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Fazer o bem
- Kalunga Mello Neves
Estava esperando o mês de maio passar para me recompor um pouco. Acompanhei tudo, desde o primeiro dia. A primeira chuva torrencial num sábado à noite, a semana seguinte com as águas começando a inundar cidades do interior do Rio Grande do Sul, Porto Alegre sendo atingida dez dias depois.
A tragédia estava consumada. Inimaginável, assustadora, inacreditável o que acontecia, e que a gente vivenciava ou acompanhava em tempo real pelos noticiários, tendo a noção exata de que não era cena de filme, e que o Brasil ainda não imaginava sua magnitude.
Fiquei ilhado com minha filha no bairro em que ela mora. Fomos resgatados de barco um dia depois. A água, em questão de instantes, tomou conta de tudo. E nos barcos, gestantes, deficientes, cachorros, obesos, velhos, gays, dividiam espaço se ajudando e misturando sua agonia. O sol brilhava um dia, renasciam raios de esperança, depois voltava a chover.
E foi assim quase até o final do mês. Conseguimos, eu e minha esposa, com auxílio de pessoas maravilhosas, retornar para nosso apartamento em Santa Catarina, de carona em um avião que prestava auxílio comunitário, levando donativos e trazendo quem tivesse residência no Estado vizinho.
Aí, um capítulo à parte, que me fez, alternando emoção e gratidão, pensar em uma nova leitura do comportamento humano. Desde a equipe que conduzia os barcos – muitos deles perderam suas casas – até os bombeiros, pessoas da saúde e demais voluntários, que dedicavam tempo integral para socorrer, auxiliar, ajudar, amenizar dores, alimentar tantos necessitados, apontar réstias de esperança.
A cada dia, novas e alentadoras surpresas, auxílios inesperados vindo do Brasil inteiro, o povo sendo solidário e pregando uma igualdade que, tomara, existisse sempre. O avião da celebridade, os mutirões para coletar e transportar donativos, as campanhas dos empresários, os militares de todas as forças sem se preocupar em volver à direita ou esquerda, apenas olhando na direção única da missão nobre. A grata surpresa dos surfistas de diversos estados, que colocaram mãos à obra incansáveis. Era o Brasil sem disputas, rancor ou ódio, pedindo passagem.
E o resto de nós? Fizemos a nossa parte? Tive amigos que esperaram por resgate em cima de telhado. Outros perderam tudo que tinham. Bibliotecas que abrigavam crianças em raros momentos de felicidade foram totalmente destruídas. A gente talvez não se dê conta, mas qualquer gesto ou ação que possamos fazer, por menor que seja, nos trará abraços e carinho que nem imaginávamos receber um dia. E mesmo que não venha nenhum gesto, importa ter a certeza de que movemos as próprias mãos para ajudar. Não custa nada tentar. Eu fiz a minha parte. Posso fazer mais? Claro que sim. Então vou fazer. Quem sabe você faz também? Afinal, fazer o bem, que mal tem?
*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante