Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

Não somos olímpicos

Reprodução/Olympics/COI

Não somos olímpicos

  • Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli

Depois do vexame na disputa por uma vaga nas Olimpíadas Paris 2024 parece que estamos obrigados a uma conclusão desagradável: futebol brasileiro e jogos olímpicos, nada a ver. Parece aquela coisa de água e óleo, não tem quem misture.

O futebol foi aceito oficialmente nas Olimpíadas como “esporte de competição” em 1908, na edição dos jogos ocorrida em Londres naquele ano. Até ali a modalidade foi tratada como “esporte de exibição”, disputado por times amadores ou universitários representando alguns países. Mas o Comitê Olímpico Internacional (COI), muitos anos mais tarde, reconheceu a Grã-Bretanha como medalhista de ouro em 1900 e o Canadá como campeão em 1904. A bagunça apenas começava.

Naquela Olimpíada (1908) ficou definido que só poderiam participar atletas amadores. E a Grã-Bretanha, que não era afiliada à FIFA, juntava atletas ingleses, escoceses e norte-irlandeses em sua seleção. Aliás, a Inglaterra se filiou à FIFA em 1906 com a imposição de que pudesse disputar as Olimpíadas como Grã-Bretanha e, em outras competições, participar separadamente das outras nações do Reino Unido. Mais confusão, claro, e outros países não gostaram. E as desavenças dos ingleses com a FIFA eram tão grandes que só disputaram sua primeira Copa do Mundo em 1950, no Brasil.

Até 1928 o Brasil sequer pensava em participar das disputas do futebol olímpico, reconhecendo sua grande inferioridade em relação aos vizinhos uruguaios e argentinos que dominavam o esporte na América do Sul. Ao mesmo tempo, o torneio ganhava projeção cada vez maior e os sul-americanos surpreendiam o mundo, que até então acreditava que o “esporte bretão” só tinha talentos na Europa.

Em Paris (1924) e Amsterdam (1928), o Uruguai colocou na roda as seleções do Velho Continente e faturou o bicampeonato olímpico – tendo a Argentina como vice-campeã na disputa da Holanda. Como a seleção uruguaia era denominada “Celeste” em razão da cor azul da camisa, passou a ser chamada de “Celeste Olímpica”. Também surgiu nessa época a “volta olímpica”, usada na comemoração após a conquista.

Como as rivalidades e as gozações não são novas, o chamado “gol olímpico” nasceu quando o jogador argentino Cesáreo Onzari marcou num chute direto de escanteio contra os então campeões olímpicos, durante amistoso pós-Olimpíadas em 1924 – a nova regra validando o chute direto de escanteio para o gol havia sido estabelecida poucos dias antes.

Para os cartolas não perderem o costume de jogar casuísmos no tapetão, uma nova bagunça estava a caminho. Muitos clubes e até seleções nacionais já adotavam as chamadas “ajudas de custo” a seus atletas, o que quebrava o conceito de amadorismo de acordo com a Convenção de Praga de 1906. Na verdade, àquela altura o racha entre os defensores do amadorismo e do profissionalismo estava cada vez mais forte. Além disso, como os Estados Unidos não curtiam futebol, alguns anos antes da realização das Olimpíadas Los Angeles 1932 os dirigentes do COI decidiram excluir a modalidade do torneio. Foi a gota d’água para a FIFA, que decidiu organizar a primeira Copa do Mundo de Futebol já em 1930 e no Uruguai, por considerar nosso vizinho a maior potência futebolística da época.

Com a conquista do título em casa, os uruguaios passaram a se considerar tricampeões mundiais, por terem vencido as Olimpíadas de 1924 e 1928 e a Copa do Mundo 1930. E depois tetracampeões, por nos terem imposto o famoso Maracanazzo na final da Copa 1950.

No mesmo modelo, os fanáticos tifosi passaram a considerar a Itália tricampeã mundial depois das conquistas das Copas 1934 e 1938 e das Olimpíadas Berlim 1936 (sem seu time principal, já profissionalizado). Aliás, o estrategista Vittorio Pozzo é o único técnico campeão olímpico e mundial da História.

Veio a Segunda Guerra Mundial em 1939 e o futebol, em termos de competições mundiais, entrou em recesso. O retorno se deu com a realização das Olimpíadas Londres 1948 – a Suécia foi a campeã, já tendo no time Liedholm e Gren, jogadores que perderiam a Copa 1958 para o Brasil.

A partir da disputa seguinte – Olimpíadas Helsinque 1952 – e até os jogos de Moscou (1980), o domínio dos países comunistas passou a ser total na modalidade olímpica do futebol, o que é facilmente explicável. Enquanto os demais países jogavam praticamente com suas equipes juvenis (não profissionais), os integrantes da Cortina de Ferro (Alemanha Oriental, Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Iugoslávia, Polônia, Romênia e União Soviética,) eram campeões utilizando seus principais craques (Puskás, Kocsis, Czibor, Lato, Deyna, Zmuda, Yashin, Igor Netto e muitos outros) sem qualquer critério de idade. Na verdade, os atletas recebiam todo o apoio para praticar suas atividades esportivas como funcionários públicos desempenhando uma missão de Estado.

Em tese, não havia profissionalismo esportivo naqueles países, a ponto de os clubes só permitiam a contratação de seus craques pelos gigantes da Europa Ocidental depois que completassem 30 anos de idade, como reconhecimento pelos serviços prestados ao Estado. Quando disputavam com o resto do mundo, a distinção entre “amadores” e profissionais e a diferença de idade entre os atletas tornavam a competição desigual e cada vez mais desinteressante.

Foi a partir dos jogos de Helsinque, em 1952, que o Brasil passou a participar das Olimpíadas. Havia um motivo evidente para tal decisão: era preciso encontrar jovens craques e dar-lhes maturidade para que não tremessem e fracassassem em Copas do Mundo, um trauma restante do vice-campeonato no Maracanazzo de dois anos antes.

Por isso, sob o comando do técnico Newton Cardoso, enviamos para a Finlândia um time com atletas tidos como promissores – estavam no grupo os futuros campeões mundiais Vavá, Zózimo e Didi e os excelentes atacantes Evaristo e Humberto Tozzi, que posteriormente fizeram bastante sucesso na Europa. Caímos nas quartas de final depois da derrota de 4×2 para a Alemanha Ocidental. Já para as Olimpíadas Melbourne 1956 não enviamos time, exatamente em razão do desnível técnico e físico entre nossos juvenis e as poderosas seleções do Leste Europeu.

Já incluídos no panteão de campeões mundiais no futebol profissional, para os jogos seguintes enviamos times olímpicos modestos, comandados pelo técnico Vicente Feola. Em Roma (1960) jogaram os destaques Jurandir, Roberto Dias e Gérson, o futuro famoso Canhotinha de Ouro. Em Tóquio (1964) estive em campo o também futuro tricampeão mundial (reserva) Roberto Miranda. Nas duas disputas não passamos da fase de grupos. No México (1968), mais uma vez não houve o que comemorar e nem jogadores a destacar. Ficamos na penúltima colocação no nosso grupo.

Nas Olimpíadas Munique 1972 nosso time era tido como muito forte. Até que o nosso treinador Antoninho cortou os dois melhores atacantes: Clayton e ninguém menos que Zico. No caso do Galinho, além de representar uma grande frustração pessoal confessada pelo jogador, surgiram rumores de que os militares – que dominavam a CBD –, agiram em represália ao seu irmão Nando, que sofreu perseguição política durante os anos de chumbo. Estavam no elenco Abel Braga, Falcão, Roberto Dinamite, Dirceu e Carlos Alberto Pintinho. Contrariando os prognósticos, a campanha foi um fiasco e ficamos na fase de grupos. Para os jogos seguintes em Montreal (1976), sob o comando de Cláudio Coutinho estavam Carlos, Edinho, Júnior, Batista, Rosemiro, Cláudio Adão e Júlio César (Uri Geller). Chegamos às semifinais, quando perdemos para a campeã Polônia, dos consagrados Lato e Deyna e saímos com o quarto lugar.

Nosso papel no Pré-Olímpico para Moscou (1980) foi ridículo e sequer fomos classificados. Diante da tragédia, para as Olimpíadas Los Angeles 1984 o técnico Jair Picerni decidiu levar o time do Internacional enxertado por alguns “forasteiros”. Com a presença de Gilmar, Mauro Galvão e Dunga ficamos com o vice-campeonato, perdendo a final por 2×0 para a França. Conquistamos a nossa melhor posição desde que entramos no jogo olímpico em 1952.

Os jogos de Los Angeles foram um divisor de águas para o futebol olímpico. O COI aproveitou a crise política entre Estados Unidos e União Soviética e, dali em diante, jogadores profissionais foram aceitos nos elencos das seleções olímpicas. Como todos os países da Cortina de Ferro (aliados da URSS) retribuíram o boicote dos americanos e aliados aos jogos de Moscou, o ambiente ficou favorecido para a mudança na regra. Foi uma forma de deixar o futebol olímpico mais atrativo e não continuar competindo com as Copas do Mundo. Paradoxalmente, a reviravolta ocorreu na mesma cidade onde o futebol foi excluído da competição 52 anos antes (nos jogos de 1932).

A paz foi selada com a FIFA, embora as Olimpíadas continuem sujeitas a concessões e alterações imprevisíveis – mudanças no número de vagas por continente, limite de jogadores com mais de 23 anos, possibilidade de inscrição de alguns com idade superior etc.). Sem contar que a competição não merece o enquadramento de Data FIFA, desobrigando os clubes a cederem jogadores às seleções participantes. Assim, à exceção dos países-sede, principalmente nas seleções europeias mais representativas é comum os treinadores levarem apenas algumas apostas para dar “rodagem”, ou mesmo o time “C”, já que jovens craques dificilmente são liberados. Ou seja, critérios que geram mais bagunça e contribuem para a menor qualidade dos jogos.

Nas Olimpíadas Seul 1988 a Amarelinha olímpica estava sob o comando de Carlos Alberto Silva. Ele montou um excelente time com Taffarel, Jorginho, Ricardo Gomes, Mazinho, Andrade, Valdo, Bebeto, Romário, Geovani, João Paulo e Neto. Saímos da Coréia vice-campeões, depois de uma final duríssima contra a União Soviética, que terminou em 2×1 na prorrogação. E trouxemos para casa nossa segunda medalha de prata, as duas ganhas em seguida.

Em 1992, a Seleção foi entregue ao técnico Ernesto Paulo. Mesmo com promessas como Cafu, Roberto Carlos, Dener e Marcelinho Carioca, caímos no Pré-Olímpico e passamos longe de Barcelona.

Chegamos aos jogos de Atlanta (1996) embalados pelo tetracampeonato do futebol profissional dois anos antes. Escolhido como técnico, Zagallo, do alto da sua famosa vaidade, queria se igualar ao italiano Vittorio Pozzo, único a conquistar os títulos olímpico e profissional. E ganhar o único título que o futebol brasileiro ainda não tinha. Foi montado um time poderoso, com estrelas como Dida, Aldair, Roberto Carlos, Flávio Conceição, Juninho Paulista, Sávio, Ronaldo Fenômeno e Rivaldo. Mas na semifinal caímos para a Nigéria (campeã do torneio), que estava em campo com um jogador a menos. Fomos eliminados por 4×3 na prorrogação, no sistema de morte súbita, com um gol de Kanu. Voltamos com a medalha de bronze e uma resposta gaiata para o Velho Lobo: “Nigéria de Kanu” tem 13 letras!

Nas Olimpíadas Sidney 2000 o time montado por Vanderlei Luxemburgo contava com Helton, Lúcio, Alex e Ronaldinho Gaúcho. Perdemos nas quartas de final para Camarões por 2×1, com o time africano com dois jogadores expulsos. Mais uma vez o sonho do título olímpico foi adiado.

Não passamos do Pré-Olímpico para os jogos de Atenas (2004). Sob o comando do técnico Ricardo Gomes, tivemos problemas de indisciplina num time que tinha Diego Ribas, Robinho, Maicon e Nilmar. Assistimos de casa a Argentina conquistar o ouro antes de nós.

A conquista dos hermanos acendeu uma lâmpada vermelha em nossa mídia. Agora éramos os únicos sul-americanos campeões mundiais a não ter o ouro olímpico. Por isso, começou a obsessão por esse título. Em 2008, sob a batuta do técnico Dunga, montamos o que parecia ser um grande time para os jogos de Pequim. Entre os convocados, Diego Alves, Rafinha, Thiago Silva, Marcelo, Hernanes, Ronaldinho Gaúcho, Ramires e Alexandre Pato. Mas a Argentina, embalada pelo título anterior e alguns craques, nos sapecou um 3×0 na semifinal. Ficamos em quarto lugar e eles voltaram bicampeões.

Chegamos para as Olimpíadas Londres 2012 bastante animados. Com um time jovem e muito bem armado por Ney Franco, o Brasil ganhara o Campeonato Sul-Americano e o Mundial Sub-20, com diversas revelações despontando: Danilo, Casemiro, Oscar, Philippe Coutinho, Dudu, Lucas Moura, Alex Sandro e Neymar. Embora fosse possível utilizar alguns jogadores com idade superior a 23 anos, a ideia do treinador era manter a equipe já entrosada. Mas a CBF interferiu e, atendendo pedido do técnico da seleção principal Mano Menezes, permitiu que ele comandasse a equipe olímpica e incluísse vários jogadores que não faziam parte do grupo original (Hulk, Marcelo, Ganso e Thiago Silva). Perdemos a final por 2×1 para o México e trouxemos para casa nossa terceira medalha de prata. Pouco tempo depois, Mano foi demitido de todas as funções.

Finalmente chegou 2016 com os jogos do Rio de Janeiro, e muitas seleções fortes estiveram ausentes. Sob o comando do técnico Rogério Micale estavam Weverton, Rodrigo Caio, Marquinhos, Neymar, Renato Augusto, Gabriel Jesus e Gabigol. Jogamos mal a maioria das partidas, com direito a vaias. Reza a lenda que, somente depois que Tite passou a comandar o grupo sem aparecer, conseguimos finalmente nossa primeira medalha de ouro. Vencemos a Alemanha nos pênaltis, após o empate de 1×1 no tempo normal e na prorrogação. O herói do jogo foi o goleiro Weverton, inscrito por uma brecha do regulamento-bagunça – ele não estava na lista dos 35 pré-relacionados, mas as Olimpíadas não faziam parte das Datas FIFA e ele terminou relacionado.

As Olimpíadas Tóquio 2021 – a pandemia da Covid-19 adiou os jogos previstos para 2020 por um ano – teve um trabalho bem mais tranquilo do técnico André Jardine. Estavam em campo Nino, Douglas Luiz, Bruno Guimarães, Gabriel Martinelli, Richarlison, Malcom e Antony. Vencemos a Espanha por 2×1 na final e repetimos a façanha dos hermanos, ganhando duas medalhas de ouro seguidas e nos tornando também bicampeões olímpicos.

Chegamos a 2024 vendo um novo vexame sendo construído: estaremos fora dos jogos de Paris. A CBF escolheu Ramon Menezes para comandar o time olímpico, mesmo depois dos seus fracassos na Seleção Sub-20 – fomos eliminados por Israel, não há muito o que comentar a respeito – e no time principal.

Alguém pode alegar que os times europeus e brasileiros – com o aval da FIFA em razão de as Olimpíadas não fazerem parte do sistema Data FIFA – se negaram a ceder jogadores bem melhores do que aqueles convocados. Tanto que Savinho, Yan Couto, Vitor Roque, João Gomes, Vinícius Tobias, Danilo e Arthur não foram liberados. Mas é bom lembrar que isso também aconteceu com diversos países participantes da competição.

No fim das contas, montamos um time medíocre, piorado pelo fato de que a safra atual é bem fraca. Sobraram promessas como Mycael, Andrey Santos, Endrick e John Kennedy. Sem entrosamento, lento, mal armado taticamente, o Brasil deu mais um vexame, aumentando a coleção recente da CBF, que parece não ter fim.

As dúvidas surgem por todos os lados. Estamos decadentes? Claro que sim, há muito deixamos de ser uma referência no futebol mundial. É urgente uma nova filosofia na base, que privilegie os fundamentos do esporte? Certamente, afinal nem bons cobradores de faltas – já foi uma especialidade brasileira – temos mais. Precisamos de técnicos com maior visão estratégica e tática? Com certeza, os “visionários” de hoje ou são uma piada dinizista ou estão ultrapassados. A CBF precisa de uma faxina? As páginas policiais respondem com fartura.

Sempre fomos um celeiro de grandes jogadores, mesmo quando no resto do mundo o futebol caiu muito em qualidade. Essa seria uma razão mais do que clara para mantermos a hegemonia, e a realidade apenas confirma que estamos atolados na bagunça e nos interesses que não entram em campo.

Pagamos aquele mico mundial em torno de Carlo Ancelotti e, para a Copa do Mundo 2026, a receita do caldo de bolinha de gude que juntou o submundo da CBF com a “revolução” de Fernando Diniz nos colocou numa posição desoladora. Há seis vagas diretas em disputa nas Eliminatórias da América do Sul, mais uma por repescagem. No cenário que envolve dez países, apenas Bolívia e Peru parecem estar piores do que nós. Ou seja, corremos o risco de fazer parte do grupo de três que não irão ao Mundial, uma mancha dolorosa na nossa marca de único país do mundo a participar de todas as Copas. A coisa fica ainda mais esquisita porque os adversários têm nos enfrentado de igual para igual, sem qualquer temor ou reverência à única seleção pentacampeã do mundo.

Estamos colhendo os frutos de ignorar ao longo do tempo o alerta amarelo, que virou laranja e agora acendeu em vermelho incandescente. Vamos ver se e quando vai ruborizar a face dessa gente, nem que seja por reflexo.

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