1 nas oitavas. Ou seja, os gajos, que certamente não formam um time estrelado como o nosso, revelaram que o ferrolho suíço era uma tramela de flandres.

Tite, está mais do que demonstrado, não tem plano B. A tática é uma só, o que facilita demais o trabalho de contenção dos técnicos adversários para anular nossa estratégia única. E as substituições, como de costume, foram equivocadas. Daniel Alves ficou fugindo da bola, por razões óbvias – e a gente fica pensando que Portugal tem Pepe, também brasileiro e nordestino, “comendo a bola” com os mesmos 39 anos. Como bem ressalta nosso colunista esportivo do Giramundo Sylvio Maestrelli no nosso Boletim da Copa 13, “Cá entre nós, deve ser deprimente para Fabinho, Éverton Ribeiro e Pedro perceberem que só atuarão em duas hipóteses: num surto de contusões ou numa roubada do tipo o time estar perdendo já com desvantagem considerável”.

No campo das papagaiadas, o headphone banhado a ouro de US$ 10 mil ocupou espaço na mídia junto com a informação fundamental que Neymar viria com o novo look capilar “cabelos platinados”, obra do hair stylist Nariko. Difícil aturar tanta firula, ainda mais quando, em campo, vimos o que vimos do embelezado a quem a FIFA escolheu como melhor jogador da partida! Como cravou o jornalista Mauro Cézar Pereira, comentarista dos canais UOL e Jovem Pan, “É uma piada esse prêmio de melhor jogador do jogo para Neymar, é uma peça de humor. Dei risada.”, no que foi endossado por outros colegas em resenha pós-jogo. Ele ainda opinou que “Vinícius Júnior é o principal jogador do Brasil nessa Copa do Mundo”, lembrando que dos 7 gols marcados pelo time, nada menos que cinco passaram pelos seus pés – ele mesmo marcando, dando assistências ou participando diretamente da armação das jogadas que terminaram no fundo das redes adversárias.

A cada gol, a dança dos jogadores foi uma resposta superlativa às figuras que se infiltram no futebol para fazer apologia ao lado escuro da humanidade – racismo, homofobia, misoginia… A homenagem ao rei Pelé transmitiu ao mundo a lembrança de um sujeito que não foi, com folga, apenas o maior futebolista de todos os tempos, mas simplesmente o Atleta do Século. O homem que, por muito tempo, foi sinônimo de Brasil em todo o planeta.

No próximo jogo, a tabela generosa nos colocará diante da atual vice-campeã Croácia, um time melhor do que os outros quatro que enfrentamos, mas cheio de veteranos e totalmente desfigurado em relação ao timaço de 2018. O técnico Zlatko Dalić disse que o Brasil é favorito, a melhor equipe do Mundial, com jogadores de primeira linha.

Claro que o alerta deve estar ligado, inclusive para afastar a soberba. A partir de agora só vale entrar voando em campo. Se chegarmos às semifinais, a brincadeira vira coisa de adultos, pois teremos o vencedor de Holanda e Argentina pela frente, sem contar o mundo de rivalidades e motivações envolvidas em todos os atalhos no caminho da final onde forças tradicionais querem estar – Argentina, Brasil, França, Holanda, Inglaterra e Portugal.

Não dá para se enganar: golear a fragilíssima Coreia do Sul não modifica a realidade. Era indispensável ganhar um jogo eliminatório para seguir na Copa. Se fosse a nossa quarta vitória indiscutível em quatro jogos poderíamos estar festejando como em 1970. Infelizmente, o frio na barriga continua sem certeza de nada, nos obrigando a manter um olho na missa e outro no padre.

O pachequismo

Em 1982 o Brasil mandou um timaço para a o Mundial da Espanha. Desde o ano anterior o país vinha embalado pela conquista do Mundial de Clubes pelo Flamengo e duas vitórias maiúsculas da Seleção contra Alemanha e Inglaterra. A animação dominava todas as esquinas brasileiras. Seria mesmo difícil aquele time não trazer o caneco.

Naquele clima de euforia, a Gillette do Brasil desenvolveu uma ação institucional denominada “Pacheco, camisa 12”, um torcedor fanático da Seleção Canarinho. A campanha foi daquelas excepcionalmente marcantes que invadem as conversas, seguem na memória e passam a habitar o imaginário popular.

Para reforçar a ação, a diretoria de marketing da empresa encontrou dentro de casa o Pacheco em pessoa, um brasileiro comum chamado Natan Pacanowski que terminou ganhando a missão de encarnar o personagem pelas ruas do Rio de Janeiro. Diante do sucesso, o funcionário sortudo ganhou amplo acesso à delegação da CBF – viajou nos mesmos voos e transitava livremente entre os craques – e comandou a torcida durante os jogos nos estádios espanhóis.

No meio do caminho estava firmemente instalada a teimosia do técnico Telê Santana, que ficou eternizada pelo genial humorista Jô Soares, com seu personagem Zé da Galera repetindo “Bota ponta, Telê!”. No jogo fatídico contra a Itália, escolheu Toninho Cerezo (Atlético Mineiro) de volante, ignorando Batista (Grêmio, sentado no banco) e Andrade (recém campeão mundial de clubes na máquina do Flamengo, não convocado), ambos muito mais habilitados para proteger a zaga. Deu no que deu: o peladeiro entregou o jogo nos 3×2 para a desacreditada Itália e fez a festa de Paolo Rossi, que marcou os 3 gols da Azurra e mandou mais cedo para casa uma das melhores seleções vistas na história das Copas, séria candidata ao título. Voltamos como o time que não ganhou, mas encantou, vítima da mesma fragilidade tática do time de Tite.

Com o passar do tempo, “Pacheco, camisa 12” ficou desgastado mas deixou o pachequismo como resquício indesejado.

Pacheco, camisa 12   https://www.youtube.com/watch?v=_npPCevUxjs

Acompanhe aqui a nossa série sobre a participação do Brasil em todas as Copas

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