Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

Cômico e trágico

Pixabay

Cômico e trágico

  • Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli

A 4ª rodada das Eliminatórias da CONMEBOL para a Copa do Mundo 2026 teve jogos pegados, mas tecnicamente medíocres, mostrando seleções que andam se superando na arte da ruindade. A ponto de a Venezuela – sim, La Vinotinto, tradicional saco de pancadas do nosso continente – estar neste momento da disputa entre as quatro primeiras colocadas. Exatamente ela, a única seleção sul-americana que nunca se classificou para disputar um Mundial.

Na 3ª rodada tivemos Colômbia 2×2 Uruguai, Argentina 1×0 Paraguai, Bolívia 1×2 Equador, Chile 2×0 Peru e Brasil 1×1 Venezuela (!). Na 4ª rodada os resultados foram Paraguai 1×0 Bolívia, Venezuela 3×0 Chile, Equador 0x0 Colômbia, Peru 0x2 Argentina e Uruguai 2×0 Brasil – uma apresentação vergonhosa da Canarinho, espécie de suíte desastrosa do jogo contra La Vinotinto.

Ao fim das primeiras quatro rodadas os argentinos lideram com folga, com 12 pontos porque ganharam todos os jogos até aqui. Uruguai, Brasil e Venezuela vêm a seguir (7), Colômbia (6), Equador, Paraguai e Chile (4), Peru (1) e Bolívia na lanterna (0).

Evidentemente que os pachecos de plantão já pedem para que não nos preocupemos pelo péssimo futebol que nossos “craques” têm apresentado. Como de costume, os jornalistas dessa patota repetem o de sempre: nossos “artistas” ainda não tiveram tempo hábil de se adaptar ao encantador e vanguardista “dinizismo”, essa baboseira que não passa de sinônimo de ilusão.

Essa sonora desculpa esfarrapada tem razão de ser. Em uma competição onde dez equipes participam, as seis primeiras se classificam diretamente e uma sétima ainda tem chances de obter a vaga via repescagem, é praticamente impossível o Brasil ser eliminado.

Ainda que a Seleção Brasileira atual já seja considerada a pior de sua história gloriosa, no mínimo o time é individualmente superior aos sempre retranqueiros paraguaios, aos veteranos chilenos em fim de carreira, aos peruanos que perderam o rumo após a saída do bom técnico Gareca e aos fraquíssimos bolivianos, que nem na altitude de La Paz, seu maior trunfo, conseguem assustar alguém. Difícil pensar que pelo menos o sexto lugar não possa ser nosso. É isso que anima tanta gente a viajar na maionese do dinizismo e minimizar o fosso em que estamos.

Vivemos uma entressafra desanimadora iniciada em 2010, que parece não ter fim e só piora. Até a execrada “Seleção alegria de alemão”, aquela dos 7×1, sem ter sido nenhum primor ainda é bem superior à atual. É só comparar os jogadores, ainda que a dupla dinâmica Felipão e Parreira tivesse convocado, entre outros, nomes como Bernard (o da alegria nas pernas, segundo Felipão), Júlio César (já no ocaso, no Toronto), Dante, David Luiz, Henrique, Jô…

A situação está feia a ponto de Hulk, veteraníssimo remanescente daquele timeco da “família Scolari”, ainda ser lembrado para ser convocado hoje. Bom, convenhamos, ele não é pior que Gabriel “Ai, Jesus”, o pombo Richarlison, Anthony ciscador ou Mateus Cunha (quem?).

Fernando Diniz, um dos treinadores com menor currículo entre aqueles que já comandaram a Seleção, também faz lambanças que contribuem sobremaneira para explicar o caos em que nossa Amarelinha amarelona se encontra. Basta olhar as convocações e as mexidas no time durante os jogos. Mas esperar o quê de um treinador-psicólogo que quase destruiu a carreira do esforçado Tchê Tchê, quando xingou e humilhou o jogador durante um jogo do São Paulo a ponto de perder o comando do grupo? Ou que pensa que Casimiro é capaz de algo além do futebol brucutu e que Neymar sabe distribuir jogo?

O importante é que o califa que já está pra lá de Bagdá aprovou o nome e Diniz virou o técnico ideal, o novo comandante e fim de papo. Com as bênçãos dos cardeais Casemiro e Marquinhos, que andam profanando a liturgia da bola há muito tempo.

Deve ser difícil para um treinador efetivamente capaz – como Carlo Ancelotti, que já pode estar arrependido de ter aceitado treinar essa bagaça – mapear o mundo da bola e tentar encontrar apenas um, um só craque brasileiro que possa ter lugar cativo na Seleção, como tinham muitas feras de outrora.

Se alguém tentar juntar todos os laterais direitos gerados pela autoajuda de Tite e pela revolução dinizista, não vai encontrar um clone de boleiro capaz de sequer amarrar as chuteiras de Nelinho, Jorginho, Cafu… Incluir na lista Djalma Santos, Carlos Alberto e Leandro vira assédio moral. Se lançar a bola para o lado esquerdo, a galeria mostrará Rildo, Marco Antônio, Marinho Chagas, Júnior, Branco, Roberto Carlos, Marcelo… Nilton Santos nem conta, está noutra prateleira como A Enciclopédia. É melhor nem avançar para o meio-campo e o ataque, pois o abismo é ainda maior – Zizinho, Didi, Gerson, Rivelino, Tostão, Zico, Falcão e, pairando sobre tudo e todos, o sobrenatural Pelé… Sem contar a miríade de cracaços que fizeram história apenas nos clubes.  Se sobram “bondes”, por que não dar chance a quem joga no Brasil ou está atuando em times menores da Europa, sem deslumbramento?

É claro que há algo de muito errado nesse negócio. Afinal, os mesmos Vinícius Jr. e Rodrygo que jogam voando no Real Madrid ficam irreconhecíveis com a camisa amarela. Talvez não tenhamos conseguido alcançar o xamanismo do titismo e o misticismo do dinizismo. E que Carlo Ancelotti, exatamente o treinador dos dois, não tem nada a acrescentar por aqui.

Também devemos seguir achando normal ignorar Vitor Roque, Marcos Leonardo, John Kennedy e seguir com esse “ataque cardíaco”, mesmo tendo a vaga quase garantida nas Eliminatórias. Não seria boa hora para garantir a tal minutagem aos moleques?

O pior é usar a pouca idade como desculpa para não convocar os meninos num país que assistiu Pelé estrear na Seleção com 16 anos, assombrar o mundo e ganhar uma Copa aos 17, Edu (ponta-esquerda do Santos) ter sua primeira convocação com 16 e Ronaldo Fenômeno ser campeão do mundo aos 17.

As Eliminatórias estão apenas começando e o nosso sofrimento também. O desempenho brasileiro até aqui é constrangedor e não sinaliza muito mais. Por isso, aumenta a expectativa da confirmação e chegada de Carlo Ancelotti ao comandar o projeto para a Copa 2026.

No mínimo, vai ser interessante ver o desfecho da Neymardependência. Afinal, o califa poderá ser obrigado a jogar bola e baixar a crista. Na verdade, é difícil imaginar Ancelotti tolerar estrelismos ou gritarias como a que o rapaz dirigiu ao presidente da CBF depois de ficar com cara de pipoca em Cuiabá. Fora isso, o chamado “bilionário fracassado” ainda tem um longo período de recuperação depois da lesão contra o Uruguai, numa equação que considera duas outras variáveis: a decadência física pelo desleixo com a carreira e a idade avançando.

Vai ser bonito de ver o resto das estrelas coroadas, que não levam a sério alguém como Fernando Diniz, pular miudinho sob o comando de um dos maiores técnicos do mundo em todos os tempos. Tomara tenhamos essa sorte.

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