Por Heraldo Palmeira
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22 de novembro de 2024

Boletim da Copa 16

Bola Al Rihla (Copa 2022)/Divulgação

Boletim da Copa 16

  • Sylvio Maestrelli

Argentina tricampeã, França vice, Croácia bronze, Marrocos na história da bola

Finais Como um aperitivo da grande decisão entre argentinos e franceses, Croácia e Marrocos fizeram um jogo interessante que valia o terceiro lugar na Copa do Catar. O jogo foi bastante equilibrado, mas bem prejudicado pelas lambanças do árbitro catari, que deixou de assinalar pelo menos um pênalti claro para cada uma das seleções.

Ao final da partida, a vitória por 2×1, toda construída na primeira etapa – com direito a bonitos gols – premiou o guerreiro time croata, que pelo segundo Mundial consecutivo se coloca entre os quatro melhores do planeta, já que fora vice-campeão na Rússia, em 2018. O craque Luka Modric, de 37 anos, em sua quarta e derradeira participação em Copas, conduziu de forma brilhante na cancha alguns remanescentes daquele vice-campeonato (Lovren, Brozovic, Kramaric, Kovacic, Perisic) e estreantes de talento, como o goleiro Livakovic e o zagueiro Gvardiol. O técnico Zlatko Dalic, um dos melhores da Copa, também se destacou pela otimização do potencial de seus atletas durante toda a competição. As medalhas de bronze conquistadas foram para lá de merecidas.

Por outro lado, é de se aplaudir de pé a campanha marroquina, que apesar da derrota, chegou aonde nenhuma seleção africana tinha conseguido até hoje: às semifinais de um Mundial. E deixa o Catar na quarta colocação, à frente de potências como Brasil, Inglaterra, Holanda etc. Com um time homogêneo, de muita disciplina tática, também superou seleções tradicionais como Bélgica, Espanha e Portugal, apresentando ao mundo excelentes jogadores como os pouco conhecidos Bono (goleiro), Amrabat (volante) e Ounahi (meia) e os já famosos (na Europa), Hakimi (lateral) e Zyiech (ponta-armador). Seu desempenho foi tão surpreendente e sua torcida deu um show tão grande, que a FIFA decidiu indicar o país como sede do Mundial de Clubes do próximo ano, que terá a presença de Real Madrid e Flamengo, dentre outros.

O jogo foi bom, principalmente porque nós, espectadores, estávamos acostumados desde há muito tempo a ver, nas disputas pelo terceiro lugar em Mundiais, partidas chochas, arrastadas, em que as equipes atuavam desfiguradas (com muitos reservas) e sem grande interesse pela vitória, quase cumprindo tabela. Croácia e Marrocos, não. Ambos valorizaram muito o bronze e lutaram o tempo todo. A ponto de, em Zagreb, ao final da partida, a população sair às ruas, em festa, para comemorar a classificação do seu selecionado!

Mas o que todo o mundo futebolístico aguardava, sem dúvida, era a finalíssima, opondo duas tradicionais bicampeãs que buscavam o tri, França e Argentina. Dois astros disputando a artilharia do certame, Mbappé e Messi. Dois representantes de continentes diferentes almejando o título. Antes de a bola rolar, muitas perguntas estavam no ar. Será que a peleja corresponderia às expectativas? Será que o 3-5-2 de Lionel Scaloni (ou o 4-3-3, com a entrada de Di Maria) superaria o 4-3-3 de Didier Deschamps? Será que os franceses obteriam um bicampeonato consecutivo, algo só conseguido pelos italianos (em 1934 e 1938) e pelos brasileiros (em 1958 e 1962)? Será que Messi levantaria a taça em seu derradeiro Mundial? Será que a taça ficaria com o entusiasmo argentino ou frieza madura da dos franceses?

O que se viu foi um duelo de gigantes, mas com um primeiro tempo todinho dos sul-americanos. Com uma exibição de gala, onde seu meio-campo (MacAllister, De Paul e Enzo Fernández) encaixotou Griezmann, deixando os franceses sem possibilidades de lançamentos em profundidade para as arrancadas de Mbappé, que vinha sendo uma das principais jogadas francesas na Copa. A tática de Scaloni era tão bem executada que aos 40 minutos (algo inédito em Copas), Deschamps já trocou seu ataque, com duas substituições que deram certo contra os marroquinos na semifinal (as entradas de Kolo Mouni e Marcus Thuram nos postos de Dembelé e Giroud). O problema é que os argentinos já venciam por 2×0, com uma atuação soberba de Di Maria (que sofreu o pênalti do primeiro gol, convertido por Messi, e anotou o segundo, após belíssimo e veloz contra-ataque iniciado por De Paul). O domínio dos hermanos foi tão grande que não houve nenhum chute ao gol de Emiliano Martínez!

Quando o árbitro polonês apitou o reinício da partida, havia grande expectativa. Os gauleses teriam condições físicas, técnicas e psicológicas para reagir? Haveria uma repetição de 1986, quando o time – na época conduzido pelo fora de série Maradona – abriu 2×0 também e deixou os alemães chegarem ao empate (antes do gol decisivo de Burruchaga, no fim do jogo)?

O segundo tempo começou da mesma forma que acabou o primeiro: domínio argentino, mas com o time platino evidenciando cansaço, trocando bolas para segurar o resultado e buscando contra-atacar. Mas aí, com Di Maria exausto, o técnico Scaloni foi obrigado a mexer na equipe e colocou Acuña, mais um lateral, pela esquerda. O time caía de produção e os franceses cresceram bastante, especialmente quando Deschamps sacou Griezmann, que bem-marcado nada produzia, colocando mais um atacante pela direita (Coman) e o lateral Theo Hernandez, substituído pelo versátil e jovem Camavinga, que deu outro fôlego à equipe. Os franceses, que até a saída de Di Maria não haviam dado um único chute a gol, se revigoraram, tomaram conta do jogo, criaram diversas oportunidades de gol e a estrela de Mbappé brilhou, com dois gols que levaram o jogo ao empate. E nos minutos finais, provavelmente só não aconteceu a virada francesa por uma única razão: o juiz não deu a lei da vantagem num contra-ataque em que Mbappé ficaria na cara do gol. Vacilo enorme da arbitragem!

Com o empate em 2×2, o jogo foi para a prorrogação, quando a Argentina veio melhor. E no início da segunda metade desse tempo extra, Messi desempatou. Quando o título já parecia sacramentado, Mbappé converte mais um pênalti e o jogo termina em 3×3. Notem que os técnicos buscaram o tempo todo a vitória, fazendo diversas substituições que aumentaram o poder de fogo de ambos os ataques. E quase deu certo para os franceses, que perderam uma chance incrível do tricampeonato quando Kolo Mouni, de dentro da pequena área, fuzilou para o goleiro Emiliano Martínez fazer aquela que foi considerada a “defesa da Copa”. Excepcional!

Jogo e prorrogação empatados, os dois times foram para os pênaltis. E os argentinos não desperdiçando nenhuma cobrança, enquanto o chute de Coman foi defendido por Martínez e Tchouameni chutou para fora sua oportunidade. O lateral direito Montiel fez o gol do título. Assim, os argentinos repetiram os brasileiros em 1994 e os italianos em 2006, campeões após a disputa através das penalidades máximas.

Há muitos anos acompanho Copas do Mundo e creio ter visto no Catar a final mais eletrizante e cheia de alternâncias. Argentina e França fizeram um espetáculo digno, emocionante. Não foi um primor de técnica – as finais de 1970 e 1974 continuam insuperáveis nesse quesito –, mas a raça dos atletas em campo, a ousadia dos técnicos e o frenético apoio dos torcedores, principalmente os argentinos, cantando e incentivando o tempo inteiro, compensaram um grande número de pelejas medíocres que vimos durante o torneio. E poder assistir ao fantástico Lionel Messi erguendo o troféu, em sua quinta e derradeira participação em Copas do Mundo, lavou a alma dos verdadeiros amantes do bom futebol. Como também ficarão marcadas as cenas em que Di Maria chorou: ao fazer o segundo gol argentino e ao deixar o campo, substituído por cansaço, ele que não pudera atuar na final de 2014, por contusão, quando sua carreira estava no auge.

Mesmo derrotada ao final, a França merece todos os cumprimentos. Um time que se reinventou depois dos cortes de craques titulares (por contusão, antes da Copa) e apresentou-se sempre frio e calculista durante o torneio. Na final, dado como morto até a metade do segundo tempo, renasceu das cinzas e quase obteve o feito inédito de conquistar duas Copas consecutivamente. E, em particular, ao genial Mbappé, autor dos 3 gols gauleses na final e artilheiro do Mundial – prêmio Chuteira de Ouro – com 8 gols anotados. A nova geração francesa, liderada pelo excepcional atacante, já conta com ótimos nomes para um futuro promissor no novo ciclo, como Camavinga, Tchouameni, Upamecano, Kolo Mouni, Fofana, Marcus Thuram e Konaté. Que Deschamps continue seu trabalho, garimpando mais e mais revelações.

E prestamos também uma homenagem especial ao craque da Copa, capitão argentino e maior astro da história futebolística de nossos vizinhos, ao lado de Maradona: Lionel Messi, eleito Craque da Copa. Exemplo de disciplina, determinação, humildade e senso de coletivismo, La Pulga fechou seu ciclo de mundiais levantando a taça e ostentando a medalha de ouro. O maior craque do século 21 fez sua despedida em grande estilo. E agora os hermanos começam a viver mais um dos costumeiros dilemas existenciais que os consomem, pois, para muitos, Lionel já é maior do que Diego. Pelos menos nos números, não há o que discutir. A começar pelo tempo de carreira em alto nível. Haja coração!

Em meio à comemoração efusiva de meus amigos argentinos, este texto encerra a série de boletins sobre a Copa do Catar. Daqui em diante, nos próximos Mundiais, deveremos ter novos protagonistas substituindo ídolos que se despediram no Oriente Médio, como Messi, Di Maria, Lewandowski, Modric, Cristiano Ronaldo, Busquets, Thomas Müller, Hazard, Varane, Shaqiri, Xhaka, Thiago Silva, Luis Suárez, Cavani, Henderson… A eles, nossos corações boleiros agradecem por tudo de belo que fizeram dentro de campo.

Um bom Natal a todos. E que as lições que nos foram dadas no Catar não sejam esquecidas. Grandes competições não são vencidas apenas pela técnica e habilidades individuais. Nem pela soberba ou menosprezo aos adversários. Que Papai Noel ilumine a cabeça dos dirigentes da CBF para que consigam escolher um treinador competente, estrangeiro ou não. O que interesse é que seja justo, sério, atualizado taticamente, disciplinador sem excesso e desvinculado do poder de pressão de empresários de jogadores. A Seleção Canarinho – a única pentacampeã – ainda merece respeito, só precisa saber por onde ele anda. A torcida agradece.

*Sylvio Maestrelli, educador e apaixonado por futebol

Acompanhe aqui a nossa série sobre a participação do Brasil em todas as Copas

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