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Aí, você me diz…
- Kalunga Mello Neves
Aí, você diz que uma pessoa é geniosa. A referência a ela passa a ser imediatamente negativa. Muito difícil de conviver, previsível em seus rompantes, imprevisível em suas decisões. Se fizer parte, então, do nosso ciclo de intimidade, valha-nos Deus!
Nos é muito mais confortável – logicamente sob nosso ponto de vista – conviver com a sensatez, cordialidade, submissão, concordância do outro. Aqueles que denotam uma mínima divergência com o que achamos mais plausível e correto, tornam-se empecilho e embaraçam nossas pretensões atitudinais ou argumentativas. O gênio de tais pessoas é insuportável, ainda sob nosso ponto de vista, logicamente.
Mas, não mais que de repente, percebemos genialidade em determinada criatura. Nossa opinião volátil e altamente confiável pode até avalizar que estamos diante de um Gênio, grafado, sim, com a distinção merecida. “É um Gênio!”, repetimos eu e todos. O tratamento passa a ser diferenciado, benevolências respeitáveis mais do que as necessárias, uma admiração justa porém demasiadamente exagerada, tudo passa a existir em relação ao astro do momento.
Fico a meditar com meu zíper: um Gênio, necessariamente, é uma pessoa geniosa? Uma pessoa geniosa jamais será um Gênio? Por que o Gênio é reconhecido e admirado, e o genioso, não? – na verdade, tem grandes chances de ser temido e rejeitado.
– Você gostaria de saber se eu sou genioso? Não tenho obrigação de lhe responder agora, estou inteiramente concentrado neste artigo. Desculpe, mas esta é minha maneira de ser. Alguma outra pergunta?
Aí, você me diz que uma pessoa é ambiciosa. Mais uma referência que contamina pela negatividade. E dá-lhe chumbo grosso: pessoa sem escrúpulos, calculista, traíra quando necessário, inconfiável por lançar mão de quaisquer recursos para conseguir seus intentos, e por aí vai.
Ficamos com a impressão de que os ambiciosos andam por uma estrada de mão única. E a mídia fortalece tal informação ao utilizar a expressão como falha de caráter, defeito ético, virtude dos vilões e desalmados. Será?
Eis que aparece alguém bem-sucedido a conclamar aos quatro ventos: “Devo tudo o que sou à minha ambição. Não fosse assim, não teria estímulo para ir em frente, não me aperfeiçoaria para ser melhor do que era a cada dia que passava. Sou um vencedor, sim, pois fui atrás do que ambicionei, e não do que sonhei, porque a ambição me instigava para ousar diante do real, e o sonho me iludia a escancarar diante de mim, de forma suave, o abstrato do concreto que é o real também, só que em sua forma de faz de conta”. Acho até que houve muita ambição filosófica na defesa desse alguém para a própria ambição concreta!
– Você está me perguntando se sou ambicioso? Respondo: nesta altura da vida, me considero mais um sonhador conformado, sem maiores ambições, a não ser manter o que conquistei e ainda me resta de bom. Confesso que não sei se isso é ser genioso.
Aí, você me diz…
*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante