Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

Festas juninas

Heraldo Palmeira/Alameda

Festas juninas

  • Heraldo Palmeira

A festa original talvez remonte a épocas pré-cristãs – há historiadores que consideram que essas celebrações existem desde a Idade da Pedra –, realizada quando Terra e Sol estavam no auge da capacidade reprodutiva. Era uma maneira de celebrar forças da natureza, plantio e abundância.

Antes da Idade Média, era comum os camponeses europeus se juntarem no solstício de verão (segunda quinzena de junho no hemisfério norte) para festejar o início da colheita de cereais e pedir proteção das safras. Os participantes se reuniam em volta de fogueiras – acreditavam que o fogo afastava os maus espíritos –, dançavam para os deuses da natureza, plantações e colheitas e realizavam rituais de agradecimento e louvor à fertilidade. Um dos deuses homenageados era Adônis – na mitologia grega, disputado pela deusa do amor Afrodite e pela deusa dos infernos Perséfone –, cujo culto ocorria no dia 24 de junho com o objetivo de celebrar o renascimento da natureza.

A disputa das deusas foi mediada por Zeus, o deus mais poderoso da mitologia grega, dividindo a companhia de Adônis com ambas: metade do ano ele ficaria com Afrodite à luz do Sol e a outra metade estaria com Perséfone nas trevas. Esses dois períodos terminaram associados pelos povos pagãos com os ciclos da flora, que morre nos tempos escuros do inverno e renasce e produz seus frutos sob a luz solar da primavera e verão. No século 12, essa celebração já era um dos rituais mais tradicionais no norte da Europa, especialmente nos países escandinavos.

Apesar de cada vez mais dominante no aspecto religioso e político, a Igreja Católica percebeu-se incapaz de acabar com essas festividades pagãs, que contrariavam a doutrina cristã ao render homenagens aos deuses da natureza e da fertilidade e estavam completamente enraizadas na cultura e nos costumes sociais dos povos. Assim, na transição da Idade Antiga para a Idade Média, Roma terminou assimilando e incorporando os rituais ao seu calendário litúrgico como forma de conversão dos pagãos para o cristianismo. A partir dali, todas as celebrações aos deuses gregos, romanos, nórdicos e médio-orientais foram adaptadas para louvor dos santos católicos. Um claro exemplo foi a transferência para São João Batista, nascido em 24 de junho, da celebração dedicada a Adônis na mesma data.

Muitos historiadores apontam que as festas juninas surgiram no século 14, na Europa. Em Portugal, o festejo era denominado festa joanina, possivelmente fazendo referência ao fato de São João ser o principal homenageado em razão da sua popularidade entre os fiéis. Deve vir daí o costume de denominar todo o período como “Festa de São João”.

A celebração chegou ao Brasil trazida pelos jesuítas portugueses no período colonial e os registros históricos apontam que está no nosso calendário desde o século 17. Logo incorporou influências indígenas e africanas na culinária e nas danças. Como o passar do tempo, foram inseridas características particulares de cada região do país. É provável que tenha passado a ser chamada de “festa junina” mais pelo fato de ocorrer em junho e menos por corruptela do original português “festa joanina”.

A escolha de Antônio (dia 13), João (dia 24) e Pedro (dia 29) se deve ao fato de os três serem santos muito populares e festejados no mês de junho. O calendário se estende de 12 a 29 de junho, com direito a véspera e dia festivo para cada um deles. Na verdade, o dia 29 é dedicado a São Pedro e São Paulo, mas, por alguma razão insondável, Paulo parece que não caiu nas graças populares com tanta força quanto o colega do mesmo dia, e Pedro terminou dominando sozinho a fuzarca da data.

As festas juninas brasileiras têm símbolos típicos consagrados que incluem balões (hoje proibidos em razão dos riscos), bandeirinhas, barraquinhas de bebidas e comidas (o milho tem grande destaque na gastronomia do período), chapéus de palha, danças (a quadrilha veio dos salões nobres franceses e o casamento matuto é uma forma de reverência ao poder casamenteiro de Santo Antônio), fitas decorativas, fogos (para despertar João ou afastar maus espíritos), fogueiras, folguedos (argola, pau de fita, pau de sebo, pescaria, saltar fogueira, simpatias…), maquiagem (bigodes nos homens, sardas nas mulheres, dentes pretos), tranças no cabelo das mulheres e vestuário caipira dominado pelas estampas xadrezes.

A influência das danças de salão francesas na quadrilha (originária da Inglaterra) pode ser ouvida até hoje nas palavras “alavantu” (em avant, tout), “anarriê” (arrière), “balancê” (balancer) e “changê” (changer).

A fogueira tem origem no compromisso de Santa Isabel para informar Maria quando ocorresse o nascimento da criança que esperava. Era uma gravidez especial, dada a velhice da mulher. Logo que deu à luz João Batista, acendeu uma enorme fogueira e ergueu um mastro de grande altura, em cujo topo colocou uma boneca. Assim, a futura mãe de Jesus, recebeu o aviso combinado e foi visitar sua parente para festejar a amiga, o menino e o milagre de ela ter concebido um filho naquela altura da vida.

Para caracterizar uma reverência especial com o fogo a cada santo, as fogueiras passaram a ter formatos diferentes: quadrada para Antônio, redonda para João e triangular para Pedro.

Esses elementos encantadores formam o arraial, onde sanfona, zabumba e triângulo bastam para os louvores. E se tiver a voz e as “musgas” de Luiz Gonzaga, o coração matuto fica grande, quase se mete a besta, mas fraqueja na saudade:

Olha pro céu, meu amor

Vê como ele está lindo

Olha praquele balão multicor

Como no céu vai sumindo

Foi numa noite igual a esta

Que tu me deste o coração

O céu estava assim em festa

Pois era noite de São João

*Trecho de Olha pro Céu (Luiz Gonzaga-José Fernandes)

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