Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

Ah, o futebol!

Juanmaalmazan/Pixabay

Ah, o futebol!

  • Heraldo Palmeira

É impressionante como a mesma coisa pode ser tão diferente. Leia-se futebol e basta observar dois torneios que estão em disputa neste exato momento, e que refletem as mentalidades de dois pedaços distintos do mundo.

Sábado (29/6) tivemos o jogo Alemanha 2×0 Dinamarca pelas oitavas da Eurocopa, vitória que levou a anfitriã para a próxima fase e mandou os nórdicos para casa. Um bom jogo, disputado sem violência e, acima de tudo, com respeito absoluto dos jogadores às decisões do juiz e do VAR – a tecnologia, foi utilizada com rapidez, anulou um gol de cada lado, marcou um pênalti na sequência de uma jogada e suspendeu temporariamente a partida em razão de questões climáticas. A baixa quantidade de cartões aplicados é um resumo preciso de comportamento e postura de profissionais capazes de compreender que, apesar de tudo que está em jogo, aquilo é apenas um jogo.

Corte para a Copa América e o jogo da sexta-feira (28/6) em que o Brasil amassou o Paraguai por 4×1 – além de um pênalti perdido por Paquetá e duas bolas na trave. A partida teve momentos vergonhosos com jogadores dos dois lados dando pontapés, trocando sopapos, cercando o juiz, contestando tudo. Sem contar o inferno da lentidão do VAR e o vendaval de cartões mostrados. Assistir a jogos do futebol sul-americano virou um suplício, onde vândalos entram em campo uniformizados e carregando barris de pólvora prontos a explodir.

Neste jogo, a mídia pacheca encheu a boca chamando de “partida perfeita” de Vinícius Junior, que desde sempre devia uma grande apresentação com a Amarelinha. Sim, ele realmente estava endiabrado em campo, teve de enfrentar o complexo de inferioridade de marcadores incapazes de enfrentar seus dribles humilhantes, mas também exagerou nos xingamentos contra adversários e arbitragem, inclusive com palavras de baixo calão facilmente compreensíveis por leitura labial.

No primeiro dos dois gols que marcou, comemorou esbravejando “Eu sou foda, caralho!”. É compreensível que esteja descarregando seus fantasmas depois de tudo que andou sofrendo com o racismo das torcidas adversárias no campeonato espanhol, mas também está mais do que óbvio que ele precisa ter um pouco mais de controle emocional. Apesar da grande exibição, arrumou encrencas com praticamente todos os jogadores e até o técnico paraguaios, e terminou advertido com um cartão amarelo gratuito, por reclamação.

Seguindo viagem até o chamado “país do futebol”, morremos de vergonha alheia logo na chegada. Além de o Brasileirão ser o único campeonato nacional que não para em Data FIFA – com enorme prejuízo para os clubes que fornecem jogadores para seleções que disputam a Copa América –, temos a eterna esculhambação generalizada que passa pela péssima qualidade dos gramados, arbitragens e VAR confusos, violência dos jogadores, simulações, catimba, reclamações…

De vez em quando, surgem temas e polêmicas que ocupam tempo precioso para desviar a atenção dos problemas crônicos que não merecem qualquer ação da CBF. Neste momento, temos pelo menos dois episódios do tipo:

A demissão de Fernando Diniz do comando do Fluminense ganhou insistente destaque – a notícia ficou sendo requentada por dias a fio –, sempre colocando o técnico muito acima da realidade de sua trajetória. Em que pese algumas opiniões tentando mostrá-lo como cabeça brilhante e renovadora do futebol, uma olhada nos números de sua carreira revela baixa performance com base nos índices de aproveitamento por onde passou: Guaratinguetá (46,3%) | Votoraty (59,21%) | Botafogo-SP (25%) | Paulista (53,13%) | Atlético Sorocaba (59,26%) | Paraná (47,06%) | Audax (53,87%) | Oeste (38,74%) | Athletico Paranaense (34,92%) | São Paulo (55,41%) | Santos (50,62%) | Vasco (41,67%) | Fluminense (55,61% – nas duas passagens pelo clube) | Seleção Brasileira (38,88%).

Sem nunca ter atingido 60% de aproveitamento em lugar nenhum, Fernando Diniz não comprova a “genialidade” que muitos lhe atribuem como passaporte para as principais prateleiras profissionais. Na verdade, dos 14 projetos que comandou até hoje, oito foram em praças pequenas e sem repercussão na grande mídia, o que dificulta um melhor acompanhamento e avaliação pública. Nesse ranking há quase regra: na absoluta maioria das vezes em que esteve no banco, o número de vitórias foi menor que a soma de empates e derrotas, o trabalho foi conduzido de uma maneira quase fundamentalista e sem muita abertura para mudanças.

Goste-se ou não, é impossível esconder que o dinizismo corroeu o Fluminense, repetindo o mesmo resultado observado em diversos clubes ao fim dos ciclos do treinador. Ou já esquecemos de quando era chamado de “cavalo paraguaio” em razão de largadas espetaculares e finais melancólicos? Apesar do tom de dramalhão imposto por parte da mídia a respeito desta sua última passagem pelo Tricolor das Laranjeiras, basta analisar os números das duas vezes em que esteve à frente do time para observar que não há nada de excepcional como se tenta fazer crer. Foram 146 jogos, 74 vitórias, 30 empates e 42 derrotas, gerando 55,61% de aproveitamento, e os títulos do Estadual 2023, Libertadores 2023 e Recopa 2024. Na hora de ir para casa, algo ao redor de R$ 7 milhões de multa rescisória.

Gabigol e a renovação de contrato cada vez mais improvável com o Flamengo não passa de um desfecho óbvio das ações destrambelhadas do jogador. Em que pese ter o maior salário do clube mais rico do país, faz tempo que não joga nada e está em baixa no mercado. Jogador limitado e muitas vezes superestimado, tem se destacado pela capacidade de fazer besteira e se envolver em confusões fora de campo. Agora seu nome é especulado no Corinthians, Cruzeiro e Palmeiras, mas ainda paira a possibilidade de punição severa por causa daquela marmota que montou num exame antidoping, algo que qualquer clube vai colocar na balança antes de assinar contrato.

Com 156 gols marcados, Gabigol está logo à frente de Bebeto (151) e ocupa apenas a 6ª posição no ranking dos maiores artilheiros do rubro-negro da Gávea, com 48 gols atrás de Pirillo e Romário (cada um com 204), numa lista que ainda tem adiante Henrique (216), Dida (264) e o absoluto Zico (508). Pedro, seu atual concorrente direto, já balançou as redes 129 vezes e caminha para ultrapassá-lo em pouco tempo.

A maior esquisitice é a insistência em transformá-lo no segundo maior ídolo da história do Flamengo, atrás somente de Zico. É como se Leônidas da Silva (Diamante Negro), Henrique, Pirillo, Zizinho, Dida, Almir (O Pernambuquinho), Gérson (Canhotinha de Ouro), Silva (O Batuta), Liminha, Fio Maravilha, Doval, Dario, Nunes, Júnior, Leandro, Rondinelli (Deus da Raça), Andrade, Adílio, Romário e Bebeto nunca tivessem existido numa relação simbiótica com a Nação.

É lamentável perceber que Gabigol insistiu em chutar a canela da sorte até entrar numa fase de decadência ainda com muito jogo pela frente. É difícil desvincular tudo isso de imaturidade e deslumbramento, dois perigos que rondam a maioria desses meninos que chegam ao mundo quase sempre em ambientes de risco social e, de repente, ficam milionários e famosos sem qualquer estrutura emocional, acreditando que podem tudo. É quando a soberba coloca a pá de cal.

Goleador marcado por uma conquista emocionante da Libertadores, construiu no Flamengo seu momento profissional mais relevante, mas tem trabalhado com afinco para deixar o clube pela porta dos fundos. Uma pena! E para piorar a situação, Pedro está vivendo uma fase tão boa que involuntariamente ajudou a minimizar o que poderia ter virado um problema bem maior.

Para terminar a resenha brasileira, temos a crise generalizada que anda fustigando sem piedade times como Fluminense, Vasco e Corinthians, para citar apenas os maiores desastres da temporada, num cenário de terra arrasada onde também rastejam Grêmio e Santos. Como não poderia ser diferente, todos circulando pela zona de rebaixamento para a Série B – onde o Peixe já instalou acampamento.

Hoje é possível separar Eurocopa e Copa América com um prosaico controle remoto de TV. É a plataforma que pode nos levar do céu ao inferno num instante, por meio de um clique. E a lógica de tamanha diferença se revela em detalhes simples: UEFA e CONMEBOL, mentalidade, postura, atitude, visão, administração, paternalismo versus profissionalismo… É daí que surgem as realidades, neste caso tão díspares que nem parecem fazer parte de um mesmo balaio global controlado pela FIFA.

Um detalhe reforça o entendimento dessas diferenças. Tentando fugir do cenário de paternalismo onde paixão e bobagens midiáticas inventam mitos, o Flamengo quis colocar em prática uma lógica comercial correta e justa do mundo desenvolvido: propôs uma renovação anual de contrato para um jogador que chegou aos 28 anos. E ainda ofereceu um belo aumento de 50% num salário já milionário, fingindo ignorar a péssima fase que ele atravessa há bom tempo e o caminhão de problemas que andou criando. O rapaz e seu staff sentiram que era um desrespeito.

No outro lado do oceano, o Real Madrid sentou à mesa com a estrela de primeira grandeza Luka Modric em fim de contrato. Dez anos mais velho e num patamar que Gabigol sequer tem ideia de onde fica, o croata que redefiniu o futebol do seu país recebera “proposta irrecusável” do futebol árabe, daquelas para fazer uma aposentadoria dourada. Preferiu ficar na Espanha, renovando contrato ano a ano, e segue fazendo história no maior clube do mundo.

Flamengo e Palmeiras deveriam servir de laboratório para modernizar a administração do futebol brasileiro, levar tudo a algo mais próximo da UEFA. Porém, a mentalidade coronelista e as vaidades da cartolagem nos manterão muito tempo ainda no padrão CONMEBOL. E “a plateia ainda aplaude, ainda pede bis”, como dizia a canção de Gonzaguinha. Nosso modelo é tão antiquado que torcida organizada acredita que exerce influência invadindo ambiente de clube para distribuir ameaças.

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