Por Heraldo Palmeira
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22 de novembro de 2024

Ídolos de barro?

Dmitry Abramov/Pixabay

Ídolos de barro?

  • Sylvio Maestrelli

Robinho, Neymar, Daniel Alves. Indiscutivelmente três ótimos jogadores que simbolizam nossa mais recente história futebolística. Talentosos, campeões. Talvez supervalorizados por atuarem em equipes de ponta na Europa, repletas de craques, onde, no entanto, nunca se tornaram seus principais protagonista. Talvez por serem bastante habilidosos em um momento do futebol brasileiro onde poucos evidenciam habilidades de malabaristas. Talvez referências e ídolos das novas gerações de torcedores, pelos títulos conquistados em suas carreiras. Diga-se de passagem, gerações essas que consideram esses dois primeiros atletas citados como os maiores dribladores de nossa história, ao lado de Ronaldinho Gaúcho. Evidente que não viram jogar Garrincha, Canhoteiro, Julinho Botelho, Joãozinho, Júlio César (“Uri Geller”), Zé Sérgio…

Mas o que esses três futebolistas têm em comum além da origem muito humilde, fortuna, sorriso fácil, arrogância, grande quantidade de seguidores, subserviência e cumplicidade de muitos profissionais da imprensa e oportunismo nos posicionamentos políticos? Respondo: o protagonismo em escândalos, particularmente ligados a asquerosos e inomináveis assédios sexuais e estupros!

Robinho esteve envolvido em um mal contado caso de sequestro na Baixada Santista e forçou sua transferência para o Real Madrid, onde bateu de frente com os galácticos e decepcionou completamente. De lá, perambulou por outros grandes europeus, como Manchester City e Milan, mas nunca chegou ao patamar desejado de melhor do mundo. Por fim, já em declínio técnico, envolveu-se com amigos em um estupro coletivo contra uma albanesa em uma boate na Itália. Fugiu do país e foi condenado. A Justiça italiana até hoje espera sua extradição. Enquanto isso, ele não sai do Brasil com medo da Interpol, que pode capturá-lo e enviá-lo para a prisão.

Neymar foi negociado em transação no mínimo nebulosa – até hoje os fiscos espanhol e brasileiro têm discutido o caso, que envolveu Santos, Barcelona, a empresa DIS e outros intermediários. Sua postura como profissional sempre gerou polêmicas: teria sido ético ele disputar o Mundial de Clubes pelo Santos, exatamente contra o Barcelona, quando já estava contratado pelos catalães? Será que sua atuação decepcionante naquela partida específica tem algo a ver com isso? E as suas constantes simulações (cai-cai) tentando enganar os árbitros (em especial nas Copas do Mundo), que lhe custaram o apelido de “piscineiro” na Europa e muitas charges ridicularizando seu comportamento? E algumas atitudes amadoras extracampo, como participar de baladas enquanto estava contundido, afastado do time para repousar e se tratar? E a exigência de jogar com a 10 na Seleção, tomando-a de Oscar na marra? E pedir para bater sempre o último penal em decisões, para se consagrar (vimos o que ocorreu no jogo contra a Croácia em 2022)? E os conflitos com treinadores (Renê Simões, Dorival Júnior, Thomas Tuchel) e colegas de time (Cavani, Mbappé)? Sem contar outros escândalos como a divulgação de vídeos íntimos (com a modelo Najla Trindade em Paris) ou a Nike ter rescindido contrato com ele, por acusação de assédio e estupro a uma de suas funcionárias. O sonho confessado de ser o melhor do mundo, se nunca pareceu mesmo possível, parece cada vez mais distante.

Daniel Alves, jogador que tem o maior número de conquistas na história do futebol profissional – embora nunca tenha ganho uma Copa do Mundo – completa esse trio. Sempre na mídia, manteve por muito tempo a imagem do boa praça, do simpático baiano bon-vivant apaixonado por looks e modismos de vestuário extravagantes – sempre com cara de alegoria dado o exagero. Mero coadjuvante por onde passou, seu ego sempre o colocava em um pedestal que certamente não atingira. Tal máscara gradativamente foi se deteriorando, ao tempo em que chegava o declínio da carreira. A segunda saída do Barcelona, dispensado, foi o divisor de águas. Suas passagens por São Paulo e Pumas foram fiascos retumbantes – o ódio das respectivas torcidas é o legado indiscutível – que calibraram a realidade. E depois da fracassada tentativa de ser o mais velho a conquistar uma Copa do Mundo (delírio endossado pelo irresponsável Tite), veio a pá de cal: também foi acusado de estupro por uma jovem e hoje está preso na Espanha, onde aguarda julgamento com altos indícios de culpa.

Os casos de Robinho, Neymar e Daniel Alves são apenas os mais recentes. Quando ainda iniciava a carreira de jogador no Grêmio, o agora consagrado técnico Cuca também se envolveu num crime de estupro. O caso ocorreu em Berna, Suíça, enquanto o time gaúcho excursionava pela Europa. A vítima, uma menina de 13 anos, teria ido ao hotel com dois amigos em busca de camisas do time. Convidados a ir até o quarto, os meninos logo foram expulsos do aposento pelos jogadores e, segundo depoimento da vítima, “os quatro avançaram sobre mim”. No caso, os quatro eram Cuca, Eduardo Hamester, Henrique Etges e Fernando Castoldi.

Não faz muito tempo, Cristiano Ronaldo enfrentou acusações semelhantes de uma norte-americana, que alegava ter sido estuprada pelo jogador em um quarto de hotel em Las Vegas (2009). O caso foi reaberto e terminou arquivado no início de 2022. A mulher alegou que, depois da denúncia, foi coagida pelos advogados a assinar um acordo para não divulgar e encerrar o caso, pelo que teria recebido US$ 375 mil (R$ 1,9 milhão).

Histórias escabrosas como essas não são incomuns, muitas delas caem na escuridão porque as vítimas temem denunciar e enfrentar mais sofrimentos, represálias e sanções sociais absolutamente cruéis.

Ninguém é ingênuo de acreditar que esportistas são santos, bem-comportados o tempo inteiro. Nem os brasileiros, nem os estrangeiros em qualquer época. Também é de bom tom tomarem precauções, pois há pessoas oportunistas e previamente mal-intencionadas, como parece ter sido o caso enfrentando pelo mesmo Neymar em um hotel em Paris.

Em tempos mais românticos os jovens Pelé e Mazzola foram flagrados, durante a Copa de 1958, envolvidos com louras suecas após o horário marcado de retorno ao hotel. Garrincha fugia de concentrações, bebia demais, sempre gostou das companhias femininas e teve um filho sueco. Na Copa 1970, Jairzinho teria sido o mesmo furacão em campo e nas alcovas. O argentino Doval foi o rei das grandes áreas do Maracanã e das areias – e lindas meninas – de Ipanema. Em tempos diferentes, Rivelino e Roberto Dinamite se renderam aos encantos de Sônia Braga, no auge da brejeirice Gabriela da atriz. Edmundo e Renato Gaúcho também ganharam fama nas alcovas. Romário, ainda no Sub-20, foi cortado da Seleção que ganhou o Mundial de 1985 por importunar garotas que passavam diante do hotel onde estava concentrado. Ronaldo se envolveu com uma nipo-brasileira durante a Copa 2002 e daí por diante chegou até o escândalo com travestis.

A grande diferença destes outros craques da bola e dos lençóis é que “suas aventuras ocorreram de forma consensual”, como destaca Hayton Rocha, colaborador do Giramundo. E no campo profissional, foram ídolos da torcida brasileira porque, além das vitórias e títulos, também cultuavam com humildade e reverência seus próprios ídolos, sem essa postura arrogante das celebridades atuais. Pelé sempre teve Zizinho como referência. Gérson idolatrava Didi. Rivelino era fã de seus rivais e contemporâneos Ademir da Guia e Dirceu Lopes. Jairzinho se inspirava em Garrincha. Tostão venerava Pelé. Ronaldo cultuava Zico. O Galinho tinha Dida como grande ídolo. Romário reverenciava Roberto Dinamite, que era adorado por Edmundo. Falcão admirava Carpegiani. Júnior tinha Nilton Santos como modelo. E assim por diante.

No entanto, o que se vê de 2010 em diante é exatamente o contrário. Prepotência, soberba, um olhar de cima para baixo da maioria de nossos principais futebolistas em relação ao distinto público amante do futebol. Seus balizadores para comportamento são o marketing e as redes sociais, não mais as críticas recebidas por suas atuações, boas ou ruins. Basta para eles mensurarem a popularidade traduzida pelas curtidas em suas postagens. A maioria sequer conhece os nomes e as conquistas de nossas feras de antigamente. Pior ainda, alguns os menosprezam!

Também se distanciaram bastante da massa torcedora, a ponto de grande parte deles jogar com nome e sobrenome (Phelipe Coutinho, Bruno Guimarães, Daniel Alves, Thiago Silva, Renan Lodi, Guilherme Arana, Mateus Cunha, Roberto Firmino, Douglas Costa, Gabriel Jesus), em vez de diminutivos carinhosos (Bebeto, Zico, Ronaldinho, Jairzinho, Dadá, Julinho, Coutinho, Chico, Zequinha, Edu, Mazinho, Nado) ou apelidos (Dida, Vavá, Kaká, Zito, Tita, Pinga, Pepe, Didi, Dunga, Pelé, Garrincha, Bobô, Bita), o que gerava uma cumplicidade entre craques e torcedores, que os “adotavam”. Nome composto ou sobrenome naqueles tempos? Eram de uso quase exclusivo de defensor ou volante, para “impor respeito”. Como Djalma Santos, De Sordi, Luís Pereira, Nilton Santos, Bellini, Falcão, Dino Sani, Wilson Piazza. Esses, sim, autênticos líderes e ídolos, que não fugiam de entrevistas nem se escondiam atrás de assessores após eventuais derrotas.

Daí Ídolos de barro? como título-pergunta deste texto. Vivemos, futebolisticamente falando, em uma seca de ídolos em nosso futebol? Quem são nossas referências atuais, jogadores dos quais nos orgulhamos e a quem aplaudimos? Quais exemplos nos são dados? O planeta bola se curva diante de algum futebolista brasileiro, como fazia até 2010? Ou temos ídolos de barro sem qualquer amor a camisas e mais presentes nas listas mundanas extracampo do que nas de melhores do mundo? Enfim, estamos realmente decadentes?

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