Reprodução/Tullio Puglia/FIFA via Getty Images
Seu time tem Mundial?
- Sylvio Maestrelli
Ainda não se sabe exatamente onde será jogado, qual vai ser o formato, quem serão os participantes, mas a FIFA anunciou com pompa que vai realizar uma Copa do Mundo de Clubes em 2025. Ou seja, vai haver um novo formato para se definir quem é o melhor time do planeta. E os torcedores – principalmente aqueles que nunca viram sua equipe ser campeã mundial – já esfregam as mãos, antevendo mais uma oportunidade, uma vez que o número de participantes será ampliado e o torneio será disputado nos moldes de uma Copa do Mundo de seleções nacionais. E, convenhamos, hoje, a maior parte dos fãs de futebol se interessa mais por seus times do coração do que pelas suas seleções.
Interessante é perceber como os autênticos torcedores dão valor a esse título. A ponto de muitas vezes irracionalmente, ou manipulados por jornalistas bairristas e tendenciosos, acreditarem piamente que já foram campeões mundiais por seus times apenas terem derrotado o “papa títulos” da época ou conquistado algum torneio internacional de prestígio. E não pensem que isso se aplica somente aos inflamados torcedores latinos, não. Perguntem aos hooligans de Londres, por exemplo.
Aliás, foram exatamente os ingleses os primeiros a se autoproclamarem “os melhores do mundo”, seja com relação a clubes, seja com relação ao English Team. Se não inventores, mas certamente codificadores das regras do futebol, desde o início do século 20 os britânicos se consideravam os reis da bola. Como Grã-Bretanha (juntavam-se ingleses, escoceses, galeses e norte-irlandeses) venceram as Olimpíadas de 1908 e 1912, mas depois de perderem para a Noruega em 1920 (a Bélgica sagrou-se campeã), nunca mais participaram da competição.
Noutra frente, brigados com a FIFA mas ainda se autorrotulando “the kings”, só estrearam em Copas do Mundo em 1950, no Brasil, caindo na fase de grupos no vexame histórico de 1×0 para os amadores dos EUA. Um baque e tanto para a ideia arrogante de superioridade.
Em relação a clubes, até o início dos anos 1940 (no ambiente de deflagração da Segunda Guerra Mundial) se apresentava o seguinte quadro: na Inglaterra, que não fazia intercâmbio de jogos com o restante da Europa, havia um equilíbrio entre as equipes. Mas, particularmente na década de 1930, o Arsenal (Londres) foi dominante e por isso a imprensa britânica o considerava o melhor time do mundo.
Entre os europeus filiados à FIFA, italianos, iugoslavos, checos, húngaros e austríacos organizaram a Copa Mitropa (contração do alemão Mitteleuropa, que significa “Europa Central”, um embrião da Liga dos Campeões). Primeiro grande torneio entre clubes europeus, também conhecida como Copa da Europa, teve a participação dos campeões nacionais do continente.
Claro, o vencedor também era considerado o “rei dos reis”. E entre os clubes, destacavam-se Sparta Praga, Rapid Viena, Ferencvaos (Budapeste) e Bologna. Não por acaso, as duas copas da década de 1930 vencidas pela Itália tiveram a Checoslováquia como vice e a Áustria como semifinalista (1934) e a Hungria como vice (1938).
Enquanto isso, na América do Sul e em outros continentes, só rolavam campeonatos nacionais. No Brasil, nem isso, só as disputas estaduais. Uma exceção foi a sensacional excursão do Paulistano – melhor time do país e onde jogava o craque pioneiro Friedenreich – à Europa (1925), quando chegou a vencer a seleção portuguesa por 6×0. Um espanto!
Imediatamente após o fim da guerra (1945), várias equipes europeias se autoproclamavam como a melhor do mundo. A mais famosa delas, o Grande Torino – como era conhecido o esquadrão vinho então pentacampeão nacional –, de Valentino Mazzola e companhia, dominante no futebol italiano de 1945 a 1949. Esteve em excursão à América do Sul com sua força máxima e, no Brasil, ganhou da Portuguesa, empatou com Palmeiras e São Paulo e perdeu para o Corinthians. Melhor do mundo ou do Velho Continente?
Lamentavelmente, o Torino foi dizimado num desastre aéreo em 4 de maio de 1949, quando o avião em que o time retornava de Lisboa – depois de um amistoso contra o Benfica – encontrou Turim coberta por denso nevoeiro e, no procedimento de pouso, chocou-se contra um muro posterior da Basílica de Superga e matou imediatamente os 31 ocupantes. Naquele momento, o time era tetracampeão italiano e a diretoria resolveu terminar o campeonato em curso utilizando jogadores juvenis. Em comovente solidariedade, a maioria dos adversários fez o mesmo e o Grande Torino conquistou o pentacampeonato.
No ambiente sul-americano, quem era considerado “el mejor del planeta”? O River Plate, do famoso ataque com Muñoz, Moreno, Pedernera (Di Stéfano era seu reserva), Labruna e Losteau, tricampeão argentino e da Copa de La Plata (confrontos com os campeões do Uruguai), no meio dos anos 1940. Mas, no primeiro Campeonato Sul-americano, em 1948, no Chile, disputado por pontos corridos, o time terminou como vice-campeão diante do Vasco da Gama, base da Seleção Brasileira de 1950.
O mundo do futebol continuava se perguntando qual era o melhor time do planeta, até porque inexistiam disputas intercontinentais. Na América do Sul, com o Uruguai campeão mundial (1930) e a derrocada do River Plate, nossos vizinhos cisplatinos cravavam o Peñarol de Máspoli, Obdulio Varela, Ghiggia e Schiaffino, e base da Celeste Olímpica.
No Brasil, em 1951, os dirigentes da CBD buscaram resgatar a autoestima popular ainda baqueada pela derrota no Maracanazzo da Copa do Mundo do ano anterior. Com o apoio do governo Vargas, organizaram a Copa Rio com a presença de diversas equipes estrangeiras, além dos campeões carioca e paulista, já que não tínhamos um campeonato nacional.
A Copa Rio pretendia ser uma réplica, em nível de clubes, da Copa de 1950. Foram convidados os campeões dos principais países que disputaram o Mundial do ano anterior. Mas, por razões diversas (estarem disputando a Copa Latina, não quererem arcar com despesas de viagens ou não se considerarem realmente postulantes ao título), equipes de peso deixaram de comparecer, esvaziando o torneio. Por isso, embora convidados, Tottenham (Inglaterra), Racing (Argentina), Hibernian (Escócia), Atlético de Madrid (Espanha), Malmoe (Suécia), Milan (Itália) e Rapid Viena (Áustria), todos campeões em seus países, abdicaram da competição.
Participaram do torneio como representantes do Brasil o Vasco da Gama, campeão carioca, e o Palmeiras, campeão paulista – além de equipes de bom nível como o Nacional (campeão uruguaio), Estrela Vermelha (campeão iugoslavo), Sporting (campeão português), Áustria Viena (vice austríaco) e Nice (campeão francês). Foi uma competição de bom nível técnico, mas jamais reconhecida como campeonato mundial. O Palmeiras foi campeão, mas esse título não representa o sonhado (com obsessão pela torcida) Mundial de Clubes, troféu que ainda falta ao alviverde de tantas conquistas.
No ano seguinte (1952), ainda mais esvaziada, a Copa Rio teve uma segunda edição, com uma final doméstica em que o Fluminense derrotou o Corinthians. Nela, o Peñarol, principal favorito ao título, abandonou a competição nas semifinais por se sentir prejudicado pela arbitragem.
Os europeus, por seu turno, organizavam desde 1949 a Copa Latina, com os campeões da França, Itália, Portugal e Espanha. No Leste Europeu, surgia a grande equipe do Budapest Honved, o time do Exército Comunista da Hungria, com Grosics, Lantos, Bozszik, Budai, Kocsis, Puskás e Czibor, campeões magiares e base da seleção que arrasara os ingleses com um 7×1 em Budapeste e um 6×3 em Wembley, Londres.
Até mesmo o abusado Wolverhampton, campeão inglês de 1952, se considerava o melhor time do mundo por ter vencido o Honved em um amistoso, por 3×2. Esse jogo foi a gota d’água para o jornalista francês Gabriel Hanot, do L’Equipe, propor à UEFA a organização da Liga dos Campeões da Europa, que passou a ser disputada em 1955. A parir daí, o Velho Continente conheceria anualmente o melhor time do mundo. Por razões óbvias, um europeu.
Por isso mesmo, a América do Sul reagiu. Em 1959, no Congresso da Conmebol, em Buenos Aires, seu presidente, o uruguaio Fermin Sorhueta, anunciou a criação da Copa dos Campeões da América, competição entre os campeões dos países sul-americanos. Algo que o presidente da CBD João Havelange já anunciara, em outubro de 1958, aos dirigentes da UEFA, explicando que o novo torneio serviria para definir o representante do continente, que enfrentaria o campeão europeu para decidir qual era o melhor time do mundo. Em 1965, a Copa dos Campeões da América teve seu nome mudado para Copa Libertadores da América.
Finalmente, em 1960 foi disputada a primeira Copa Intercontinental, em dois jogos entre o Real Madrid (campeão da Europa) e o Peñarol (campeão da América do Sul), com vitória dos merengues. E a competição ocorreu ininterruptamente até 2004. Em 2000, a FIFA promoveu o primeiro Mundial de Clubes, com a presença de todos os campeões continentais – curiosamente, a entidade considerou duas equipes campeãs mundiais: o Corinthians, vencedor do Mundial de Clubes, e o Boca Juniors, campeão da Copa Intercontinental. Como o torneio teve problemas de patrocínio com a falência da ISL, só voltou a ser disputado nesse formato a partir de 2005.
Desde sua primeira disputa (1960) até hoje tivemos 62 competições para se decidir “quem é o melhor time do mundo”. Foram 35 conquistas europeias contra 27 sul-americanas. Até aqui, os demais continentes jamais venceram a competição. Para a disputa do Mundial de Clubes de 2023, temos um poderoso campeão europeu – o Manchester City de Pep Guardiola –, que acaba de ganhar sua primeira Champions League e já se apresenta como favorito a melhor time do mundo da temporada.
Estatísticas A Espanha tem 12 conquistas (8 do Real Madrid, 3 do Barcelona e 1 do Atlético de Madrid). O Brasil, 10 títulos (3 do São Paulo, 2 do Santos, 2 do Corinthians, 1 do Grêmio, 1 do Internacional e 1 do Flamengo). A Argentina, 9 troféus (3 do Boca Juniors, 2 do Independiente, 1 do River Plate, 1 do Racing, 1 do Estudiantes de La Plata e 1 do Vélez Sarsfield). A Itália também tem 9 (4 do Milan, 3 da Internazionale e 2 da Juventus). O Uruguai vem a seguir com 6 conquistas (3 do Peñarol e 3 do Nacional). A Alemanha tem 5 títulos (4 do Bayern Munique, 1 do Borussia Dortmund). A Inglaterra tem 4 taças (2 do Manchester United, 1 do Liverpool e 1 do Chelsea). A Holanda tem 3 vitórias (2 do Ajax e 1 do Feynoord). Portugal, 2 conquistas (ambas com o Porto). Ganharam 1 taça a Sérvia (Estrela Vermelha) e o Paraguai (Olimpia).
Grandes clubes europeus e brasileiros tiveram equipes marcantes e históricas que não ganharam o Mundial de Clubes. Cá entre nós, timaços do Botafogo, Atlético Mineiro (que até hoje choraminga que o time seria campeão, mas foi garfado na Libertadores em favor do Flamengo, em 1981), Cruzeiro (vice-campeão, em 1976 e 1997) e Vasco da Gama (vice-campeão em 1998 e 2000).
Dentre os europeus, o exemplo mais marcante é o do Benfica, de Lisboa, duas vezes vice-campeão mundial, derrotado pelo Peñarol (1961) e Santos (1962), que tinha em seu time astros como Eusébio e Coluna. Antes, estão aqueles que fizeram história (Arsenal, Torino, Budapest Honved…), mas jamais saberemos se realmente foram os melhores do mundo.
Talvez a espera mais dolorosa seja a do Palmeiras, que teve várias “Academias”, dentre as quais a fabulosa de 1972, que conquistou tudo o que disputou naquele ano. Em termos planetários, até aqui foi vice-campeão mundial (1999 e 2021) e, em razão da obsessão pela taça de campeão, virou motivo de gozação das torcidas adversárias com o já célebre bordão “o Palmeiras não tem Mundial!”.
*Sylvio Maestrelli, educador e apaixonado por futebol