Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

Epidemia de solidão

Pixabay

Epidemia de solidão

  • Heraldo Palmeira

É cada vez maior a multidão de solitários espalhada pelo mundo, ainda mais visível nos grandes centros urbanos. Sim, estar só é um mal da vida moderna que vem adoecendo a civilização em larga escala, como demonstra pesquisa recente do Instituto Meta Gallup realizada em 142 países: um em cada quatro adultos sofre de solidão em graus que oscilam de moderado a elevado.

O problema é tão grave que a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a considerar prioridade global de saúde com nível de epidemia e está criando uma comissão para enfrentar a ameaça. A estratégia é incentivar os laços sociais para aliviar a vida acelerada – e deturpada pelo universo das redes sociais – que vem causando adoecimento emocional assustador dos indivíduos, com incidência preocupante da solidão como porta de entrada. “Diante das consequências sociais e à saúde provocadas pela solidão, temos a obrigação de investir em seu combate com o mesmo vigor que dedicamos ao uso de tabaco, à obesidade e à dependência ligada a vícios variados”, enfatiza o médico Vivek Murthy, porta-voz do governo norte-americano para assuntos de saúde e membro do grupo criado pela OMS.

Pesquisa específica da própria instituição apontou que os malefícios da solidão são semelhantes ao consumo de 15 cigarros diários. Mesmo a solidão sendo tão subjetiva, “pode ser entendida de forma simples, como a diferença entre o número e a qualidade dos relacionamentos que alguém almeja e os que realmente tem”, afirma a psicóloga Olivia Remes, especialista em saúde mental da Universidade de Cambridge, Inglaterra. “Há muita gente por aí sozinha no meio da multidão”, sintetiza.

Esse cenário da solidão planetária enfrentado com base e responsabilidade científicas é um alerta poderoso contra bobagens disseminadas nas redes sociais e que encontram terreno fértil na credulidade coletiva. A mais nova é o masterdating (link abaixo), um tipo de “encontro” solitário, com tom romântico, sugerido como fuga para relações desiguais.

Os sábios das redes sociais levam pessoas com dificuldades emocionais a acreditar que não precisam de apoio especializado para resolver a questão. Basta que sigam a tendência da moda e levem o amor-próprio a lugares bacanas. E ninguém sequer perde tempo disfarçando as digitais da indústria do consumo nesse movimento de criação de “tendências” que parecem surgir da própria expressão popular.

O mais impressionante é ver pessoas postando com orgulho e como exemplo seus “encontros românticos” com ninguém em restaurantes, teatros, cinemas, viagens, hotéis, cruzeiros, parques, trilhas, praias e outros locais públicos. O ápice dessa desconstrução emocional são jantares em casa, inclusive à luz de velas, com apenas um serviço à mesa. Uma forma perigosa de transformar um sintoma que ronda o ambiente da saúde mental em algo inovador e revolucionário pela óptica rasa das redes sociais.

Ficou urgente desmascarar e tirar de moda – mesmo contrariando as tendências novidadeiras ditadas pelo pensamento raso e onipresente das redes sociais – o estilo de vida baseado na falsa autossuficiência do individualismo, na superficialidade da pressa, na especialização em miudezas digitais, na presunção, na falta de convivência pessoal e profissional (que tem na exaltação de virtudes do modelo de trabalho em home office um dos seus altares).

Há muitos parafusos frouxos que precisam ser apertados nessa inteligência artificial que insiste em não aproveitar de forma plena os milênios de sabedoria analógica. É preciso distensionar o mundo, revigorar as relações humanas – enquanto dá tempo – como meio de enfrentar esse mal silencioso e cruel que vitima e desespera cada vez mais gente. Que futuro justifica assistir tantos se anulando socialmente e adoecendo até o limite de buscar saídas em becos sem saída?

O francês Jacques Lacan – um dos pais da psicanálise moderna ao lado do austríaco Sigmund Freud e do suíço Carl Jung – defendeu que o combate à solidão não se dá pelo elo com o mundo exterior, mas pela busca do que desperta “o imaginário e o simbólico” a ponto de provocar interesses genuínos e renovadores do espírito.

Já o poeta Horácio Paiva, colaborador do Giramundo, joga luzes na escuridão dolorosa da solidão:

Às vezes sou induzido a pensar

Que somente eu existo

E que sou um sonhador…

Mas se falo

Meus personagens riem de mim

E imaginam brincadeira

Ou loucura

Não acreditam que a vida é sonho

E muito menos

Que eu os sonho…

Acreditando que nem mesmo a solidão resiste ao poder da palavra e do encontro, o escritor Luis Fernando Veríssimo arremata: “Nada como uma boa conversa para se encontrar a solução de qualquer coisa, mesmo a insanidade”.

A música da vida continua tocando, basta olhar para os músicos e descobrir de onde ela está vindo. Os silêncios também vão estar lá, a diferença é que nos lugares certos.

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