Por Heraldo Palmeira
Los Angeles
Nova York
São Paulo
Lisboa
Londres
Fase da Lua
.
.
23 de novembro de 2024

Nova Canarinho?

Divulgação CBF/Rafael Ribeiro

Nova Canarinho?

  • Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli

Depois dos amistosos europeus da Seleção Brasileira contra Inglaterra e Espanha, que marcaram a estreia de Dorival Júnior no comando técnico do time, a torcida começou a perguntar se temos uma nova Canarinho. Foi um bom prelúdio, mas vamos com calma.

Enquanto no Brasil os campeonatos estaduais entram em sua reta final e os grandes clubes começam a entrar no clima de Copa do Brasil, Brasileirão e Libertadores, as principais seleções do planeta fizeram amistosos buscando encontrar suas melhores formações para os dois grandes torneios que se avizinham: Eurocopa e Copa América.

Várias delas usaram essas duas últimas Datas FIFA com diversos objetivos como testar promessas, experimentar variações táticas e observar novos convocados, enquanto outras – com treinadores recém-chegados – tentaram resgatar a credibilidade a partir de bons resultados. No caso do nosso escrete, todos esses motivos estavam juntos. E depois de muito tempo, enfrentamos adversários que se encontram na lista dos melhores do mundo.

Ao aceitar o cargo, Dorival Júnior recebeu uma terra arrasada deixada pelos seus antecessores. O fraquíssimo interino Ramon Menezes conseguiu a façanha de não classificar nosso Sub-23 para as Olimpíadas. Fernando Diniz, um supervalorizado “professor Pardal”, que vem perdendo fãs até entre os torcedores do seu Fluminense e no séquito de jornalistas deslumbrados e condescendentes – o dinizismo entrou em estol, repetindo o mesmo filme já visto em outras ocasiões.

Ramon e Diniz conseguiram a proeza de sequencialmente sofrerem derrotas absurdas, sem terem contribuído taticamente em nada para a evolução do escrete Canarinho. Diniz chegou mais longe: conseguiu nos deixar na atual sexta colocação nas Eliminatórias, posição que mantém o Brasil fora dos classificados de forma direta para a Copa 2026. Situação preocupante, surreal, esdrúxula e vergonhosa para o único país pentacampeão mundial e que participou de todos os Mundiais.

Como se tudo isso fosse pouco, Dorival assume no rescaldo da patacoada em que a CBF envolveu o técnico Carlo Ancelotti, um dos maiores do mundo, que terminou colocado no papel de uma Viúva Porcina do futebol, “que foi sem nunca ter sido”.

É triste pensar que é possível piorar até mesmo quando o fundo do poço está em campo. A Amarelinha continua carente em várias posições e essa geração atual é uma das mais fracas que já tivemos. A realidade se mostra repleta de jogadores “maximizados” e sem qualquer empatia com os torcedores. Por isso é prudente relativizar os bons resultados de um time que ainda não demonstra o perfil de equipe.

Nesta curta excursão pela Europa começamos com uma vitória magra de 1×0 sobre a Inglaterra desfalcada de seus dois principais atacantes (Saka e Kane). Depois o empate sofrido de 3×3 com a Espanha sem seus motores titulares de meio-campo (Pedri e Gavi) e a arbitragem calamitosa contra nós – com o “leite derramado”, a CBF informou que não vai mais aceitar jogos da Seleção sem o VAR.

Esses dois jogos trouxeram algum alento, talvez reduzido à impressão de que vimos um novo espírito em campo. Mas também demonstraram nossa fragilidade defensiva, especialmente nas laterais, e um compreensível desentrosamento porque muitos atletas estão fazendo suas estreias. Também cabe a reflexão óbvia de que já não temos jogadores geniais como Pelé, Garrincha, Didi, Tostão, Gérson, Rivellino, Zico, Romário, Ronaldo(s)…

Estamos dependentes de uma safra onde estão misturados jogadores muito bons, outras ótimas promessas e nenhum craque capaz de desequilibrar o espetáculo. Dorival tem pela frente a missão de montar um conjunto em que a força coletiva supra a carência de craques incontestáveis.

Claro que é uma tarefa complexa num contexto em que os convocados se reúnem poucas vezes, com tempo escasso para promover o entrosamento. Nossa sorte é que no atual mundo da bola, com os finais das carreiras de Messi, Cristiano Ronaldo, Modric e Kroos se aproximando, nenhum país tem um craque diferenciado que seja tido como ponto fora da curva. Vá lá, Mbappé e Bellingham são os que chegam mais perto do que rotulamos como craques. Existem também grandes artilheiros como Kane, Álvarez, Haaland, mas pouco fazem sem assistências.

Quando tentamos criar nossa própria lista de jogadores para sugerir ao técnico – exercício de todo torcedor que se preza –, temos um choque de realidade. Em épocas douradas estavam ali de três a cinco candidatos muito acima da média para cada posição. Hoje nos vemos até obrigados a chamar aqueles menos ruins ou improvisar.

Para reverter o quadro caótico que herdou, Dorival vai jogando com a realidade. Para iniciar seu trabalho na Seleção, instalou uma espécie de peneira de garimpo para arriscar encontrar alguma pepita. Chamou muitas caras novas, inclusive algumas que atuam no Brasil. Como se os deuses do futebol estivessem tentando ajudar, símbolos mais vistosos dos nossos fracassos recentes como Neymar, Casemiro, Marquinhos e Alisson não puderam ser chamados. E o técnico terminou nos livrando, oxalá definitivamente, de Gabriel Jesus, Renan Lodi, Emerson Royal, Fred, Anthony… Talvez nossa chance de sonhar passe mesmo pela montagem de um time que mescle força coletiva e lampejos de alguns jogadores.

Neste momento de transição, onde uma nova geração começa a pedir passagem, o maior desafio de Dorival Júnior tem nome manjado: Neymar. Talvez o sucesso do seu trabalho passe obrigatoriamente pela capacidade de nos livrar da tal “neymardependência”. Outro grande desafio é manter a autonomia para convocar, driblando uma possível imposição de medalhões e o lobby de empresários de jogadores.

Outro trabalho importante é não perder promessas para o deslumbramento alimentado pela mídia pacheca. Neste momento vemos Endrick sendo insinuado como um novo Pelé, absurdo que mereceu resposta precisa de Tostão, lembrando que o Rei é incomparável em qualquer tempo.

O que vimos realmente nestes dois amistosos? Um jogador de 17 anos que teve oportunismo para fazer dois gols, um em Wembley e outro no Santiago Bernabéu – onde passará a jogar a partir de julho. Foi o bastante para que uma “endrickmania” se instalasse, exaltada pelo número de novos seguidores conquistados nas redes sociais. Tudo isso sem que ele tivesse feito qualquer jogada espetacular nas duas partidas ou apresentações inesquecíveis. Sem contar a agressão que cometeu contra o espanhol Cucurella, gerando revolta nos adversários. Sim, a cabecinha já está mexida.

É importante não perder de vista que levamos um baile dos espanhóis em boa parte do jogo e fomos salvos de um vexame pelo goleiro Bento em noite inspirada. E se alguém fizer uma comparação desapaixonada entre as atuações de Endrick e do espanhol Lamine Yamal – que só tem 16 anos! –, a coisa complica bastante. Aliás, o espanhol causou frio na barriga da torcida brasileira todas as vezes que pegou na bola.

Tomara que o excesso de assessoria não prejudique a evolução de Endrick. Afinal, é difícil acreditar que ele tivesse a mínima noção de quem foi o Bobby Charlton que citou em seu discurso ensaiadíssimo pós-jogo em Wembley. Que os deuses do futebol protejam esse menino do “embrulha e manda” dessa multidão de assessores que parece mosca de padaria no pão doce que paga a conta.

Mas é o mesmo Tostão – puxando um coro que parece óbvio – que não tem qualquer dúvida de que o ataque titular deverá ser composto por Rodrygo, Endrick e Vinícius Jr. Com um lembrete: é preciso ter um meio-campo consistente, entregue a craques, que será um grande diferencial de jogo na proporção em que alimentar um ataque rápido e poderoso que esses meninos certamente formarão, inclusive pelo entrosamento gratuito que trarão direto do Real Madrid.

Para ter um meio-campo entregue a craques, como nos velhos tempos, será necessário voltar a valorizar esse setor, livrando-o dos brucutus, e dedicação para formar grandes talentos. Até um sujeito tido com ultrapassado como Tite já entendeu e está apostando alto nessa visão dentro do Flamengo, com ótimas perspectivas – e gente sobrando em campo como Pulgar, De La Cruz, Arrascaeta e Gérson.

Cabe como luva o apelo do cantor “O meio-campo é o lugar dos craques | Que vão levando o time todo pro ataque”. Aliás, tudo parece fácil na música: “O goleiro é um homem de elástico | Os dois zagueiros têm a chave do cadeado | Os laterais fecham a defesa | Mas que beleza é uma partida de futebol”.

Temos pela frente mais uma edição da Copa América, competição que nossos vizinhos sempre valorizaram muito mais do que nós. Messi estará em campo querendo o bicampeonato como seu canto de cisne na Argentina que papou a última Copa do Mundo. Suárez tentará a derradeira grande conquista profissional vestindo a camisa da Celeste Olímpica, a melhor seleção sul-americana da atualidade.

Esse torneio regional pode servir de bom parâmetro para medir nossa evolução em campo, já que estamos sob nova administração técnica. Claro que a Seleção mostrou outra cara nesses dois amistosos na Europa e renovou a esperança de muita gente. O fato de Dorival Júnior não ser um aventureiro ajuda muito.

Fora de campo, seguirá pairando o cenário de uma CBF olhando para o outro lado do racismo, estupros e muitas outras pragas que permeiam o mundo da bola, sem qualquer noção do papel que deveria desempenhar na formação da molecada encarregada de fazer a bola continuar rolando geração após geração.

Trecho incidental É Uma Partida de Futebol (Nando Reis-Samuel Rosa)

Ouça aqui É Uma Partida de Futebol   https://open.spotify.com/intl-pt/track/3MQcMZgLbTJHe6YdwrIYx9?si=05d6ac2ab91541b0

©