Por Heraldo Palmeira
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24 de novembro de 2024

CARLOS CASTELO Tomando no custo-benefício

Libel SanRo/Pixabay

Tomando no custo-benefício

  • Carlos Castelo

Ser profissional liberal, sempre o mantivera numa situação folgada. Trabalhava numa empreitada aqui, noutra ali, e nunca se preocupava com que marca devia pegar nas gôndolas do supermercado. Ou em que restaurante cearia.

Foi levando assim. Até que, de uns tempos para cá, percebeu que o capital estava minguando. Abriu uma planilha no Excel a fim de monitorar os gastos. E não é que, logo no início do mês, já estava no vermelho?

O movimento seguinte, como de costume, foi se endividar. Buscou as instituições com juros mais baixos, no entanto, a bola de neve prosseguia despencando ladeira abaixo.

A saída, como dizia aquele comentarista econômico da TV, era cortar na carne: reduzir todo e qualquer gasto.

Pegou pesado. Cancelou cursos, streaming, assinaturas de apps, refeições fora, plano de saúde, vendeu o carro e doou até o cachorro para um primo.

O encarnado na planilha diminuiu, mas persistiu. O jeito seria radicalizar nas pequenices do dia a dia. Deixou de ir ao supermercado. Descolava frutas, legumes e verduras na xepa da feira. A maior dificuldade, quem diria, ainda estava por vir. Como fazer o sopão com esses ingredientes se não compraria mais frango no açougue?

Teve que adquirir uma galinha viva na granja. A escolhida foi uma franga gorda e ruiva, que deixaria o caldo bem espesso.

Vindos da chácara, entraram solenemente apartamento adentro. Na hora deu dó de mantê-la com as patas amarradas e a libertou.

Lembrou-se de quando a avó, em sua infância, abatia os capões. Botava o animal entre as pernas e passava uma faquinha afiada na porção frontal do pescoço. No chão havia uma vasilha, com vinagre, onde escorria o sangue para o molho pardo. Era boa a ideia de repetir a receita familiar, só que não lhe agradava extinguir a galinha usando armas brancas.

Sim, já havia equacionado tudo. Exterminaria a ruiva a pauladas. Para isso lançaria mão da borduna indígena que trouxera de uma viagem a Porto Seguro. Quatro ou cinco marretadas, de jeito, no cocuruto, e um abraço.

É claro que a coisa não sairia assim, tão no automático.

No fundo, sabia que era péssimo em assassínios.

Sobrevieram outras memórias infantis. Num Natal, no sítio, pedira à caseira que o deixasse dar pinga ao peru. Achava engraçado a pobre ave, ébria, volteando em torno de si.

A mulher lhe entregou o cálice com a cachaça e abriu o bico do animal. A ânsia, ou o medo, o fez derramar toda a aguardente nas narinas do peru. Que, após o tombo, partiu afogado na branquinha.

Agora, não. Seria tudo diferente. Apanhou o tacape no armário e saiu no encalço da penosa. Assustada pelo assédio, ela abriu o berreiro, batendo as asas e saltando. Após cinco minutos de tentativas em vão, a encurralou na varandinha. Era mirar na testa e baixar o sarrafo, sem dó.

Quando ia formalizar a traulitada, a galinha o olhou. Um olhar transcendental, retina na retina, pupila na pupila. E a mirada dizia claramente: “me poupe!”.

Um profissional liberal não pode ser inflexível, nem com uma galinha. Vivem juntos até hoje sob o mesmo teto. Zenóbia comendo quirera; ele, bife de soja. Que, aliás, é bem mais em conta do que carne de frango.

*CARLOS CASTELO, jornalista

(Texto publicado no Brasil 247)

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