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O jornal do vovô
- Beto Barretto
Do alto de seus 3 anos e 11 meses e exercitando sua extrema curiosidade, tão comum nessa idade, Giovanna vê pela primeira vez, um monstro pré-histórico repousando no revisteiro da sala.
– Vovô, o que é isso?
– É o jornal do vovô.
– Jornal????
Soou estranho pra ela. Parecia também uma palavra nova para seu vocabulário.
– É pro vovô ler. Pra saber as notícias do Brasil e do mundo…
– É um papel?? – insistiu intrigada, enquanto se ajeitava no sofá com um tablet nas mãos.
– É sim – respondi, tentando ser didático –, você pode levar para onde quiser, ler quando bem entender, dobrar, guardar, reler…
Giovanna, já não prestava mais atenção no que eu falava. Concentrara-se quase que instantaneamente num vídeo do YouTube.
Não é a primeira vez que me sinto pertencente a outro século ou saído de uma aventura do filme “De volta para o futuro”. Vez por outra, levo meu bom companheiro de leitura ao consultório médico, a um shopping ou a outro lugar onde tenha que esperar para ser atendido.
De canto de olho percebo olhares em minha direção ou na direção do jornal, que assino e recebo em casa somente nos fins de semana. Devem me achar uma espécie rara de primata que deixou de existir há muitos e muitos anos.
Enquanto minha neta e todos que me cercam estão com os olhos grudados nas telas dos celulares, me pergunto até quando resistirei. Será que manterei esse hábito? Ou será que conhecerei a cura desse “vício”, adquirido desde os tempos da graduação em jornalismo e exercitado durante anos como profissional de comunicação e de assessoria de imprensa?
De que forma as futuras gerações terão acesso à informação e ao conhecimento? Está claro que as redes sociais ou as ferramentas que vierem a sucedê-las serão os canais mais utilizados. Será que os jornais impressos vão sobreviver? E as TVs? Terão jornalismo informativo ou jornalismo de entretenimento? Teremos mecanismos que minimizem a utilização sem controle de algoritmos em todas as nossas navegações no mundo virtual? E as fake news, teremos progredido no desenvolvimento de um antídoto suficientemente seguro para combatê-las e puni-las?
Em 2021, segundo o Portal Comunique-se, 12 veículos de comunicação deixaram de existir no Brasil. Nenhum segmento foi poupado. Jornal, revista, TV, rádio e até na mídia on-line. Dentre eles, dois jornais tradicionais, O Diário de Nordeste, que circulou por 139 anos, e o Jornal do Commercio do Recife, com mais de um século de existência. Seus leitores podem acessá-los apenas no formato digital. Outra publicação de prestígio foi descontinuada, a revista Época.
É um fenômeno planetário. A massificação da internet e a explosão dos aparelhos digitais levou a novos hábitos de consumo, entretenimento e acesso a conteúdos, inclusive jornalísticos.
No Brasil, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), estima-se que circulem por aí dois dispositivos por habitante, ou seja, mais 440 milhões de aparelhinhos (celular, tablete, PC, notebook) conectados a tudo e a todos.
Quando a televisão surgiu no Brasil, nos anos 1950, profetizaram o fim do rádio. A depender dos meus netinhos, a Giovanna e o Xandinho, acostumados desde cedo com os meios digitais, o jornal impresso não terá um futuro longo e nem promissor.
Afirmo isso porque, enquanto refletia sobre o futuro, Xandinho, de um ano e 10 meses, pisoteava sem dó o jornal que eu havia deixado no chão para tentar explicar à Giovanna o significado daquele pedaço de papel, que para eles não tem sentido ou valor algum.
Após resgatar meu jornal da sanha daqueles pés nervosos coloquei-o num local seguro, longe do alcance dos netinhos que somente terão contato novamente com aquele monstro pré-histórico de papel em alguma aula de história, visita a um museu ou filme de ficção assistido provavelmente de um dispositivo digital. Ou será no metaverso?
*CARLOS ALBERTO (BETO) BARRETTO, jornalista e avô