Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

KALUNGA MELLO NEVES Ela

Pexels/Pixabay

Ela

  • Kalunga Mello Neves

Que brincadeira incrível esta para a qual fomos convidados sem que a nossa vontade de participar ou não tenha sido levada em conta. Pegaram da nossa mão e saíram correndo. Descobrimos depois de muitos tropeços, arranhões no joelho, perguntas sem respostas que uma senhorita misteriosa e ao mesmo tempo muito simpática é que comandava a brincadeira. Dona da bola, das bonecas, de todos os jogos. Dona das nossas vontades e desejos, nos dizia até a hora de dormir, de estudar, de comer frutas e saladas. Sem nos darmos conta, fomos nos afeiçoando a Ela de maneira absoluta, fazendo dela uma parte importantíssima de nós. Eu, você, todos os outros.

Ela nos mostrou o que era proibido, o que era permitido, o que era e o que não era nem sabemos o quê. Mostrou-nos a noite e suas sombras, o dia e suas lágrimas, que depois descobrimos se chamar chuva. Mostrou-nos as agruras e alegrias de ir à escola, a ansiedade gostosa de esperar pelas férias, o dia especial do ano que era o nosso aniversário, os castigos sempre imerecidos, o momento certo de pedir, de aceitar, de reclamar, de obedecer, tão necessário e fundamental para que nos tornássemos GENTE com letra maiúscula, no passar das horas que desaguam no chegar do tempo.

Você é que nem eu. Eu sou parecido com seu amigo. Todos nós somos assim. A gente gosta e desgosta, chora e ri, briga e faz as pazes, cai e levanta, almoça e janta, erra e acerta, várias vezes, erra e acerta. Acredita e duvida, machuca e sara, fere e se arrepende, e haja verbo para acompanhar e definir tudo que somos. Mas todos nós somos assim. Você, eu, seu amigo. E quem nos fez assim, descobri quase que sem querer, foi Ela.

Tanto faz como você é. Ela jamais mudará para lhe agradar. Em cada dobra de esquina uma surpresa. Em cada surpresa uma decepção ou um prazer inesperado. E não adianta você não querer brincar mais. Ela continuará estendendo-lhe a mão como se nada tivesse acontecido. E sorrirá suavemente vendo suas feições de poucos amigos como que a lhe pedir explicações justificáveis. Então você terá que aceitar as regras do jogo. Claro, pois Ela é a dona do jogo.

Um belo dia, Ela se apresenta sem cerimônia, na sua simplicidade, serena como nuvem branca em céu azul de primavera. Ela pacientemente espera por esse momento, pois não quer que você não entenda o muito que tem a lhe dizer. Que é tudo enquanto durar a brincadeira, que devemos todos aproveitar ao máximo até que o entardecer nos chame dizendo que chegou a hora de voltar para casa.

A Vida é como cachorro pequeno. Adora brincar.

Falando nisso, olha Ela de mão estendida nos dizendo vem…

*KALUNGA MELLO NEVES, escritor

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