Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

HAYTON ROCHA Ler é só querer

Pexels/Pixabay

Ler é só querer

  • Hayton Rocha

A Bienal Internacional do Livro de 2023, realizada no início de setembro, no Rio, contou com mais de 600 mil visitantes, quase 500 editoras e 5,5 milhões de livros vendidos durante os 10 dias do evento (média de nove livros e gasto médio de R$ 200 por pessoa), segundo seus organizadores.

São sinais alentadores numa nação tão carente de tudo. Livro é a semente geradora dos mais diversos tipos de mídia (filmes, games, músicas, seriados etc.) que contam histórias, provocam reflexão e desenvolvem senso crítico. Justamente quando volta a circular nas redes sociais uma velha notícia dando conta de que um grupo de lixeiros de Ancara, capital da Turquia, ao longo de anos recuperou livros que ia encontrando abandonados entre os desperdícios da população.

Em 2017, já haviam reunido quantidade de obras – que estavam destinadas pela população aos aterros sanitários – suficiente para inaugurar uma biblioteca pública. No começo, os livros serviam apenas aos familiares dos garis. Mas a coleção cresceu e o interesse espalhou-se por toda a comunidade. Hoje, a biblioteca dispõe de mais de 6 mil títulos, que vão desde a literatura de autoajuda até artigos científicos. E inclui ainda obras em inglês e francês para visitantes bilíngues.

O acervo é tão grande que os escritos vêm sendo requisitados por escolas de várias regiões do país, programas educativos e até penitenciárias. E uma antiga fábrica de tijolos, com fachada simples e longos corredores, transformou-se em centro de educação e cultura.

Logo abaixo da boa notícia turca, aparece um novo rabicho de comentários. Um reclama: “Não entendo como alguém tem coragem de jogar livro no lixo; é só doar…” Outro não perdoa: “Essas iniciativas do povo pelo povo me dão esperança de que um dia se perceba que não se precisa de nenhum político para resolver seus problemas…” E outro, mais enfático, puxa o cordão dos pessimistas: “Não daria certo aqui, porque o povo odeia leitura…”

A Turquia não é nenhum expoente econômico, como os Estados Unidos ou a China. Nem figura entre os melhores países para se viver, como Dinamarca, Suécia ou Brasil (na minha estatística pessoal, óbvio!). Com 85 milhões de habitantes e situada entre a Europa e a Ásia (ou, melhor, situada na Europa e na Ásia), tornou-se após a 2ª Guerra importante centro regional de negócios, com destaque para o grande parque industrial e a oferta de serviços turísticos.

A 5ª edição do estudo Retratos da Leitura no Brasil (dados de 2019) revela que apenas metade dos brasileiros dedica-se à leitura, sendo a Bíblia e os jornais os veículos mais lidos. Parece positivo, mas não é, quando comparado com outras nações. Os franceses leem em média 21 livros por ano, cinco vezes mais que nós. O canadense lê 12. Aqui, 44% da população nem lê e 30% nunca comprou um livro na vida.

Há 10 ou 11 anos, participei de uma reunião com alguns executivos do maior grupo editorial da América Latina, líder em vários segmentos editoriais (arquitetura, beleza, bem-estar, decoração, economia, moda, política etc.), destinatário de boa parte da verba publicitária da empresa onde eu trabalhava. Neófito no ramo, quis saber deles se não lhes preocupava o fato de sua principal revista ser dona de uma das maiores tiragens mundiais (2 milhões de exemplares por semana), mas lida apenas por 1% da população brasileira.

Se tinham respostas, guardaram para si. Talvez a consulta não tenha sido oportuna numa visita de cortesia. Fiquei sabendo mais tarde, pelos jornais, que em agosto de 2018 o grupo teve acolhido o seu pedido de recuperação judicial. Coincidência?

Meses antes daquela visita, como um dos selecionadores, havia participado de um processo seletivo interno para executivos de um dos gigantes do setor financeiro. Quis saber de cada candidato qual o livro mais marcante tinha lido no último ano e como aquilo eventualmente mexeu com a sua forma de lidar com pessoas no trabalho ou fora dele. Quase todos optaram pelo surrado “não gosto de histórias, prefiro livros técnicos”.

Volta e meia ainda encontro gente que garante que foi alfabetizada, mas não lê. Sabe até juntar duas ou três sílabas e distingue poliglota de troglodita (já houve por aqui quem achasse que eram palavras sinônimas), mas foge de livro como gato de pepino por questões atávicas. Não consegue parar para ler porque “dá sono” ou porque prefere vídeos ou textos curtos em plataformas digitais.

A obsessão por celulares e mídias sociais explica o baixo interesse na leitura. É mais “enfadonho” concentrar-se numa crônica (para não falar de biografias, contos e romances) do que “refletir sobre obras primas” nas plataformas digitais.

Para mim, é como dizer que não vê graça alguma em namorar, que é preferível assistir aos outros se pegando debaixo de edredons naqueles programas de TV onde um grupo fica confinado por semanas numa casa cenográfica, sem receber informações do mundo exterior, quase tudo vigiado por câmeras 24 horas por dia.

“Quem gosta de ler não morre só”, advertia Ariano Suassuna. “É preciso ler para crer”, disse outro dia meu amigo Francicarlos Diniz. Ler amplia a imaginação, estimula o raciocínio, exercita a inteligência, permite viajar sem tirar os pés do chão e ainda previne doenças degenerativas. Namorar pra valer, também.

Ninguém é obrigado a ler o que não tem vontade, nem a namorar quem não quer. Mas em qualquer lugar, tanto uma coisa quanto a outra pede bem-querer, carinho, dedicação, paciência e um lugar sagrado para recostar. Da Turquia à Bahia, ler e namorar, é só querer e começar.

*HAYTON ROCHA, escritor e blogueiro

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