Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

KALUNGA MELLO NEVES Filho único, sua majestade

Lorena Cormier/Pixabay

Filho único, sua majestade

  • Kalunga Mello Neves

Sou filho único. Ou quase, pois meu irmão por parte de pai era quinze anos mais velho do que eu, e não fomos criados juntos. Meus pais eram velhos para a época em que me tiveram, ambos com mais de trinta e dois anos. E viúvos quando se conheceram. Daí o porquê de tantos questionamentos que me fiz logo que me dei conta de ser quem era.

O primeiro deles, se era adotado ou não, acho que teve origem ao observar os meus amigos de infância, sua relação com os pais, a parecença com um ou com outro, a maneira como eram tratados, o carinho recebido em demasia ou em falta. Como sou de uma geração mais pura, sem os malefícios do excesso de informações e intromissões maliciosas em nossa maneira de ser e pensar, logo afastei esta inquietação da minha vida ao me sentir gostado, ao notar que as orientações recebidas e castigos pontuais se faziam necessários para me tornar um homem de verdade. E isso só quem se preocupa com a gente é que faz. E, também, que diferença tinha se era adotado ou não?

Como sempre fui muito de observar as coisas em meu redor, depois percebi que existiam vantagens e desvantagens em ser filho único. Se por um lado eu tinha tudo do pouco de material que eles podiam me dar, me sobrava aquilo de importante que o dinheiro não compra. Uma boa escola, roupas sempre limpas e bonitas, bom exemplo dentro e fora de casa, amigos que me ajudavam a conhecer o mundo na interpretação do meu papel que encenava nos pequenos palcos ao ar livre da minha cidade.

Outras dúvidas não menos importantes me assolavam quando apareciam vez em quando e faziam me perder e me encontrar num emaranhado de conclusões. Seria melhor ter mais irmãos? Quem sabe, a companhia de uma irmã me faria conhecer melhor as mulheres? E se eu fosse gêmeo? E a preferência do pai e da mãe por qual seria, se fôssemos cinco? E se um de nós nascesse com algum problema de saúde?

O carinho exagerado da minha mãe era notório. “Filhinho da mamãe” eu era chamado sei lá quantas vezes ao dia. Aquilo às vezes me constrangia. Tentava entender o que causava nos outros essa reação, por que um filho deveria ser cobrado pelo fato de ser amado e bem cuidado pela própria mãe.

Eu nunca tive qualquer dificuldade em relação à minha sexualidade. Sempre achei bonitos homens e mulheres. Alain Delon e Brigitte Bardot. Marcello Mastroianni e Sophia Loren. Tarcísio Meira e Vera Fischer. E Flávio Rosado e Elaine Isquierdo nos limites da minha pequena cidade. Fiz a minha opção e abracei sem qualquer discurso politicamente correto o respeito pela diversidade, até porque não pode ser diferente.

Lembrei de tempos em que adjetivos pareciam forjados pelos costumes, como tratar gays por “invertidos”. Era tão “natural” no linguajar popular que nem parecia ofensivo. Penso desde então qual é a dificuldade de enxergar as pessoas sem preconceitos. Se uns (como eu) aprenderam em casa, por que tantos não conseguiram em lugar nenhum? Por que, em pleno século 21, a sexualidade tem tanto peso nos escaninhos da convivência social?

Ainda hoje, quando me entretenho a brincar com minhas divagações, a única certeza que tenho é que continuo igual ao que era antes: filho único, as mesmas manias, as mesmas dúvidas. Seria melhor ter mais irmãos?… E por aí vou de mãos dadas com interrogações que teimam em me acompanhar, acho que ficarão rondando até o fim dos meus dias.

*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante

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