Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

Mergulho mortal

Reprodução/OceanGate

Mergulho mortal

  • Heraldo Palmeira

O mundo está boquiaberto com o acidente de uma geringonça submergível batizada Titan, construída pela empresa OceanGate para oferecer passeios submarinos a gente endinheirada que desejava visitar os escombros do transatlântico RMS Titanic, naufragado em 1912.

Na verdade, o pequeno veículo era apenas um protótipo sem qualquer certificação. “Muitas pessoas da comunidade estavam muito preocupadas com esse submarino. Vários dos principais atores da comunidade de engenharia de submersão profunda chegaram a escrever cartas para a empresa, dizendo que o que eles estavam fazendo era experimental demais para transportar passageiros e que precisava ser certificado”, afirmou o diretor de cinema James Cameron, que realizou 33 expedições aos destroços do Titanic no processo de preparação do filme definitivo a respeito do naufrágio.

O cineasta considera que os dois acidentes foram causados por negligência. “Fico impressionado com a semelhança do desastre do Titanic, em que o capitão foi repetidamente avisado sobre a presença de gelo à frente do navio e, mesmo assim, ele entrou a toda velocidade em um campo de gelo em uma noite sem lua, o que resultou na morte de muitas pessoas. Para nós, uma tragédia muito semelhante, em que os avisos não foram ouvidos e que ocorreu exatamente no mesmo local. É realmente muito surreal”.

A incredulidade coletiva ficou atônita tentando entender por que pessoas de elevado nível intelectual, muito ricas, acostumadas a ter tudo que a vida pode proporcionar, embarcaram numa verdadeira barca furada se dispondo a assinar um documento declarando pleno conhecimento de que correriam alto risco de morte no mergulho rumo aos destroços do Titanic. Tanto que um dos passageiros, um jovem de 19 anos, antes da viagem declarou-se apavorado – ele havia decidido participar da aventura apenas para agradar o pai, que também perdeu a vida no mergulho mortal.

O Titan e seus cinco ocupantes terminaram virando destroços, encontrados a 500 metros do resto fantasmagórico do grande desastre centenário que pretendiam visitar. Segundo a Guarda Costeira dos EUA, foram vítimas de uma “implosão catastrófica”, o que pode significar simplesmente desintegrados pela pressão brutal registrada naquela profundidade.

Segundo o jornal The Wall Street Journal, um navio da Marinha norte-americana detectou o som da implosão no domingo (18), poucas horas depois do mergulho no Atlântico Norte.

De repente, uma discussão moral foi acrescentada para criticar o interesse internacional e midiático no resgate de cinco pessoas, e apontar que nada parecido é oferecido para salvar refugiados que tentam chegar ao Primeiro Mundo pelo mar.

Talvez um ponto a ser levado em conta é que o acidente do Titan aconteceu na área de jurisdição da Guarda Costeira dos EUA, uma instituição respeitada e bem equipada tecnicamente para realizar diversas operações aquáticas – a 12ª maior força naval do mundo, com quase 2 mil embarcações, mais de 200 aeronaves e um efetivo de cerca de 90 mil servidores militares, civis e reservistas – e que costuma levar suas missões a sério, enquanto os desastres dos refugiados ocorrem na Europa, principalmente no mar Mediterrâneo, em barcos superlotados com uma delicada questão política internacional e pessoas desesperadas em risco humanitário.

Enquanto os EUA trabalham em plena sintonia com os dois vizinhos (Canadá e México) em operações costeiras de resgate, o Mediterrâneo banha diversas nações europeias, nem sempre em sintonia política e militar.

A tragédia do Titan parece apontar que é chegada a hora de deixar o Titanic e a memória dos seus mortos em paz. Afinal, o velho navio tido com indestrutível matou gente demais em sua viagem inaugural. Já não basta? Passados 111 anos do naufrágio, alguns especialistas acreditam que os destroços deverão desmoronar e serão soterrados no fundo do oceano em alguns anos.

História Na quarta-feira 10 de abril de 1912, o RMS Titanic deixou o porto de Southhampton, Inglaterra, com destino a Nova York, EUA. Tinha início a viagem inaugural, que se pretendia triunfal, do maior, mais luxuoso e mais seguro transatlântico existente.

O gigante naufragou próximo ao Canadá entre a noite de 14 de abril e a madrugada de 15 de abril de 1912, depois de colidir com um iceberg numa noite fria e escura. A agonia durou das 23h40 às 2h20, quando se partiu ao meio e matou 1.514 das mais de 2.200 pessoas a bordo, grande parte vitimada pela hipotermia provocada pelas águas geladas do Atlântico Norte. A maioria dos mortos nunca foi identificada porque, de acordo com as autoridades da época, muitos dos passageiros viajavam com nomes falsos – eram tempos em que pessoas fugiam de suas misérias para buscar vida nova, deixando para trás inclusive crimes cometidos.

O sistema de botes salva-vidas foi determinante para a tragédia. Como o projeto do navio considerava que ele jamais naufragaria, previu que em eventuais situações de emergência seria necessário apenas transportar os passageiros e tripulantes para outras embarcações de socorro que estariam nas proximidades. Para isso, foram construídos botes suficientes para fazer esses pequenos deslocamentos várias vezes, indo e vindo, jamais em quantidade capaz de abrigar todos os ocupantes para se afastar definitivamente do transatlântico.

Além disso, diante da incompetência da tripulação para administrar o caos que se instalou a bordo logo no início do acidente, foram lançados ao mar diversos botes com lotação bastante inferior à capacidade total, o que impediu o salvamento de muita gente.

A arapuca submersa Talvez nunca se saiba o que realmente aconteceu com o submergível Titan. Neste primeiro momento, tudo leva a crer que a causa da tragédia foi uma “implosão catastrófica” porque sua estrutura não teria suportado a pressão descomunal das águas profundas do oceano. Entretanto, inundação, choque contra pedras ou o leito do oceano e  fim da reserva de oxigênio também podem estar na lista de fatores.

Várias denúncias surgiram a respeito da fragilidade do projeto, incluindo materiais reutilizados, improvisações e mecanismos de funcionamento considerados estranhos. O que mais chamou a atenção foi o comando de navegação utilizar um controle de videogames, embora isso seja comum em equipamentos militares das forças armadas norte-americanas como sistemas robóticos, tanques e outros veículos de combate porque funcionam bem, têm baixo custo e uso consagrado pelos militares no mundo civil, dispensando treinamentos operacionais específicos.

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