Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

Boleiros sem bola

Alexas_Fotos/Pixabay

Boleiros sem bola

  • Sylvio Maestrelli

Refleti muito nestes últimos dias. Adoro futebol, mas confesso que está cada vez mais difícil assistir aos jogos, hoje. Emoção não falta, mas isso até na várzea encontramos. Mas quanto à técnica, convenhamos… a coisa está feia!

Não é à toa que brilhantes técnicos, como Guardiola, Klopp, Ancelotti, Simeone são contratados a peso de ouro e muitas vezes conseguem ser mais idolatrados por torcedores do que os próprios jogadores. Claro! Eles delineiam estratégias a partir de análises minuciosas dos adversários e concebem e treinam exaustivamente jogadas ensaiadas para surpreendê-los. São de fato respaldados por patrocinadores e dirigentes que os apoiam, contratando não necessariamente os “melhores” jogadores, mas os que mais se adequam aos estilos de jogo propostos. E como atualmente inexistem foras-de-série como Pelé, Maradona, Garrincha, Cruyff, Beckenbauer, Zidane, Zico, Ronaldo, Eusébio, Puskás, Di Stéfano – Messi foi o último dos moicanos –, vencem pela eficiência do jogo eminentemente coletivo, com as peças bem encaixadas e arrumadas. Querem um exemplo melhor que o Manchester City? Um grupo de ótimos jogadores, não?

Só que os principais treinadores têm algumas características em comum. Não abrem mão de liberdade para escalar o time, não gostam de trabalhos que impliquem pouco tempo de preparo e treinamento, não costumam aturar chiliques de pseudoestrelas e, sobretudo, são extremamente profissionais. Daí preferirem trabalhar nos clubes, com projetos de longo prazo, em detrimento às seleções nacionais.

Quanto aos jogadores, as diversas premiações de “melhores do mundo”, além de configurarem um eurocentrismo pra lá de discutível, confirmam minha tese: quando atacantes apenas muito bons, como Lewandowski e Benzema ganham o troféu, é porque a coisa está braba. Hoje, talvez o único jogador que possa desequilibrar uma partida seja Mbappé – daí ser o mais valioso do mundo. Mas, como uma andorinha só não faz verão, está louco para deixar o PSG ignorando o supercontrato que acabou de assinar com o clube.

E a tendência é piorar. Sim, porque a ganância da FIFA e da UEFA em aumentarem o número de participantes em Copa do Mundo, Liga dos Campeões ou Mundial de Clubes, democratizando (sic) as competições, visa claramente mais lucros, relegando a nível cada vez menor a questão fundamental do mérito. O negócio é mata-mata, disputas por pênaltis, danem-se a regularidade e os trabalhos de longo prazo. Imaginaram uma Copa com Ilhas Salomão, mas sem alguns europeus bem mais fortes? Um Mundial de Clubes com campeões da Liga Europa e Copa Sul-Americana que sequer se classificaram para a Liga dos Campeões e a Libertadores? Pois é…

Se, antigamente, uma Copa do Mundo era o ápice da carreira de um futebolista, hoje ela é um enfado que prejudica suas férias, caso atue no hemisfério norte. Se o nacionalismo aflorava e rivalidades tornavam os clássicos entre seleções autênticas guerras de garra e técnica – Brasil x Argentina, Itália x França, Alemanha x Inglaterra são excelentes exemplos –, hoje o que se vê são jogos entre amigos que atuam em um mesmo clube durante o ano inteiro, que sequer choram após uma derrota num Mundial. Apenas jogadores desconhecidos internacionalmente (uma raridade!) – de seleções menos cotadas – ou esquecidos em pequenos times europeus se matam em busca de um futuro grande contrato. Claro, os gigantes europeus já monitoram o restante do mundo desde os torneios Sub-13.

E nesse contexto todo, pior ainda é a fase do futebol brasileiro. Desde 2002, nossa Seleção não sabe o que é ser campeã mundial. Mas a imprensa nacional continua rotulando craques todos os dias, as batizadas “joias” formadas nas bases, que em sua imensa maioria só conseguem atuar com algum destaque em times medianos do Velho Continente, vários fazendo carreira no banco como simples reservas. Pior ainda: a Seleção Canarinho-pistola está sem técnico efetivo há mais de seis meses (o atual, interino, Ramon, não tem currículo algum como treinador, sabe-se lá porque foi escolhido), as Eliminatórias vão começar e foi-se a época em que podíamos nos dar ao luxo de “juntar onze feras, subir no avião, jogar e ganhar”, pois não temos craques.

No que diz respeito a clubes, a situação econômica do Brasil, bem melhor que a dos combalidos vizinhos, na última década criou uma hegemonia brasileira nas disputas sul-americanas, que em termos mundiais se revela uma piada. Nos Mundiais de Clubes, disputados anualmente, desde 2012, com o Corinthians, não batemos os europeus e, com exceção do Flamengo de Jorge Jesus contra o Liverpool e do Palmeiras de Abel Ferreira contra o Chelsea – ambos, não por acaso, técnicos portugueses – só demos vexames, incluindo-se aí derrotas contra representantes de outros continentes. E a distância técnica e tática é cada vez maior, a ponto de os dirigentes estarem importando desesperadamente treinadores estrangeiros, muitas vezes sem critérios claros, alguns de competência duvidosa.

Para completar o caos, a eterna esperança Neymar perdeu valor e parece sem mercado em razão das muitas lesões e dos problemas que costuma levar para onde vai. Os estupradores Robinho e Cuca seguem impunes. Várias pseudojoias já chegam aos campos com acusações de agressões a mulheres. Uma grande rede de manipulação de resultados foi escancarada – com a participação inclusive de atletas de alguns de nossos maiores times –, o que macula a credibilidade das competições. Nossa arbitragem, nem com ajuda do VAR, disfarça sua ruindade. Nossa mídia esportiva tem cada vez mais paraquedistas, mais preocupados com bobagens ou fofocas relacionadas à vida pessoal dos atletas do que com o jogo e outras questões esportivas. Ex-jogadores apenas medianos que não deixaram saudade ganham espaço nas tevês e, sem qualquer qualificação para o papel de comentaristas, se arvoram a ditar regras e emitir opiniões ultrapassadas infestadas de estupidez, preconceito e prepotência. Sem contar alguns estrangeiros que sequer conseguem se fazer entender linguisticamente – Lugano é o exemplo mais incompreensível.

Enfim, acho que estou ficando velho. Talvez seja apenas o desabafo desanimado de um torcedor que já viu muitos cenários, alguns apaixonantes e inesquecíveis. Como disse meu filho palmeirense, após a final da Champions, com a conquista do City: “Pai, eu entendo, você é torcedor do Manchester United, que teve Bobby Charlton e Cristiano Ronaldo, e hoje tem Fred e Antony”. Como não ficar triste?

*Sylvio Maestrelli, educador e apaixonado por futebol

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