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Culpas e desculpas
- Kalunga Mello Neves
A culpa confronta e constrange o nosso subjetivamente correto. Ela nos policia, nos amedronta, nos aniquila sem dó nem piedade. “Quem de nós não tem culpa no cartório?”, questionavam se utilizando de um humor desfigurado aqueles que riam das suas próprias mazelas.
A culpa é uma criação religiosa, não cristã. É a culpa um chicote invisível que cria cicatrizes em nossa consciência, esta maluquinha que só apoia as coisas que nós achamos corretas – independentemente de serem ou não – e que evita, na medida do possível, entrar em detalhes.
A culpa nos deixa malucos, deprimidos, inferiorizados, reféns dos outros menos culpados ou que insistem em parecer puros. Nos deixa desconfiados de fazer o bem, de ajudar alguém, de manifestar nossas vontades, preocupados que estamos com os outros, a vontade dos outros, o bem-estar dos outros – ou serão “outres” e eu logo serei culpado por não ter utilizado esta grafia?
A desculpa surgiu logicamente para aliviar, amortizar, diminuir, redimir nossa culpa. Simples assim, fácil assim, hipocritamente assim. Com num simples passe de mágica, através de um pedido formal de desculpas, transferimos para o outro o ônus do perdão. E o que nosso ato e palavras causaram também.
Claro que muitos irão dizer que não é bem assim, que estou sendo cáustico demais, que perdoar é divino. Mas também acho que, como com tudo que acontece hoje em dia, vulgarizaram de tal maneira o pedido de desculpas que a gente nunca sabe se a pessoa está sendo sincera, ou nos fazendo de otários de maneira sensível e delicada.
Mais uma vez, estamos diante do livre-arbítrio. Atitudes corretas no dia a dia diminuem muito a necessidade de pedir desculpas. E ainda sobra a alternativa de assimilarmos positivamente nossas imperfeições como caminho para nos fazer pessoas melhores. Quem sabe, apenas um exercício de boa vontade seja suficiente.
*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante