Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

Paul Brasil

Débora Palmeira/Alameda

Paul Brasil

  • Heraldo Palmeira

GIRAMUNDO VIU Novembro de 2023 foi um mês especialmente feliz para a beatlemania. Começou com o lançamento de Now And Then, a última música “nova” dos Beatles, que emocionou o mundo – há quem diga que o baú ainda trará novidades. Logo depois, outra lapada: as novas versões de The Red Album e The Blue Album. Juntos, formam a melhor coletânea do grupo e agora trazem 21 canções acrescentadas ao repertório original. O projeto foi remixado e resmaterizado com a tecnologia Dolby Atmos, que transporta para a sonoridade imersiva do século 21 algo que já era incomparável desde os anos 1960.

A terça-feira (28) poderia ter sido apenas um dia comum em Brasília, não tivesse o tradicional Clube do Choro servido de palco para um show surpresa e intimista de um certo Sir Paul McCartney. Uma conexão inesperada do mundo Beatle com um dos mais tradicionais endereços da cultura popular da cidade permitiu a cerca de 420 pra lá de privilegiados curtirem de bem perto o ex-beatle, pagando ingressos a partir de R$ 200 – que se esgotaram rapidamente, novidade nenhuma! Aliás, essa é uma brincadeira que ele costuma fazer em cidades por onde passa com suas turnês. E já houve caso de tocar em um bar para apenas 50 pessoas.

Quinta-feira (30) marcou o início da turnê Got Back em território brasileiro. No fim da tarde os corações dispararam porque começou a chover forte com relâmpagos e trovões em Brasília, contrariando as previsões meteorológicas. Mas a chuva deu trégua definitiva ao redor das seis da tarde. Na verdade, arejou a cidade como uma bênção em tempos de calores colossais.

O estádio Mané Garrincha surgiu destacado da paisagem pela iluminação azul. Apesar das avenidas largas como em nenhuma outra cidade brasileira, o trânsito estava caótico. Brincávamos dentro do carro que Paul McCartney chegou a tal ponto que tem poder até para conseguir do Criador uma trégua no aguaceiro celestial. Entupir o tráfego é fichinha, já faz isso desde que o mundo ouviu Love Me Do!

Na iminência de perdermos tempo demais naquele restinho de trajeto, descemos do táxi e entramos na rota de caminhantes pelos amplos espaços, driblando ambulantes que vendiam de tudo – bebidas, comidas, camisetas, doces, salgados, capas de chuva, ingressos (Deus sabe a procedência…). Para não variar, era uma procissão feliz com fiéis devotos de todas as idades, até crianças bem pequenas sentadas nos ombros dos seus adultos. O eterno encontro de gerações que se reúne ao redor do repertório dos Beatles e de Macca.

Mais perto dos portões, os cambistas gritavam compra e venda de bilhetes, num balcão de negócios que não ficou muito claro em nossos ouvidos passantes e apressados. Faltava menos de uma hora para o início do show.

Dentro do estádio o clima de sempre: cada vez mais gente chegando com a certeza de viver uma grande noite. Em pouco tempo, estaríamos envolvidos pela trilha sonora mais identificada do mundo, sob a batuta de um dos seus geniais criadores, Sir James Paul McCartney.

Às 20h48 a gritaria começou quando a banda formada por músicos espetaculares tomou seus lugares no palco. Segundos depois, virou louvação ensurdecedora quando o senhorzinho jovialíssimo de 81 anos apareceu em seu indefectível terninho escuro, moderno como de costume. Estávamos diante de um dos rostos mais conhecidos e fotografados da humanidade, baixo Hofner icônico pendurado no peito. O grande sacerdote estava pronto para iniciar a liturgia e tascou logo de cara Cant’ Buy Me Love.

A partir dali tudo virou um karaokê gigantesco com as vozes das cerca de 55 mil pessoas presentes. Em alguns momentos, a emoção apressou os corações e elevou as vozes aos melhores mistérios humanos, quando surgiram no repertório Blackbird, Something (com imagens de George Harrison no telão), Let It Be e Hey, Jude. Todas com direito a casais dançando agarradinhos, lágrimas em muitos rostos e luzes de celulares compondo o cenário.

Para quase chamar o bis, Live And Let Die, tema do filme 007 – Viva e Deixe Morrer surgiu com o tradicional e impressionante espetáculo pirotécnico no palco e dos fogos acima da marquise do estádio. Em seguida, o mantra “Na, na, na, na…” confirma que virou mesmo linguagem universal.

Antes da volta para o bis, o público veio abaixo com a imagem do baterista Abe Laboriel Jr., no telão, levantando uma taça de vinho nos bastidores e brindando na direção do público. Ele já havia encantado em Dance Tonight, dançando e fazendo graça.

O último grande momento de emoção, com imensa explosão do público, surgiu durante o bis com I’ve Got a Feeling, quando apareceu a imagem de John Lennon no telão e sua voz misturada à de Paul. Delírio absoluto e merecido por ver os dois “cantando juntos” outra vez. Não é para menos, espécie de preito de gratidão a dois caras que mudaram o mundo para melhor e estão eternizados no espírito de grande parte da população do planeta.

Às 23h38, após 2h50 de show e 36 músicas, Paul encerrou outra de suas noites memoráveis com “Até a próxima!” depois de Golden Slumbers, mais uma dos Beatles. Ele acabara de tocar inúmeros instrumentos – baixo, guitarra, piano, violão, bandolim – com a maestria de sempre. Ao contrário da turnê anterior, a voz estava mais límpida e passeando melhor nas regiões mais agudas.

Apagaram-se as luzes de mais uma produção irretocável, onde tudo funciona milimetricamente. Ele cumpriu seu costumeiro papel de cometa do bem por onde passa. Sempre esbanjando simpatia, premiou a plateia com “Esta noite vou tentar falar um pouco de português, pouquinho, all right?”, “Boa-noite, véi!” e “Show de bola!”. Quem se importa com o português ruim? Em alguns momentos, perguntou em inglês se as pessoas estavam se divertindo e deixou claro “Eu também”. E fez isso revisitando o repertório dos Beatles, Wings e carreira solo.

Um amigo perguntou como era possível alguém estar há 61 anos mantendo um sucesso daquele em todos os lugares e, mais ainda, fazendo feliz tanta gente de todas as idades. Chegamos juntos à conclusão de que o prazer está na raiz daquela catarse que acabáramos de ver, viver e querer mais. Ainda mais agora, que há um movimento para que ele se torne cidadão honorário do Brasil.

Já andaram dizendo que esta seria a última turnê de Macca. Depois de ontem, senti um aperto no coração com essa hipótese. Afinal, há um quê de eternidade nessa história toda.

Filho de peixe O baterista Abe Laboriel Jr., presença marcante nos shows de Paul McCartney desde 2001, é filho do lendário baixista Abraham Laboriel. A revista Guitar Player considera o músico “o mais versátil baixista de nossos tempos”, cujo nome está registrado em mais de 4 mil gravações com os maiores artistas do mundo e trilhas sonoras.

Alô, som! Assisti ao show da turnê The Freshen Up em 2019, no Allianz Parque, em São Paulo. É sabido que aquela arena tem uma acústica de alto nível, pois foi pensada também para eventos musicais. Fato consumado, o som estava espetacular! Dizem a mesma coisa da novíssima Arena MRV, em Belo Horizonte. Tomara, a próxima parada de Got Back é exatamente lá.

Com menos entusiasmo, dizem o mesmo do Mané Garrincha. O som de ontem podia ser melhor. Havia um incômodo nas frequências graves e nem sempre todos os instrumentos estiveram claros, contrariando a praxe dos grandes shows internacionais. Quando o problema prejudica também a voz de Paul, como aconteceu – alguns trechos das letras ficaram incompreensíveis –, ganha tom de sacrilégio.

Fora do tom É impressionante como os grandes eventos realizados no Brasil ainda produzem desconfortos inexplicáveis em razão direta do amadorismo dos organizadores – que o diga a recente e desastrada passagem de Taylor Swift pelo Rio de Janeiro.

A estreia (em Brasília) da turnê Got Back, do ex-Beatle Paul McCartney, começou com 18 minutos de atraso – algo estranho para um britânico – e não escapou do jeitinho brasileiro. Uma insignificante busca de localização de portão foi bastante para demonstrar o despreparo do pessoal de atendimento ao público nas entradas dos portões, inclusive de quem estava destacado exclusivamente para dar informações e ajudar. Pareceu claro que não houve um treinamento básico – obrigação óbvia dos produtores do evento – a respeito da arena. E quando algum “Posso ajudar?” tentava falar (mensagens e ligações) com alguém “graduado” da equipe, as respostas não vinham ou eram insatisfatórias. Ou seja, o problema também estava instalado mais acima.

Esse tipo de absurdo vitimou quatro pessoas – idosos incluídos – que receberam orientação errada e foram obrigadas a sair novamente para a rua em busca do respectivo portão, transitando por locais escuros e desertos. O “batalhão da ajuda” não soube sequer informar se era melhor ir pelo Norte ou Sul. Ainda bem que a bússola daqueles desafortunados estava funcionando e eles foram pelo Norte, caminhando a metade do percurso que fariam pelo Sul para contornar a arena e chegar ao portão certo. Algo que os faria perder o início do show, mesmo tendo chegado com bastante antecedência e esperado mais de 30 minutos enquanto a equipe batia cabeça.

Detalhe inadmissível, a circulação ao redor do estádio – logo após o primeiro portão que os quatro entraram inicialmente – estava interrompida em diversos pontos por grades guardadas por seguranças, sempre indiferentes a qualquer argumentação e sem qualquer interesse em remover (uma grade móvel e leve) para encurtar o percurso, algo que não causaria qualquer transtorno pois não havia ninguém além daquele pequeno grupo que foi encaminhado para o nada por erro da equipe do evento.

Os problemas não estão restritos a Brasília. Um casal beatlemaníaco e amigo do Giramundo tenta resolver uma questão simples para o show em São Paulo. Eles tiveram problemas na aquisição dos ingressos. O sistema não permitiu a compra de dois bilhetes juntos e, quando conseguiram – os mais caros e apenas em compras individuais feitas em sequência –, descobriram que deverão entrar em portões diferentes no Allianz Parque. Desde então, tentam contato com a produção, sem sucesso. Detalhe: são duas pessoas perto dos 70 anos, que irão do Nordeste e pretendem chegar ao estádio às 10 horas (da manhã) para tentar encontrar alguém que lhes conceda a conquista de ficarem juntos no estádio. Afinal, compraram entradas para o mesmo tipo de setor e foram vítimas do mau funcionamento do sistema de vendas.

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