Tim Kawasaki – montagem (Copa 2022/Divulgação + Reprodução/Freepik)
Petrobola
- Heraldo Palmeira
O futebol é o segmento mais bem-sucedido na bilionária indústria do esporte. Além de juntar multidões em todos os lugares, impulsiona e renova os setores de serviços, tecnologia e inovação, abrindo fronteiras de negócios que parecem não ter limites. Um tesouro para qualquer departamento de marketing despejar fortunas na divulgação de marcas e produtos.
Em razão desse potencial incalculável, volta e meia surgem movimentos para criar novos eixos geográficos nesse circuito virtuoso, tentativas de balançar o domínio europeu e sul-americano no reino do esporte mais popular do planeta.
Esses grandes movimentos paralelos não são novidade. Foram patrocinados por Colômbia (anos 1950), EUA (anos 1970), Japão (anos 1990) e China (anos 2000), que começaram a investir pesado para transformar seus campeonatos nacionais em algo relevante fora das próprias fronteiras e criar novos mercados. Agora, estamos assistindo a mais uma movimentação poderosa na Arábia Saudita, embalada pelos aparentemente inesgotáveis petrodólares.
Até aqui, jogadores medianos compunham os elencos dos principais times do país. De repente, o mundo da bola foi sacudido com uma jogada ousada que levantou as arquibancadas: ninguém menos que Cristiano Ronaldo atravessou as fronteiras e foi parar no posto de principal estrela do Al-Nassr e do campeonato saudita. Aberta a porteira, outros jogadores famosos que iniciam a descida à decadência ou francamente em fim de carreira estão valendo o próprio peso em ouro para embarcar na aventura das arábias. Tanto que Karim Benzema, recém-eleito o melhor do mundo já é jogador do Al-Ittihad.
Os rumores ligados a novas estrelas não param, até porque há outro “grande” na liga, o Al-Hilal, que certamente não vai ficar desequilibrado na disputa dos gramados e na repercussão midiática diante dos adversários tradicionais. Sua primeira grande investida mirou Lionel Messi, que terminou preferindo a liga dos EUA e desembarcou no Inter Miami, recusando a maior quantia já oferecida a qualquer atleta profissional em todos os tempos, nada menos do que € 400 milhões (R$ 2,09 bilhões) por temporada. Mesmo recusando jogar por lá, o argentino não está fora das mil e uma noites: tem um contrato de três anos para promover o turismo do país, que lhe renderá € 22,5 milhões (R$ 117,6 milhões) em troca de aparições comerciais, publicações nas redes sociais e férias com todas as despesas pagas com sua família e alguns amigos. Se muita gente não entendeu quando ele abandonou o PSG para dar um pulinho na Arábia Saudita…
Enquanto não resolve mais uma encrenca em sua carreira – a relação conflituosa com o PSG e sua saída do clube –, Neymar é especulado como futuro ator do campeonato saudita, embora dê a entender que prefere seguir jogando na Europa. Dizem que continua sonhando em voltar ao Barcelona.
Claro que, muito além das paixões dos torcedores, há um projeto de governo para transformar a liga de futebol em mais um grande negócio oficial do país. Não duvido que os poderosos de turbante se reúnam em seus palácios para definir quem contrata quem, para que tudo fique em relativa igualdade de forças.
Embora haja um poço de dinheiro enorme e perene para contratar estrelas, muitos jogadores resistem ao assédio para seguir jogando em uma vitrine bem mais reluzente formada pelas principais ligas europeias, disputando os principais torneios do futebol mundial. É o caso de Luka Modric, que prefere continuar no Real Madrid e vivendo no Ocidente.
Animados pela experiência do Catar (2022), os sauditas pretendem sediar a Copa do Mundo 2030. Mesmo sabendo que vão enfrentar a candidatura conjunta, já oficializada à FIFA, de Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile – o principal apelo é festejar o centenário do Mundial no mesmo continente que sediou o primeiro torneio (Uruguai, 1930) –, acreditam que o melhor trampolim é tornar o futebol cada vez mais interessante no país. E dinheiro não é problema, até porque fair play financeiro soa como palavrão por aquelas bandas.
Ninguém tem garantias de que a Arábia Saudita se transformará num grande polo futebolístico ou se apenas repetirá o fogo de palha das tentativas anteriores de outros países – Colômbia, EUA, Japão e China. Hoje, o suporte financeiro dos petrodólares parece inesgotável, mas a economia da região é embasada em combustíveis fósseis, uma matriz energética que poderá perder relevância no futuro próximo, como parece anunciar o namoro intenso da indústria automobilística com a propulsão elétrica. Há também o ambiente político que, embora não dê sinais de mudança, é sempre imprevisível, ainda mais em regimes fechados.
Claro que o mundo do futebol está atento aos ventos que começaram a soprar no Oriente Médio. O tempo dirá se é apenas uma tempestade de areia no deserto ou uma mudança de ares. Se jogadores jovens de alto nível deixarem de lado Europa e América do Sul apostando num novo destino profissional relevante, será algo muito mais convincente do que receber estrelas decadentes.