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Tratando a doença do Ministério da Saúde
- Francisco Balestrin
Os brasileiros saíram de um processo eleitoral vazio, com agressões mútuas, valorização de ideologias e quase nenhum debate sobre propostas que efetivamente possam melhorar a vida das pessoas e colocar o país nos trilhos do desenvolvimento socioeconômico e cultural. A saúde foi apontada este ano, por alguns institutos de pesquisa, como uma das principais preocupações dos eleitores, fato que se arrasta pelo menos desde as eleições de 2014. Apesar disso, dos problemas que enfrentamos com a pandemia e de termos registrado um dos maiores índices de mortalidade por Covid-19 em todo o mundo, com quase 700 mil óbitos, praticamente nada foi proposto neste pleito para melhorar a saúde dos cidadãos.
Em 2023, o SUS completa 35 anos. Trata-se de uma conquista inquestionável para a sociedade: “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (artigo 196 da Constituição). O momento de expectativa pela chegada da nova gestão federal exige uma avaliação profunda sobre o que efetivamente está e o que não está funcionando no nosso sistema de saúde. O SUS, como assistimos nos últimos dois anos, foi o pilar da cidadania em nosso país, em uma das maiores crises sanitárias da história. É, portanto, um verdadeiro patrimônio civilizatório e motivo de orgulho para todos os brasileiros. Lamentavelmente, como não temos conseguido encontrar meios para fazer escolhas racionais em questões de saúde, usando critérios de efetividade e racionalidade, estas ocorrem aleatoriamente, através de pressões políticas, lobbies ou decisões jurídicas individuais. Claro que, assim, os resultados não podem ser bons.
As insistentes filas para atendimento nos hospitais – que são peças fundamentais para o sistema – são retratos de um modelo assistencial retalhado. Cabe à atenção primária, através dos agentes comunitários de saúde, Programa Estratégia Saúde da Família, a médicos e equipe multiprofissional orientar os cidadãos em suas jornadas de saúde, para que elas sejam efetivas e eficazes. Mas esse “caminho” precisa estar traçado.
Publicações técnicas apontam que 85% das questões de saúde podem ser resolvidas na atenção primária, portanto, é aqui que se produzem os melhores resultados para a saúde da população. Além de porta de entrada do sistema, uma atenção primária organizada e bem-feita desafoga os serviços de urgência e emergência e encaminha as pessoas para serviços de maior complexidade, quando necessário, diminuindo as filas nos hospitais e os custos assistenciais para os cofres públicos. Infelizmente, nosso modelo ainda não foi capaz de se organizar de forma adequada para proporcionar uma integração assistencial efetiva entre os serviços de diferentes complexidades.
No Setor de Saúde Suplementar também verificamos uma fragilidade organizacional de modelo. Mesmo com mais recursos, encontramos filas nos prontos-socorros e o crescente número de consultas, exames e procedimentos não têm, necessariamente, garantido saúde melhor para os usuários desse sistema.
O financiamento é outro problema que precisa ser enfrentado. De acordo com o IBGE, a saúde movimenta por ano 9,6% do PIB. Tomando como base o PIB nacional de 2021, de R$ 8,7 trilhões, chegamos a um montante de R$ 835,2 bilhões, incluindo investimentos públicos das três esferas de governo (União, Estados e Municípios) e do setor privado (compreendido pela saúde suplementar e investimentos diretos feitos pelas famílias).
Quando analisadas as despesas dos setores público e privado isoladamente, o público fica com a menor fatia de investimento: 4,2% do PIB (R$ 365,5 bilhões), contra 5,4% do setor privado (R$ 469,7 bilhões). Na comparação com países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), observa-se que as despesas brasileiras como proporção do PIB são semelhantes, mas a participação dos gastos públicos é menor do que a média desses países. É inadmissível que em um sistema como o SUS, que está fundamentado nos pilares da universalidade, equidade e integralidade, os investimentos públicos sejam menores que os investimentos privados.
Essas distorções têm origem, principalmente, em uma visão desestruturada do sistema de saúde, tanto das autoridades públicas quanto privadas, que privilegiam, muitas vezes, ações mais imediatistas e não conseguem planejar e implantar políticas estruturantes capazes de gerar resultados em médio ou longo prazos. Por isso, nossos esforços, demandas e anseios são concentrados na doença, e não na saúde. Já passou da hora de inverter o foco.
Tentar, por exemplo, resolver “apenas” a fila nos hospitais é como se, num navio que teve o casco perfurado por um iceberg, colocássemos atenção no tamanho do balde para drenar a água, ou na técnica utilizada pelo marinheiro para retirá-la. O balde pode ser pequeno e o marinheiro despreparado, mas nada disso significa que o problema verdadeiro não seja a enorme abertura no casco. Com a experiência de 35 anos de SUS e um novo governo entrando em cena, a expectativa é que possamos aprender, prioritariamente, que melhor do que cuidar do cidadão doente é cuidar para que ele não adoeça.
*FRANCISCO BALESTRIN, médico e presidente do SindHosp (Sindicato de Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde do Estado de São Paulo)