Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

A bola das meninas 1

Divulgação/FIFA

A bola das meninas 1

  • Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli

Chegamos ao fim da primeira rodada da fase de grupos da Copa do Mundo de Futebol Feminino 2023, que está sendo jogada na Austrália e Nova Zelândia. E tivemos uma boa estreia da equipe brasileira, que venceu a frágil seleção do Panamá por 4×0, assumindo a liderança de seu grupo, que conta ainda com a França e a Jamaica, que empataram sem gols, uma “zebraça” já que a vitória das francesas era dada como certa. Ah, os caprichos do futebol!

Na rodada inicial, o empate entre francesas e jamaicanas foi a segunda grande surpresa do certame. A primeira foi a vitória das anfitriãs neozelandesas por 1×0 sobre a Noruega, considerada sempre uma das favoritas face à sua tradição. Sim, porque no futebol feminino, pela ordem, Estados Unidos, Alemanha, Japão, Canadá e as escandinavas Suécia e Noruega são sempre as principais candidatas a títulos nos torneios. Vale registrar que foi apenas nos últimos anos, quando a FIFA impôs a todo clube filiado ter seus departamentos de futebol masculino e feminino, que países como Inglaterra, Holanda, França e Espanha (com seus ricos times “multinacionais”) se tornaram potências no esporte. Mas apenas em nível de times, já que suas seleções nacionais ainda não venceram torneios mundiais relevantes, como a Copa ou as Olimpíadas..

Cada vez mais profissionalizado, hoje o futebol feminino já tem competições como a UEFA Champions League (dominada nos últimos anos por equipes como Olympique Lyon e Barcelona), Libertadores (com total domínio dos times brasileiros), a NWSL (liga norte-americana, muito forte) e outras competições continentais, o que levou a FIFA a anunciar para breve o primeiro Mundial de Clubes feminino. Assim como no futebol masculino, o poderio dos clubes europeus atrai as principais jogadoras do mundo, que hoje atuam no Velho Continente.

A Copa 2023, a nona da história, a primeira em duas sedes e agora disputada por 32 equipes, selecionou as seleções classificadas em extensas Eliminatórias e repescagem. Estarão em campo algumas das principais jogadoras do mundo, incluindo-se aí as ganhadoras das últimas Bolas de Ouro da FIFA, como a atacante espanhola Alexia Putellas, a defensora inglesa Lucy Bronze, a meio-campista norte-americana Megan Rapinoe, a meia-atacante brasileira Marta e a atacante holandesa Lieke Martens, além de artilheiras como a inglesa Beth Mead, a alemã Alexandra Popp, a francesa Le Sommer e a norueguesa Ada Hegerberg.

As Eliminatórias não trouxeram surpresas e as principais seleções do mundo estão na Oceania, divididas em 8 chaves.

Grupo A A sempre candidata ao título, uma vez campeã mundial (1995), a Noruega. A raçuda (porém limitada) anfitriã Nova Zelândia. O ferrolho da Suíça e a despretensiosa Filipinas. Um grupo aparentemente fácil para as europeias, mas que está cheirando a zebra.

Primeira rodada Nova Zelândia 1×0 Noruega | Suíça 2×0 Filipinas

– A vitória da Nova Zelândia foi a maior surpresa da Copa até agora, resultado que coloca as nórdicas na berlinda para a classificação à próxima fase.

Grupo B A anfitriã e sempre traiçoeira Austrália. A atual campeã olímpica (2020) Canadá. A mais tradicional equipe feminina africana, a Nigéria, e a retranqueira Irlanda. O grupo soa equilibrado, apenas com as irlandesas um pouco abaixo tecnicamente, onde tudo pode acontecer.

Primeira rodada Austrália 1×0 Irlanda | Canadá 0x0 Nigéria

Grupo C Uma das melhores equipes europeias e candidata ao título, mas sem troféus internacionais, a Espanha. A melhor equipe asiática, uma vez campeã mundial (2011) e sempre uma das favoritas, o Japão. As fracas Zâmbia e Costa Rica. Sem surpresas, grupo “baba”.

Primeira rodada Japão 5×0 Zâmbia | Espanha 3×0 Costa Rica

Grupo D A emergente e uma das favoritas, a Inglaterra, campeã da última Eurocopa (2022). As tradicionais Dinamarca e China, que já tiveram tempos áureos e a incógnita Haiti, que veio de uma repescagem continental. As haitianas podem aprontar, mas as europeias permanecem mais cotadas à fase seguinte.

Primeira rodada Inglaterra 1×0 Haiti | Dinamarca 1×0 China

Grupo E A equipe multicampeã dos Estados Unidos, maior potência da modalidade ao lado da Alemanha – as norte-americanas são tetracampeãs mundiais (1991, 1999, 2015 e 2019) e tetracampeãs olímpicas (1996, 2004, 2008 e 2012). A perigosíssima Holanda, que vem crescendo muito nas competições europeias, ganhadora da Eurocopa de 2017. Portugal, vindo da repescagem intercontinental e Vietnã, incógnita asiática.

Primeira rodada Estados Unidos 3×0 Vietnã | Holanda 1×0 Portugal

– Tudo indica que as favoritas (EUA e Holanda) passarão às oitavas.

Grupo F A França, cabeça de chave e potência no esporte, mas em crise interna após os pedidos de dispensa de três de suas principais jogadoras (Diani, Renard e Katoto). O Brasil, melhor equipe latino-americana e presente em todas as Copas do Mundo – repetindo a escrita da Seleção masculina. A Jamaica, uma incógnita e o Panamá, um dos times mais fracos de toda a competição.

Primeira rodada França 0x0 Jamaica | Brasil 4×0 Panamá

– Apesar do empate com as jamaicanas, tudo leva a crer que Brasil e França irão às oitavas.

Grupo G A forte Suécia, de grande tradição, várias vezes chegando às finais. As emergentes Itália e Argentina (as melhores jogadoras platinas atuam no Brasil) e a perigosa África do Sul, considerada hoje a segunda melhor equipe africana.

Primeira rodada Suécia 2×1 África do Sul | Itália 1×0 Argentina

– Utilizando o jargão dos especialistas, este é o “grupo da morte”. As suecas devem se classificar, mas a outra vaga está em aberto em razão do equilíbrio entre as demais.

Grupo H A poderosa Alemanha, maior vencedora de Eurocopas (8 títulos em 13 disputas), bicampeã mundial (2003 e 2007) e campeã olímpica (2016). A Colômbia, considerada a segunda potência sul-americana, que conta com uma das maiores promessas do Mundial, Linda Caicedo. A Coréia do Sul, sempre perigosa e a inexperiente Marrocos.

Primeira rodada Alemanha 6×0 Marrocos | Colômbia 2×0 Coréia do Sul

– As favoritas (Alemanha e Colômbia) devem confirmar passagem às oitavas.

Na primeira rodada ficou evidente a seriedade com que as brasileiras jogaram e derrotaram as panamenhas. Apesar da fragilidade do time adversário, a vitória teve alguns dados muito positivos. O jogo coletivo com boas variações táticas implantado pela campeoníssima técnica sueca Pia Sundhage. O fim da dependência do time a uma jogadora, a brilhante Marta, hoje no banco e pronta para entrar em campo em momentos-chaves dos jogos. A mescla de jogadoras experientes com as jovens, todas atuando em grandes times brasileiros, norte-americanos e europeus. A convocação de atletas multifuncionais (que jogam em mais de uma posição) e a não convocação de atletas tidas como intocáveis, como a veterana Cristiane.

Mesmo que o Brasil não faça uma campanha espetacular, o futuro parece promissor, ainda mais se o trabalho atual tiver sequência e não for atrelado apenas a títulos imediatos.

Alguns pontos merecem destaque neste Mundial: as arbitragens, a postura das jogadoras em campo e a imensa receptividade dos torcedores, que têm mantido os estádios com bons índices de ocupação durante os jogos. Temos visto algumas lições eloquentes que o futebol masculino pode absorver das meninas, que estão apresentando um alto nível de competitividade, ótimo índice de qualidade técnica e grande respeito ao esporte.

Os árbitros podem trabalhar com tranquilidade, pois não sofrem pressão em razão de suas decisões. Também não se vê aqueles espetáculos deprimentes de reclamações enquanto o VAR está analisando as jogadas, muito menos aquelas baixarias de jogadores e comissões técnicas vociferando contra a arbitragem. “O curioso é que é a mulher o gênero associado a destemperos e histeria, mas são os homens que agem assim no futebol”, destaca a jornalista Milly Lacombe, especialista em futebol.

Não faz parte do repertório das meninas levar as mãos ao rosto em qualquer encontrão ou aquelas simulações ridículas que fizeram a fama de Neymar e alimentam a parte ruim do futebol. As meninas têm noção perfeita de que são jogadoras de um esporte de contato e estariam no teatro se quisessem fazer cenas.

Elas dão um show de felicidade e alegria durante as entrevistas, falam abertamente e abordam qualquer tipo de assunto, inclusive temas delicados como as discriminações e desigualdades que o mundo insiste em oferecer.

Talvez a postura transparente seja a maneira que o espírito feminino encontrou para driblar o sensacionalismo barato que parte da mídia insiste em explorar, tentando substituir as virtudes em campo, a importância do crescimento do futebol feminino, as fronteiras que estão sendo ampliadas por fofocas pessoais e vitimismos baratos. Os senhores das redações precisam entender que vida sexual e dificuldades de vida das origens humildes são temas cansativos para quem está a fim de louvar e festejar a qualidade profissional e o trabalho de construção de novos horizontes dessas meninas especiais.

Qualquer que seja o resultado que o Brasil alcançar nesta Copa do Mundo 2023, muitos corações já estão inteiramente conquistados pelas amarelinhas. Mesmo sem nenhuma estrela no peito (ainda), elas são a prova viva de que o vexame da Seleção masculina é coisa de homem.

Como dizia o lendário locutor esportivo Fiori Gigliotti em seu bordão famoso, “Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo!”. É o que as meninas estão fazendo em campo, recobrando a alegria de jogar futebol. E estimulando suas torcidas nos quatro cantos do mundo.

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