Por Heraldo Palmeira
Los Angeles
Nova York
São Paulo
Lisboa
Londres
Fase da Lua
.
.
22 de novembro de 2024

Dia da Mulher

Tim Kawasaki – montagem (Pixabay)

Dia da Mulher

  • Heraldo Palmeira

A mulher é o centro de tudo. Enquanto o homem não entender isso, seguirá periférico. Que elas sigam leves e soltas amando homens e mulheres livremente e tornando, para o nosso próprio bem, o Universo cada vez mais feminino. Amém!

Ao invés de flores e mensagens obrigatórias das convenções sociais, voz firme contra todos os abusos que elas ainda sofrem como se estivéssemos na Pré-História.

A gente sempre gosta de inventar datas. É simpático, faz efeito, marca. Enche os olhos das convenções sociais. Ou pode servir como marco de engajamento e responsabilidade coletiva.

Em 1910, numa conferência na Dinamarca, é que ficou decidido reverenciar a mulher em data específica. Em 1970, a marcha de centenas de milhares de mulheres americanas contra a Guerra do Vietnã evocou e deixou o 8 de março de 1857 outra vez pairando no ar, pela memória da tragédia em Nova York que teria dado origem à data. Em 1975, a ONU finalmente consagrou o Dia Internacional da Mulher como data universal. Tenho quase certeza de que os 65 anos de demora desde o encontro de Copenhague foi coisa de homem.

Certa vez, um chefete reclamava que havia exagero ao redor da celebração. Cretino absoluto, se achava engraçado ao afirmar que a data certa era 6 de março, mas as mulheres “levaram dois dias se arrumando” e por isso só pôde acontecer no dia 8. Salvou-nos o decano do departamento: “Elas não demoram se arrumando, estão apenas ficando mais lindas e nem sempre o alvo merece”. Até hoje tenho dúvidas se o outro entendeu.

Sim, nós homens somos assim: insensíveis, chatos, pragmáticos, metidos a donos da verdade, a resolver tudo, mas incapazes de perceber um corte, uma nova cor no cabelo, as unhas impecáveis. Por isso, prefiro as mulheres. Muito, muito mais! Bonitas, delicadas, práticas, sempre prontas a dar um jeito, arrumar tudo da melhor maneira, conciliar o máximo de interesses, pacificar as beligerâncias masculinas, amadurecer as infantilidades dos super-homens que andam soltos por aí, enfeitar tudo com o toque feminino. E a tal da intuição… Um perigo!

Experimente aturar pai, irmão, filho, namorado, marido (até ex), cunhado, sogra, chefe e vai ver rapidinho o que é bom pra tosse. Achou pouco? Tente imaginar o que é a concorrência das outras mulheres observando sem trégua e censurando cabelos, formas, roupas, sapatos, acessórios, batons, esmaltes, maquiagem… O reino da inveja e das línguas ferinas é coisa de doido!

As mulheres são perfeitas nas suas imperfeições e muitas vezes nos enlouquecem. E o que seria de nós sem elas nesse interessantíssimo conjunto da obra? Nadica de nada. Ficaríamos paralisados por nossas inseguranças masculinas, pois tudo o que queremos são as delicadezas que só elas trazem na genética. Todas elas, cada uma na sua respectiva jurisdição: avó, mãe, tia, irmã, filha, parceira amorosa (até ex) e cunhada.

Seja Dia Internacional da Mulher ou qualquer dia, que elas continuem sendo apenas mulheres. Simples, metidas, calmas, enlouquecidas, esfuziantes, discretas, mandonas, dóceis. Lindas, mesmo as que esses padrões horrorosos definem não lindas – e quem diabo inventou os padrões, senão algum homem feio? Experimente adoecer sem uma delas por perto, seu homem feio! São elas que cuidam quando transformamos dores minúsculas em fim de mundo. Logo elas, quem têm exclusividade das dores do parto. Com razão, devem nos achar uns fracotes.

Cresci numa casa predominantemente feminina e confesso com autoridade: sou um sortudo! Aprendi a rir da presunção masculina muito cedo. Somos uns bobos de pensar em igualdade feminina, até porque elas estão muito distantes de nós. Basta colocar a maternidade na roda de conversa e temos que nos recolher à nossa máscula insignificância. Quando conseguiríamos dar à luz um filho e, pela vida inteira – e até depois, na Eternidade –, oferecer a ele o amor eterno e incondicional de mãe? Igualdade feminina? Sei!

Falo de cátedra, pois minha mãe está lá por cima desde 2007 e eu sinto sua presença maternal todos os santos dias desta minha vidinha mundana. Meu pai, um cara pra lá de bacana, se foi 37 anos antes dela, mas eu só “o vejo” de vez em quando. Venha falar de igualdade feminina agora, homem!

Que as mulheres continuem fazendo do mundo um lugar melhor como apenas elas sabem fazer. Que consigam se libertar de todos os jugos, preconceitos, assédios e violências que nosso machismo insiste em impor – e que a gente seja homem para ajudar, fazendo nossa parte, estando à altura delas.

História Tudo pode ter começado com Eva, certamente uma figura muito mais interessante que Adão. A mulher que ganhou fama não por ser a mãe original, mas pelo pecado original, não deixou por menos. “E surge Eva, que mal chegou e já chegou transgredindo. Foi atrás da única coisa proibida entre as infinitas benesses do Jardim paradisíaco […] Trouxe mais complexidade ao mundo: porque a sua própria natureza já veio complexa […] Eva, que reúne a essência de todas as mulheres, tirou, enfim, o mundo do tédio”, nas palavras da escritora Bechy Korich.

A origem do Dia Internacional da Mulher estaria na suposta tragédia numa fábrica de tecidos em Nova York, exatamente em 8 de março de 1857, onde 129 tecelãs morreram carbonizadas por culpa e covardia de homens. Os patrões teriam incendiado a própria tecelagem onde as mulheres estavam em greve e foram aprisionadas por eles na tentativa de sufocar o movimento. Hoje, pela falta de registros históricos confiáveis, resta a impressão de que esse episódio ganhou contornos de lenda. Antes fosse!

A história da luta pela emancipação feminina também ficou marcada por duas greves de costureiras, a de 1909 a 1910 e a de 1911, na mesma Nova York. Esta última culminou num incêndio na fábrica de roupas Triangle Shirtwaist (25 de março de 1911), um dos incidentes mais infames da história industrial dos EUA. Ali, 123 mulheres e 23 homens morreram vítimas do fogo causado pela falta de segurança das péssimas instalações da indústria, e de portas trancadas dentro do prédio para evitar roubos.

Na verdade, a empresa era um antro de trabalho clandestino onde adolescentes imigrantes – a maioria sequer falava inglês – cumpriam jornadas diárias de 12 horas, de domingo a domingo, para receber US$ 15 (R$ 77,1) semanais. Embora esse incêndio tenha sido fatalidade, os patrões Max Blanck e Isaac Harris eram conhecidos pelas delinquências: em 1902, 1907 e 1910 nada menos do que quatro incêndios “providenciais” lamberam suas fábricas antes do horário comercial, felizmente sem vítimas, permitindo que cobrassem elevadas apólices de seguros que haviam contratado. Pode parecer inacreditável, mas essa era prática comum no início do século 20.

Mesmo não tendo sido criminoso, o incêndio de 1911 teve como aliada a negligência dos dois empresários, que se recusaram a instalar sistema de sprinklers e adotar medidas de segurança reclamados pelas seguradoras. A imagem das operárias se atirando em desespero dos três últimos andares do Asch Building, na esquina da Greene Street com Washington Place, em Manhattan, serviu para realimentar a memória do dia 8 de março de 1857. Também provocou a criação de uma série de leis e regulamentos para proteger os trabalhadores.

Ouça

Luz del Fuego   https://open.spotify.com/track/1Y2HkCcAwFQ4jLTKG2Z1mv?si=abb5f446d9f14bd4

©