Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

Saúde bilionária

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Saúde bilionária

  • Heraldo Palmeira

O sistema de saúde é um problema antigo e renitente em todos os lugares do mundo. Sempre negligente com a atenção primária, se afastou de um modelo preventivo em favor do (modelo) curativo e foi se tornando cada vez mais caro e ineficiente na tarefa de atender as populações. Depois de bater cabeça na ineficiência por décadas, caminha para um futuro cercado de interrogações.

A globalização correu mundo e dominou todos os segmentos de grande representatividade na economia. A saúde não escaparia e o modelo vem se mostrando desastroso, cada vez mais reduzido a quem pode pagar. O problema da assistência é grave em todos os lugares do planeta e dizer que o sistema é insustentável virou redundância globalizada.

Vem exatamente da maior economia do planeta uma iniciativa sem precedentes, arrojada e que pode causar uma mudança de rumos na produção de medicamentos. Afinal, cinco bilionários oriundos das famílias mais ricas da vida empresarial dos Estados Unidos, todos donos de talões de cheques acostumados a cifras enormes, se juntaram para criar um grupo denominado Arena BioWorks.

O objetivo tem tradução simples no mundo dos negócios: produzir medicamentos inovadores em prazos menores e buscar lucros compatíveis com o nível dos investimentos. Não há nenhuma originalidade nisso, mas os detalhes vão surgindo e desenhando as novidades.

A aventura começou com US$ 500 milhões (R$ 2,46 bilhões) já disponibilizados para montar um laboratório sem identificação no prédio, localizado entre Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). É lá que um grupo dissidente de cientistas trabalha em pesquisa farmacêutica, numa verdadeira caça ao tesouro: o próximo medicamento bilionário.

Esse projeto sacudiu o mundo acadêmico oferecendo salários de sete dígitos para contratar professores pesquisadores de altíssimo nível das melhores universidades e cientistas da indústria farmacêutica, qualificados para desenvolver inicialmente e com rapidez uma série de novos medicamentos para combater o câncer e doenças cerebrais.

Juntar esse grupo de talentos foi a maneira que os bilionários encontraram para driblar o terreno pantanoso das startups, bem como a lentidão dos processos burocráticos do mundo acadêmico tradicional, onde as aprovações institucionais para o início de pesquisas promissoras podem consumir anos, gerando óbvio desânimo a cientistas e pesquisadores – não raro, quando o financiamento é concedido a ideia original está obsoleta.

O comando científico da Arena BioWorks foi entregue a Stuart Schreiber, pesquisador e professor de química e biologia química ligado a Harvard há muito tempo, cujo prestígio atraiu cerca de cem colegas para o projeto. Livre do vínculo com a lendária universidade, ele revelou que suas ideias mais inovadoras raramente recebiam apoio. “Chegou a um ponto em que percebi que a única maneira de obter financiamento era me candidatar para estudar algo que já tinha sido feito”, afirmou.

Além das altas remunerações e desafios do projeto, os cientistas que migraram para o novo laboratório também foram motivados pelo desgaste da reputação das universidades. Havia um sentimento de frustração com lentidão nas decisões, problemas administrativos, posicionamentos políticos e salários baixos. “Sair do meio acadêmico para trabalhar na indústria já foi considerado um fracasso. Agora, o modelo se inverteu”, afirmou J. Keith Joung, professor de Harvard e patologista do Hospital Geral de Massachusetts, que ajudou a criar a revolucionária técnica de edição genética Crispr e deixou suas atividades anteriores ao ser contratado pela Arena.

As operações da nova empresa tiveram início no segundo semestre de 2023 e vêm sendo mantidas numa atmosfera de sigilo calculado. Mesmo que a ciência com fins lucrativos seja uma prática antiga – as próprias empresas farmacêuticas costumam recrutar talentos na academia –, o poderio financeiro, o foco e a agilidade propostos pela Arena agitaram o mercado.

Na verdade, o sistema está diante de um novo ator com capacidade de mexer nas estruturas tradicionais. Afinal, está retirando das universidades muitas mentes brilhantes, algo que deverá diminuir os recursos destinados aos seus centros de pesquisas. Para a indústria farmacêutica se torna um concorrente imediato na captação de talentos e no desenvolvimento de novos medicamentos.

Como tudo começou Além dos interesses científicos e financeiros, a ideia de montar a operação da Arena BioWorks surgiu em 2021 e teve motivações pessoais. Num encontro de amigos em Austin, Texas, os bilionários Michael Dell (magnata da tecnologia), James Breyer (um dos primeiros investidores do Facebook) e Stephen Pagliuca (um dos proprietários do Boston Celtics) começaram a falar dos pedidos de dinheiro que não paravam de receber dos representantes de fundos universitários.

Pagliuca comentou que não tinha clareza sobre o que havia sido produzido pelos milhões de dólares que doara a Duke e Harvard, suas universidades de origem. O mais visível eram os assentos em quatro conselhos consultivos e seu nome em placas externas instaladas nas fachadas de alguns prédios das instituições.

Na sequência, Michael Chambers (industrial dono da maior fortuna do Estado de Dakota do Norte) e Elisabeth DeLuca (herdeira da rede de lanchonetes Subway) completaram o time de cinco bilionários investidores, cada um aportando os mesmos US$ 100 milhões (R$ 492 milhões) dos outros três.

Thomas Cahill (médico de Boston e investidor de risco) se juntou ao grupo com a incumbência de buscar acadêmicos dispostos a abrir mão da estabilidade profissional das universidades e cientistas de farmacêuticas interessados em participação nos negócios.

A divisão dos resultados já está definida: os bilionários investidores ficarão com 30% e o restante será destinado aos pesquisadores e às despesas gerais. “Não peço desculpas por ser um capitalista, e essa motivação não é algo ruim”, afirmou o bilionário Michael Dell. “Vai ser melhor ou pior? Não sei, mas vale a pena tentar”, acrescentou Stuart Schreiber, cientista chefe do projeto, para quem serão necessários anos de trabalho e bilhões de dólares em financiamento adicional até que a equipe descubra se será possível produzir medicamentos de alto valor.

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