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Apenas mais um dia
- Kalunga Mello Neves
Uma ponte tênue e transparente separa o último dia de um ano do primeiro dia do ano seguinte. Os demais dias, em sua sequência veloz ligando a estrada presente/futuro, seguem em frente apresentando surpresas agradáveis ou nem tanto que nos arrastam para uma série de emoções. E tudo se repete dia após dia, ano após ano.
A vida, quando tratada como conjunto da obra, é um turbilhão, uma grandeza apaixonante que marca época e até outras vidas. É a síntese dos legados, das influências, das referências que inspiram. Mas tudo isso é montado dentro de um formato simples, a medida cotidiana “apenas mais um dia”. Talvez seja indefinido como a consistência das nuvens, mas está ali de forma concreta e vai definindo o viver, faz parte de tudo. Todos os dias, ano após ano.
Estas emoções se traduzem em gestos e atitudes, comportamentos e reações, atos e omissões, culpas e perdões, alegrias e tristezas, ganhos e perdas, consagração e fracasso que temos que assumir, queiramos ou não. E assim, cada dia que passa se transforma – ou transformamos – em apenas mais um dia.
Nossa vida fica repleta e totalmente dependente de muitos e intermináveis “apenas mais um dia”. Vão e vêm aniversários, festas natalinas, réveillons, formaturas, carnavais, relacionamentos, férias, primeiras vezes, nascimentos, despedidas, mortes.
À medida que nosso tempo passa, percebemos melhor os efeitos da mesmice que é viver estes “apenas mais um dia”, vez por vez. Esta constatação não significa que tal dádiva que a nós é concedida seja ótima ou péssima, estimuladora ou frustrante, necessária e inquestionável.
Os dias continuarão um após outro, com pores do sol lindos e luares redondamente exuberantes. Continuarão os dias pertencendo a verão e inverno, primavera e outono.
Para nós, mutantes, tudo é mutável, menos as leis naturais que silenciosamente nos guiam. A vida ser repleta de vários “apenas mais um dia” é uma delas.
*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante