PeggyPixabay
Eu queria ser
- Kalunga Mello Neves
Eu queria ser tanta coisa… e tal desejo marcou demais a minha adolescência. A ilusão encorajadora insistia em dar à minha consciência seus palpites furados. Minha tradicional rebeldia juvenil contestava veementemente qualquer sugestão madura que viesse a interferir em um futuro ainda não planejado por mim, apesar do meu total desconhecimento sobre meus planos para com ele.
Eu queria ser dono do meu nariz, ser feliz. Se bem que para mim a felicidade era facilmente confundida com liberdade sem limite – sinceramente, o é até hoje. Sempre tive em mim que sabia para onde ir, só que não como chegar. E me sentia bem assim, ao sabor dos ventos, saboreando seus carinhosos açoites no meu rosto ainda imberbe.
Eu queria contestar bons exemplos e ao mesmo tempo observá-los com reverência e admiração, intimamente disposto a segui-los, desde que não cobrado para optar por isso, e que ninguém soubesse das minhas intenções. Meu pai, com sua honestidade e confiável submissão, era um destes exemplos. Outras pessoas, próximas ou distantes, também chamavam a minha atenção. Um professor me disse que era assim mesmo, e só depois moldaríamos nossa verdadeira personalidade. Nem todos concordavam com ele, o que o deixava pra lá de satisfeito. As controvérsias davam o tom para que a luz das ideias alardeasse suas chamas e incendiasse meu livre pensar – essa frase eu inventei agora.
Eu queria viver até não sei quantos anos. Mas também neste querer, mil contradições. Quando jovem, que o tempo parasse e me deixasse curtir minhas inquietudes. Quando adulto, que ele corresse mais depressa para que meus desejos e sonhos fossem concretizados um por um. Quando velho, ou quase isso, que ele adquirisse uma lentidão saudável e romanticamente lírica, para eu sentir novamente o sabor dos ventos bajulando meu rosto de aspecto cansado.
Eu queria ser tanta coisa… Quem não quer?
*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante