Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

O último sussurro de Marilyn

Foto: Divulgação/Netflix

O último sussurro de Marilyn

  • Heraldo Palmeira

GIRAMUNDO VIU O documentário O Mistério de Marilyn Monroe: Gravações Inéditas (2022) produzido pela Netflix é imperdível para quem tem interesse na história do cinema e da cultura pop. Afinal, o filme viaja pelos caminhos tortuosos dos últimos momentos de um ícone, uma menina que nasceu Norma Jeane Mortenson e virou Marilyn Monroe, uma estrela fascinante que brilhou como poucas em Hollywood. Talvez a maior de todas.

São muitos os trechos em que se ouve a voz dela docemente cortante:

– Como escrever uma história de vida? As coisas verdadeiras raramente são divulgadas. Normalmente só as mentiras são.

– É difícil saber por onde começar se você não começar com a verdade.”

– Eu gosto de gente, mas amigos eu gosto de poucos.

– Felicidade… Alguém experimente isso?

– Nunca me acostumei a ser feliz.

– Eu tive você, Fama. Tchau!

A diretora Emma Cooper fez uma jogada de mestre ao utilizar atores para dublar com precisão milimétrica as vozes dos personagens originais gravadas nos tapes de Summers. Segundo ela, “as pessoas não aceitariam assistir a uma fita rolando e lendo as legendas”. Além disso, a fotografia remete aos filmes de Marilyn, deliciosamente bonitos. Nesse clima, laudos psiquiátricos da atriz, arquivos do FBI e depoimentos de quem conviveu com a estrela vão formando um clima intenso de expectativa e envolvimento de quem está diante da tela.

Com realismo impressionante, vai sendo desnudada uma mulher muito além daquela visão simplista de futilidade que guiava o olhar da multidão encantada pelo seu fascínio. Alguém que jamais se libertou de uma infância perambulada em onze lares adotivos, um orfanato e quatro anos com um guardião desde que sua mãe foi internada em um hospital psiquiátrico. Uma mulher de poucos amigos apesar do assédio público brutal e constante sob o qual vivia. Ela não conheceu o pai, foi molestada e terminou a vida vociferando a Robert Kennedy que se sentia usada.

Na verdade, o documentário retira do campo dos boatos e atira para os ares a realidade nua (sem trocadilhos) e crua: havia uma ligação íntima e compartilhada de amantes entre Marilyn e os irmãos Kennedy, John (presidente) e Bob (procurador-geral), que estiveram bastante empenhados em encobrir as circunstâncias de sua morte. Também joga luzes sobre a conturbada fase em que ambos controlavam o poder político nos Estados Unidos e compram uma briga de morte com a Máfia e seu assecla Jimmy Hoffa, que contratou gravações clandestinas de conversas e encontros da atriz com os dois políticos.

O maior mérito desse filme é descolar da imagem de Marilyn a impressão consagrada de que ela era apenas mais uma pin-up tola, mostrando as inúmeras camadas de sua personalidade complexa e tirando-a do pedestal para o chão batido da vida real. De quebra, cascavilha o ambiente hollywoodiano em sua Era de Ouro permitindo uma reflexão a respeito da sua toxicidade. Surgem os bastidores e festas repletos de assédios de todos os tipos contra as mulheres que embarcavam no sonho do estrelato. Também grita a questão do adoecimento mental, não raro com as drogas oferecidas como válvula de escape.

Outra virtude é demonstrar que Marilyn tinha bom conhecimento de como o sistema funcionava e usou a inteligência para construir sua jornada dentro das regras vigentes, embora tenha acumulado os danos emocionais que, ao que parece, levaram-na para a trilha da morte prematura.

O documentário foi inspirado na monumental pesquisa iniciada em 1982 pelo jornalista investigativo britânico Anthony Summers – que resultou no livro Gooddess: The Secret Lives of Marilyn Monroel (Deusa: As Vidas Secretas de Marilyn Monroe), publicado em 1985 – quando a promotoria do condado de Los Angeles resolveu revisar o caso, embora sem trazer qualquer novidade à versão oficial sobre a morte.

Apesar disso, Summers seguiu em frente e diz ter realizado mil entrevistas, 650 delas gravadas em fitas, onde ouviu a elite e alguns escroques de Hollywood – inclusive os que plantaram as escutas nas casas de Marilyn e de uma irmã de Bob e John –, além de diversos amigos da diva do cinema. Com isso, foi possível expor muitas verdades a respeito de uma mulher que detestava mentiras, linda, engraçada, triste, brilhante e problemática, com elevada dependência química, durante anos, de estimulantes, anfetaminas, calmantes, barbitúricos, remédios para dormir e álcool.

Não é simples ver a imagem do seu corpo inerte em sua cama, como se ainda pairasse uma aura de candura. Até porque sobrevive até hoje a hipótese de que ela teria sido levada viva a um hospital e voltado morta. Pelo visto, era importante sustentar a versão de que morrera ali, como se houvesse uma culpa dela mesma por ter sido tudo que foi, uma mulher e tanto!

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