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Reforma tributária pode ser arbitrária
- Francisco Balestrin e Renato Nunes
“Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos.” A frase é do pai da Revolução Americana, Benjamin Franklin, e mostra que a cobrança de tributos sempre foi controversa. No Brasil, segundo declaração recente do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, vivemos um “manicômio tributário”. E não há exagero nessa afirmação.
Nos últimos 35 anos, ou desde a Constituição de 1988, foram editadas mais de 320 mil leis, instruções e outras normas tributárias, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Ainda de acordo com a instituição, tal arcabouço de regras obriga as empresas a gastarem, todos os anos, cerca de 2,6 mil horas apenas para cumprir com suas obrigações com o Fisco. É o pior resultado entre 189 países.
A boa notícia é que a reforma tributária é uma das prioridades da União, que pretende aprová-la ainda este ano. O Executivo federal manifestou apoio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, que tramita na Câmara dos Deputados, na qual deverão ser incluídos dispositivos da PEC 110, em trâmite no Senado. Para o setor de serviços, que agrega Saúde e Educação, que são áreas de interesse público, essas duas PECs não são boas, pois, além de serem muito complexas, poderão resultar num aumento expressivo da carga tributária, ao proporem a unificação dos ditos tributos sobre o consumo (IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS) e a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nos moldes do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), presente em diversos países.
Um dos principais pontos da reforma tributária é a adoção do regime de não cumulatividade, o que, para o segmento de serviços, pode gerar impactos altamente negativos, já que sua despesa mais expressiva é com mão de obra e isso não gera direito a crédito. No setor da Saúde, que possui média salarial elevada, o problema se agrava, pois comprime ainda mais a base de “creditamento” e aumenta a carga do IBS proposto nas PECs.
O setor de serviços é o maior empregador do país e foi responsável por 72% do PIB nacional em 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Somente na Saúde, hospitais, clínicas, laboratórios e outros serviços empregam, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), cerca de 2,6 milhões de trabalhadores diretos. Calcula-se que o setor gere outros 2,5 milhões de postos de trabalho indiretos.
No afã de reformar a tributação do consumo, não é admissível que haja transferência de carga tributária para um setor tão relevante para a sociedade brasileira. É imperioso que a reforma aspire por isonomia entre os setores, sem perder de vista as suas diferenças e os impactos para a sociedade. Em fevereiro, o Executivo instituiu um grupo de trabalho (GT) para analisar, em 90 dias, a PEC 45. Estudo feito pela consultoria LCA, porém, mostra que essa PEC poderá fazer a carga tributária da Saúde mais que dobrar, se adotada uma alíquota única de 26,9% para todos os setores. A proposta aumentaria as mensalidades dos planos de saúde em aproximadamente 22%, o que pode expulsar cerca de 1,2 milhão de beneficiários desse sistema, levando-os ao SUS, que está com os recursos engessados.
Nos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que adotam o IVA, a alíquota média aplicada é de 19,3%. Há anos, o Brasil tenta aprovar uma reforma tributária, sem sucesso. Além da dificuldade em contemplar os anseios de todos os envolvidos, o país precisa vencer a ansiedade em aprovar algo tão complexo de uma única vez, ou seja, numa tacada só. Somos um país com diferenças socioeconômicas, culturais e ambientais enormes, por isso a maneira mais produtiva e segura para avançar com o tema seria, talvez, introduzir as mudanças de forma gradativa.
A discussão sobre a reforma tributária já começou. Esperamos que o Executivo e o Legislativo abram espaços para debates com o setor de serviços, outros setores econômicos e a sociedade civil organizada. O Brasil precisa não só de redução de impostos, mas de impostos melhores. Além de simplificar e desburocratizar o sistema, a reforma almejada precisa criar um ambiente de negócios que garanta segurança jurídica, favoreça o empreendedorismo e a competitividade, gere empregos, traga mais justiça social, não onere a carga para nenhum setor da economia, agrade a todos os entes federativos e que, enfim, possa levar o país ao tão desejado desenvolvimento socioeconômico.
*FRANCISCO BALESTRIN, médico e presidente do Sindicato de Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde do Estado de São Paulo (SindHosp)
*RENATO NUNES, advogado e professor da FGV e USP/Esalq