Por Heraldo Palmeira
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24 de novembro de 2024

HAYTON ROCHA Sábios populares

Reprodução/Blog do Hayton/Jessier Quirino

Sábios populares

  • Hayton Rocha

Sou nordestino, filho de maranhense casado com paraibana (que um dia me levaram, ainda menino, para viver em Alagoas), de quem herdei a pitada cigana que me deu a graça de ainda virar pernambucano e baiano, mais adiante, antes de mergulhar de cabeça no caldeirão cultural brasiliense.

Nessas andanças todas, colecionei alguns achados incomuns – ditos populares, provérbios e outras expressões sábias que nem o Aurélio, o Houaiss ou o Michaelis explicam. Cada um mais original que o outro, anotados ao longo de décadas de ouvido atento.

O linguajar falado no Nordeste tem seu charme único, diferente do resto do Brasil, mas o português continua sendo o fio desencapado que nos une como nação. Nem sou especialista no riscado, mas estou seguro de que essas tiradas linguísticas são a pimenta e o sal que temperam a comunicação de nossa gente.

Vou listar aqui algumas pepitas raras que recolhi na grande viagem e guardei no fundo da mala de minhas melhores lembranças. Prepare-se, principalmente quem ainda não teve a ventura de experimentar do Nordeste (tudo tem seu tempo, não desanime!).

Lá estava eu, começando a carreira no setor de cadastro de um banco, onde tinha que apurar antecedentes para firmar juízo sobre a idoneidade dos clientes nos fuxicos de uma cidadezinha.

Quando alguém até parecia ser boa pessoa, mas tinha fama de vagabundo ou velhaco, por causa de deslizes de maior ou menor gravidade, eu me via obrigado a buscar nos manuais de serviços termos mais polidos para conceituá-los, mesmo convicto de que seria bem mais assertivo se assentasse aquilo que ouvira:

– É cheiro de canto de unha. É de dar caganeira em bode. É pior que falta de fôlego. Não dou nele um dedal de mel coado. Não vale a bufa de uma muriçoca. O cabra é cano de esgoto. Pense numa carne de cabeça.

Um dia, em meio a uma reunião, escutei alguém criticar o comportamento de um novato que “vivia entrando onde não era chamado” (ou “se metendo em conversas acima do seu nível”). Dizia-se que o sujeito era “atravessado que só pau de lata d’água”. Meia hora depois, inconformado com a “insistência” do intruso em permanecer no recinto, alguém soltou: “O cara é feio e saliente que só bico de chaleira. Parece o cão chupando manga!”.

Mais tarde, quando visitava comerciantes vinculados a um programa de apoio a pequenas e médias empresas, ouvi de alguns, invejosos dos “segredos” de seus concorrentes, classificarem “adversários” com frases impagáveis:

– Aquele ensina jumento a deitar com a carga. Ele vive dizendo que gosta de ouvir a freguesia: escuta mais que vizinha solteira. Esse aí ensinou rato a tirar manteiga da garrafa com o rabo. O preço dele até que é bom, mas o bicho é mais grosso que pescoço de carreteiro. Taí um que puxa leite em cabra morta!

Conheci um zootecnista que demorava uma vida e meia para analisar um projeto de investimento, procurando pôr obstáculos em tudo. Nada lhe dava maior prazer do que emitir parecer contrário à liberação de uma operação de crédito. Um dia, escutei seu chefe, já sem paciência com a demora na análise de um caso, desabafar: “Esse galego é como barata; não come, mas bota gosto ruim em tudo. Vou ter que arranjar ‘Detefon’ (famoso inseticida de uso doméstico)”.

Sobre quem passava por dificuldades financeiras (aliás, não sei hoje em dia, mas antigamente “bancário apertado” era pleonasmo), ouvi comentários que traduziam perfeitamente o aperreio:

– Cantando coco sem saber da toada. Fazendo cruz na boca. Liso que só bochecha de anjo. Não tem um couro pra morrer em cima. Tá com o beiço no prego.

Já próximo da aposentadoria, estive em várias cidades do Norte/Nordeste, negociando convênios de prestação de serviços com instituições da administração pública.

Um secretário municipal, que morria de medo do prefeito, foi bastante sincero ao me dizer que não “daria um pio” sobre nada relacionado a sua área sem antes ouvir o “chefe”. Justificou-se: “Em tempos de vassouradas, é melhor ficar do lado do cabo”.

E alguns interlocutores, na ânsia de conhecerem as “novidades” oferecidas a outros estados e municípios, abriam a conversa alertando que com eles a coisa seria diferente:

– Besta é coco, que dá leite sem ter peito. Bobo é sabonete, que se acaba pra limpar os outros. Não mamei em carreira de peitos. Quem tem filho barbado é camarão. Quem quer mamar que carregue a mãe na garupa.

Louvados sejam esses sábios populares, minha gente! O linguajar de qualquer região lateja neles mais claro, curto e reto, do que se pensa.

Pelo que escutei, dá para imaginar o que ainda existe de pepitas incrustadas por aí. Só os cegos, moucos e mudos não se deram conta disso.

*HAYTON ROCHA, escritor e blogueiro

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