Por Heraldo Palmeira
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25 de novembro de 2024

KALUNGA MELLO NEVES Dia de Todos Nós

Dia de Todos Nós

  • Kalunga Mello Neves

Vulgarizaram as datas na maior cara de pau. Hoje tem dia de tudo que sei lá o quê. Dia do Idoso, dia de Nossa Senhora, dia do Candomblé, dia do santo ainda não canonizado, dia do amor não correspondido, dia do atleta do Fluminense, dia do presidente da Câmara, dia do nordestino bilionário e do pobre, dia do nortista remediado, dia do político de direita e de esquerda, dia do sulista da parte sul, dia do paulista, dia do paulistano, dia do alienado, dia do reprovado no ENEM, dia do devedor do carnê das Americanas, dia da diversidade uniforme conforme o dia, dia da diversidade com sigla, dia do professor, dia da tia, dia do tio por parte de mãe, dia dos vira-latas, dia dos pets com pedigree, dia da nora, dia da viúva, dia da criança, dia do pré-adolescente, dia do jovem nem-nem, dia do adulto que mora com os pais, dia do soldado conhecido, dia do amigo desconhecido, e por aí vai…

E não era assim antes. Tá certo, os tempos mudaram, alguns valores envelheceram depreciativamente. O luto fechado acabou, não escutar música por respeito ao finado no dia do seu passamento acabou. O noivado acabou. O fio do bigode como avalista de qualquer negócio acabou. A delicadeza com as mulheres, sinto muito dizer, acabou. As mulheres entenderem a gentileza dos homens como um gesto cortês, sinto muito dizer, também acabou – a dificuldade delas para compreender quando um homem faz questão de abrir e fechar (para elas) a porta de um carro chega a ser risível. A própria definição de homem e mulher hoje é outra, bem mais abrangente e liberal. A “antiga”, determinada geneticamente – masculino = XY e feminino = XX, que reflete o gênero – acabou.

Que saudade do Dia das Mães com comerciais criativos e repletos de doçura e carinho. Um presente simples bastava, o que valia era o abraço apertado e que não acabava mais. Que saudade do Dia dos Pais, de ver o pai chorando de emoção e alegria uma vez por ano, abraçado na gente, brincando com a gente. Que saudade do Dia da Criança, a espera por ele. Era um dia de todos nós e só nosso também. Que saudade do Papai Noel, da confusão em nossa cabeça. Como pode ele estar em mais de um lugar ao mesmo tempo? Como pode ele adivinhar o que eu queria ganhar, se nem escrever eu sabia ainda para mandar cartinha pra ele lá na Lapônia, nos cafundós do extremo norte da Finlândia?

Acho que está mais do que na hora de darmos um basta simbólico neste avanço desesperado e sem noção de distribuir homenagens sem lastro. Quem sabe um deputado iluminado proponha o dia de todos nós, para substituir todos os outros que existem por aí e deixam nosso calendário abarrotado? Teríamos um alívio para continuar homenageando o que realmente importa. Já andei até treinando o cumprimento: “Feliz Dia de Todos Nós!”.

*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante

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