Bola Al Rihla (Copa 2022)/Divulgação
Boletim da Copa 14
- Sylvio Maestrelli
Brasil fracassa de novo, festa árabe, Argentina e França sonham com o tri
Quartas de final Após a tranquila vitória nas oitavas de final contra a Coreia do Sul, os brasileiros vinham como francos favoritos para enfrentar os croatas. Galvão Bueno e seus fiéis seguidores já especulavam sobre quem seria melhor enfrentar nas semifinais: se a Holanda ou a Argentina. A implacável realidade foi bem diferente.
Começamos a partida como de costume: descoordenados, sem liderança, previsíveis demais. O inútil Raphinha tentava seus brilharecos pela direita, mas sua atuação era bisonha, dava pena. Richarlison e Vinícius Jr., muito bem-marcados pelo sólido sistema defensivo dos balcânicos, nada produziam. Nosso meio-campo composto apenas por dois jogadores – Casemiro, lutador incansável, mas tendo que recorrer a faltas constantes; Lucas Paquetá, perdido e improdutivo – foi engolido pelo quarteto croata, formado por Brozovic, Kamaric, Kovacic e especialmente o veterano craque Modric, que mandava no jogo. Tite, impassível, levava um banho tático – algo sempre previsível – do técnico Zlatko Dalic.
O placar em branco fez justiça porque se somaram a incompetência brasileira e a retranca dos croatas, que claramente estavam satisfeitos com o empate. E no segundo período, embora o cansaço dos europeus e as boas entradas pela direita do rápido e driblador Antony – que deu muito trabalho aos balcânicos –, do pivô Pedro e de Rodrygo, o 0x0 se manteve graças a algumas boas defesas de Livakovic. Neymar continuou individualista, prendendo demais a bola e demonstrando não estar em sua plenitude física e técnica. Não marcava ninguém, sobrecarregando a equipe.
Veio então a prorrogação, quando Tite tentou finalmente reforçar nosso cansado meio-campo com a entrada do brucutu Fred. Finalmente saía Paquetá, que não justificou por que foi ao Catar. E num lampejo de genialidade, fizemos um golaço (Neymar), furando o bloqueio croata. Tomado o gol, o técnico Dalic partiu para o tudo ou nada, oferecendo a opção do contra-ataque ao time do Brasil. Colocou alguns grandalhões (Petkovic, Orsic) esperando algum cruzamento de Perisic, que vinha sendo bem anulado por Militão.
E aí… Bem, aí, nosso treinador deu uma mãozinha significativa ao seu colega croata: colocou (sabe-se lá por que) Alex Sandro na lateral esquerda e o extenuado Danilo na direita, sacando Eder Militão. Ah, e mandou o time para frente, faltando poucos minutos, em vez de trocar passes no ataque e administrar a vitória quase garantida. Resultado: em uma bola onde Fred (que deveria ser protetor da zaga) estava travestido de ponta-direita de nosso ataque e Casemiro, nosso outo cabeça de área, na meia-lua adversária, Orsic correu na lateral de Danilo e cruzou. O chute do tosco Petkovic ainda desviou na chuteira do ótimo Marquinhos e traiu Alisson. Um único chute no jogo inteiro, um gol, 100% de aproveitamento croata. Castigo! Pelo visto, merecido.
Fomos para a disputa por pênaltis e cobraríamos primeiro. Em vez de seguir o básico do futebol (batendo inicialmente, é razoável colocar o principal cobrador para começar, já que o adversário provavelmente sairá em desvantagem), Tite preservou Neymar para cobrar o último, que poderia ser o decisivo, aquele que permitiria a corrida triunfal para a torcida. Resultado: o jovem Rodrygo perdeu a primeira cobrança, os gols foram se sucedendo e Neymar nem chegou a cobrar… A bola chutada na trave por Marquinhos sacramentou nossa eliminação. Lamentável! Festa xadrez e decepção total em nosso país. E, para desencanto dos fãs de nosso treinador, ele saiu rapidamente para o vestiário, sequer consolando seus decepcionados atletas, especialmente os mais jovens. As redes sociais deitaram e rolaram, indignados, comparando sua postura com a de Felipão, que abraçou e chorou junto com “sua família” após os 7×1 em 2014. “Covarde” foi a palavra mais suave destinada pela galera ao bicampeão da frustração canarinha.
Com o resultado, a Croácia se classificou para as semifinais, repetindo 2018. E agora terá pela frente a Argentina que, em jogo dramático, venceu a Holanda nos pênaltis, reprisando o filme a que assistimos em 2014.
Argentina x Holanda foi uma partida memorável, digna de Copa do Mundo, a melhor do Mundial até aquele momento. Eletrizante e bem disputada tática e tecnicamente, colocou frente a frente a mais organizada seleção sul-americana da atualidade contra um time muito bem armado pelo experiente Van Gaal, que foi crescendo durante a competição. Um jogo pegado, ríspido, com muita garra de ambas as partes, em que o ótimo juiz espanhol teve de mostrar 18 carões amarelos! – recorde na história das Copas – para assegurar o bom andamento da partida, que mesmo assim quase teve pancadaria geral depois que o jogador argentino Leandro Paredes, no melhor estilo da deslealdade dos Hermanos, deu dois carrinhos violentos seguidos e, não satisfeito, com o jogo já paralisado pelo juiz – que anotara sua falta –, chutou a bola violentamente contra o banco de reservas holandês.
Os argentinos abriram 2×0 no placar e o jogo já parecia liquidado na metade do segundo tempo. Mas, no final da partida, os holandeses se superaram e – com as ótimas alterações feitas por seu treinador (inclusive sacando o improdutivo Depay) –, chegaram ao empate no último minuto. Após uma cobrança genial de falta, em jogada ensaiada de rara frieza e competência, empataram em 2×2 e o espetáculo continuou na prorrogação, onde diversas claras oportunidades de gols foram perdidas pelos dois times. Antes dos pênaltis, aplausos foram ouvidos pelo estádio para reconhecer o espetáculo oferecido pelos jogadores dos dois países. Os técnicos também foram reverenciados, pelas mexidas pontuais e eficazes realizadas (na Holanda, a entrada de Weghorst, autor de seus dois gols; na Argentina, a presença de Di Maria, revitalizando a equipe em momento crucial, difícil, de baixa, no início da prorrogação).
Na disputa de pênaltis brilhou a estrela do goleiro Emiliano Martínez, da Argentina, que defendeu duas cobranças, enquanto seus companheiros converteram quatro. O hoje reserva Lautaro Martínez foi o autor do gol decisivo, que levou ou hermanos às semifinais contra os croatas. O jogo promete, embora os platinos apareçam como favoritos. Afinal, eles têm Messi em grande forma e louco para ganhar a Copa, que deve ser sua última competição pela seleção platina. Sem contar que o deixará ainda mais à frente do português Cristiano Ronaldo, seu grande rival em números pessoais.
E o Marrocos, hein? Desmontando a tese “titeana” de que “seleção é um ciclo, um processo de longo prazo”, o treinador Walid Regragi, que assumiu o time há cerca de três meses, ou seja, após as Eliminatórias africanas – depois da demissão do bósnio Vahid Halilhodzic – montou uma seleção forte, mesclando atletas que atuam na Europa com seus jogadores do Wydad Casablanca (WAC), com o qual foi campeão nacional e continental neste ano. Fez do goleiro Bono (Sevilha), dos laterais Hakimi (PSG) e Mazraouli (Bayern Munique), do volante Amrabat (Fiorentina) e do atacante Ziyech (Chelsea) suas referências e levou sua seleção à mais brilhante campanha de uma equipe do continente africano numa Copa do Mundo, e que chegou às semifinais invicta. Uma façanha!
Por mais que especialistas em futebol reconheçam a surpreendente trajetória dos marroquinos neste Mundial, ninguém acreditava que o time pudesse eliminar o favorito Portugal, ainda mais em uma partida eliminatória e nas quartas de final. Mas o “milagre” aconteceu: 1×0 e os tugas voltaram para casa, com Cristiano Ronaldo desolado por ter sido esta sua última chance de ganhar uma Copa – e lamentavelmente sofrendo tentativa de agressão de um torcedor, que invadiu o campo mas foi contido a tempo pela segurança. A derradeira imagem de CR7 em Mundiais, caminhando aos prantos pelo túnel em direção aos vestiários e consolado por funcionários marcará a história do futebol. Uma pena que não mais poderemos ver o craque desfilando seu talento em 2026.
O resultado vem coroar o excelente trabalho do técnico e de seus comandados, que, com um futebol solidário, um sistema defensivo eficiente (tomou apenas um solitário gol, e contra!), de muito preparo físico e grande determinação, sucessivamente empataram com os semifinalistas coatas, venceram canadenses e belgas (tudo isso na fase de grupos), eliminaram os espanhóis (nos pênaltis) nas oitavas e agora os portugueses nas quartas.
Marrocos tornou-se a primeira nação africana a chegar entre as 4 melhores do mundo em Copas, superando boas campanhas anteriores de Gana, Nigéria e Camarões. Festa indescritível no Catar e em todo o mundo árabe, que adotou os marroquinos como seus representantes daqui por diante no Mundial. Uma festa justa, memorável em louvor de uma grande façanha. Derrotaram um time que tem nada mais nada menos que alguns dos melhores futebolistas europeus como Bruno Fernandes, Bernardo Silva, Ruben Dias e João Félix, além do já lendário Cristiano Ronaldo.
Em um jogo equilibrado e muito bom, o placar só foi movimentado após uma cabeçada de En-Nesyri, depois de péssima saída do goleiro português Diogo Costa. Imediatamente, passou a ser tratado como Skywalker (caminhante do céu) inclusive nas redes sociais da FIFA, pois cabeceou a bola a 2,75m de altura do chão – essas medidas são obtidas a partir do diâmetro da bola, de 22cm). Na verdade, o marroquino superou o “voo” de CR7 (Juventus, campeonato italiano 2019), que alcançou 2,56m e marcou contra o Sampdoria, e de Bruno Henrique (Flamengo, Brasileirão 2021), que também “pegou o elevador” e marcou de cabeça contra o Vasco no mesmo patamar (2,57m) do português.
Os marroquinos tiveram outras boas chances (principalmente em bolas aéreas), mas não aproveitaram. Assim como os lusitanos, que esbarraram no travessão, sofreram com a má pontaria de seus atacantes e pararam nas ótimas defesas de Bono, um dos melhores goleiros da Copa até aqui. E que perderam, nos pés de Cristiano Ronaldo, a chance de empatar, no finalzinho da partida. Agora, os Leões de Atlas vão encontrar a França nas semifinais.
Atuais campeões do mundo, os franceses, num jogo excelente, venceram os ingleses por 2×1 com direito a muito sofrimento e penalidade máxima desperdiçada por Harry Kane, que isolou a bola nas nuvens. Em um jogo emocionante, com grandes defesas dos goleiros Pickford e Lloris e uma arbitragem confusa do brasileiro Wilton Sampaio, a pior das quartas de final. Pelo lado francês, vimos mais uma grande exibição do incansável Griezmann, do seguro Dayot Upamecano (na zaga) e do oportunista Giroud. Na banda inglesa, fizeram grande jogo o jovem ponteiro Saka e o lateral-zagueiro Walker – sem pontapés, conseguiu anular completamente Mbappé, craque e principal jogador da França.
Infelizmente, mais uma vez o técnico Gareth Southgate, bastante contestado pela torcida britânica, mexeu mal na equipe. Sacou o perigosíssimo Saka no segundo tempo, ele que era o atacante que mais dava trabalho à defesa gaulesa. E a Inglaterra, embora continuasse pressionando e apelasse – no desespero – para seus tradicionais “chuveirinhos” na área, não conseguiu o desejado empate e está fora da Copa. Mostrou uma geração nova e talentosa (Bellinghan, Graelish, Saka e Foden), mas seu técnico não soube potencializar tantas individualidades em favor do conjunto.
Já a França, muito bem desenhada taticamente por Didier Deschamps, continua sonhando com o tricampeonato mundial, que também representará o bicampeonato consecutivo, façanha restrita a Itália (1934 e 1938) e Brasil (1958 e 1962) – para Deschamps seria mais uma marca raríssima, exclusiva do italiano Vittorio Pozzo: dois títulos seguidos como técnico. Se esse cenário ocorrer, estará repleto de méritos, já que o treinador remontou um time esfacelado por ausências de craques em razão de contusões (os titulares Kanté, Pogba, Lucas Hernandez e Benzema, e os suplentes Maignan, Kimpmbé e Nkunku).
Os jogos das semifinais
– terça Argentina x Croácia
– quarta França x Marrocos
*Sylvio Maestrelli, educador e apaixonado por futebol
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