Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

Noel e Coca-Cola

Divulgação The Coca-Cola Company

Noel e Coca-Cola

  • Heraldo Palmeira

Papai Noel não foi inventado nos tempos modernos e muito menos é uma criação da Coca-Cola. A prática de trocar presentes vem do século 3, resultado de uma tradição cristã antiga. A partir daí, há um longo percurso, desde um bispo turco magrinho e austero que gostava de distribuir presentes em segredo, até o bom velhinho rechonchudo e generoso que viaja em trenós puxados por renas distribuindo presentes com seu inconfundível ho-ho-ho.

No século 11, o culto ao bispo (agora santo) São Nicolau já havia se espalhado por Alemanha, Bélgica, França, Holanda e Suíça, bem como o costume das crianças colocarem meias e sapatos ao redor da lareira ou na porta de entrada na noite de 5 para 6 de dezembro, para que ele deixasse presentes.

No século 16, os protestantes do norte da Europa aboliram as cerimônias dedicadas a Nicolau, porque passaram a considerar uma devoção católica. Mesmo assim, os fiéis holandeses mantiveram a tradição e, no século 17, levaram-na nas migrações para Nova Amsterdã (hoje Nova York). Não demorou, foi adotada pelos colonos ingleses que já viviam na cidade. A festa foi ganhando contornos familiares com as crianças no centro das celebrações, sempre com distribuição de presentes como recompensa para bom comportamento e demonstração do afeto dos pais.

Em 23 de dezembro de 1823, o jornal nova-iorquino Troy Sentinel publicou de forma anônima o poema A Visit from St. Nicholas (Uma visita de São Nicolau), que se tornaria onipresente nos festejos natalinos da América do Norte. Nele, estava descrito um velhinho de bochechas salientes que viajava num trenó puxado por renas e entrava nas casas pela chaminé para deixar doces e presentes para todas as crianças – e não mais apenas para as comportadas. Na verdade, o poema terminou condensando a visão dos americanos sobre São Nicolau e outros visitantes do Natal.

Seu verso de abertura T’was the Night Before Christmas (Era a noite antes do Natal) tornou-se extremamente determinante para que as visitas de Noel ficassem “transferidas” para a noite de 24 de dezembro. Diante do sucesso, o poema recebeu ilustrações e teve publicações em diversos idiomas.

Foi o ilustrador e caricaturista alemão Thomas Nast, que vivia nos EUA, quem criou em 1863, e publicou como matéria de capa do jornal New York Harper Illustrated Weekly, a imagem consagradora de Papai Noel. Ele trocou as tradicionais roupas marrons ou verdes pelo traje vermelho com pele branca e o cinto largo de couro preto. E Nast não parou mais de criar ilustrações como o personagem, ajudando a fixá-lo no inconsciente coletivo. Em 1885, inventou que o bom velhinho morava no Polo Norte e o pacote estava completo.

Papai Noel da Coca-Cola

Em 1920, a empresa The Coca-Cola Company deu início à sua publicidade natalina com anúncios onde havia um Papai Noel ainda com ar austero, no melhor estilo do personagem de Nast. Foram publicados em diversas revistas de nicho – Ladies Home Journal, National Geographic, The New Yorker e The Saturday Evening Post.

A partir de 1931, o investimento publicitário foi ampliado para revistas mais populares porque a empresa estava decidida a incentivar o consumo do refrigerante também no inverno. Para o Natal daquele ano o executivo da agência D’Arcy, Archie Lee, determinou que fosse criada uma campanha mostrando Papai Noel “saudável, realista e simbólico”. Coube ao ilustrador norte-americano Haddon Sundblom conceber imagens que mostrassem o próprio Noel, algo que devia estar muito além de um homem fantasiado do personagem. Ele buscou exatamente o poema A Visit from St. Nicholas, porque evocava uma figura calorosa, amigável, humana. A cor vermelha que predomina na roupa foi apenas uma feliz coincidência, pois havia sido definida por Nast há quase 70 anos.

De 1931 até 1964, a publicidade da Coca-Cola ampliou muito as “atividades” do seu Papai Noel – entregando brinquedos e brincando com eles, lendo cartas com pedidos, visitando crianças, atacando geladeiras, desfrutando do refrigerante – e multiplicou as formas de aplicação das pinturas a óleo de Sundblom em anúncios e outras mídias. O artista usava amigos, crianças e até animais da vizinhança como modelos nas ilustrações e a menor alteração motivava manifestações e reclamações dos consumidores. Numa ocasião, ele esqueceu de colocar aliança no dedo do velhinho e a comprovação do sucesso foi imediata: uma enxurrada de pessoas quis saber da empresa o que tinha acontecido com Mamãe Noel!

Hoje, essas pinturas estão entre as peças mais valiosas da coleção de arte da empresa, já foram mostradas em museus importantes ao redor do mundo e permanecem em exibição no Word of Coca-Cola, em Atlanta (EUA).

A origem

São Nicolau (270-343), nascido na atual Turquia, foi um bispo cristão que costumava ajudar pessoas e dar presentes, sempre agindo em segredo. Teria sido esse costume do religioso que forjou o perfil do Papai Noel que conhecemos hoje.

Há quem defenda que a origem pode estar na lenda do Velho do Inverno, anterior a São Nicolau, um homem velho que aparecia na estação fria envolto em peles para pedir comida e bebida de casa em casa. Como o inverno era um período de privações inclusive de comida, quem o ajudasse de coração garantiria prosperidade e um inverno mais ameno.

O personagem

Em 1822, o professor norte-americano Clement Clark Moore visitava a prima Mary McVicker, onde hoje está Constableville, Nova York. Num dia de inverno rigoroso, ao lançar mão de um trenó para vencer a neve e ir à cidade fazer compras, ele se inspirou para escrever o poema A Visit from St. Nicholas (Uma visita de São Nicolau). O escrito, que descrevia Papai Noel com as formas atuais, foi lido por Moore para seus filhos na noite da véspera do Natal e, no ano seguinte, chegou ao jornal Troy Sentinel pelas mãos de um amigo do professor.

Clement Clark Moore

O nova-iorquino Moore era professor em um seminário de uma congregação protestante, que funciona até hoje no mesmo local (Nova Avenida, em Nova York). Também fazia parte do conselho de curadores da atual Universidade de Colúmbia. Sua posição acadêmica foi decisiva para que preferisse o anonimato naquele poema popular, mas a autoria lhe foi finalmente atribuída a partir de 1837, quando publicado no The New York Book of Poetry (O livro de poesia de Nova York), e depois por diversos editores. Mais adiante, por incentivo dos filhos, para quem havia escrito a peça e lido a primeira vez, incluiu-a no livro Poemas, uma antologia de suas obras editada em 1844.

O autor sofreu contestação de autoria porque alguns estudiosos passaram a atribuir o poema ao major Henry Livingston Jr., parente distante da sua esposa. Até hoje, permanecem duas correntes de opinião, embora a história pareça mais favorável a Moore.

Ele era também empreendedor imobiliário e, usando terras que herdara do avô materno (um militar inglês) numa parte da Manhattan ainda rural, fez fortuna ao lotear a propriedade onde hoje se encontra o bairro de Chelsea – a partir do nome da sua casa, que batizou assim em homenagem ao Royal Hospital Chelsea, de Londres.

Poema original   http://bancodashistorias.blogspot.com/2015/12/uma-visita-de-sao-nicolau.html

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