Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

HERALDO PALMEIRA Carros perfeitos

Alameda/Heraldo Palmeira

Carros perfeitos

  • Heraldo Palmeira

Os sinais iniciais da minha paixão pelos carros estão registrados na primeira infância. Desfilava garboso em um jipe de lata Bandeirante, verde musgo, a pedal. Fazendo com a boca o barulho do motor, da buzina, dos pneus cantando em freadas e curvas perigosíssimas criadas pela imaginação. O alpendre que circundava a casa enorme era a minha pista de corrida. Não demorou, descobri que podia turbinar o motor e ficar ainda mais rápido: ao invés de pedalar, algum amigo empurrava loucamente o carrinho. Que não tinha qualquer sistema de freio! Depois, posições trocadas, eu assumia a função de turbo do motor para o amigo pilotar.

Na terceira infância, já piloto experimentado, me aventurava como construtor de carrinhos de lata de óleo de cozinha, para consumo próprio. Com a bossa de colocar para fora o lado interno das latas, que deixava nossas picapes com carroceria de alumínio – novidade certamente capturada pela DeLorean e exibida mundialmente na série cinematográfica De volta para o futuro. E para aproveitar as ruas de terra batida do interior, uma pequena tira de aço instalada no eixo traseiro riscava o chão levantando uma espetacular nuvem de poeira. Uma homenagem às estradas de chão tão comuns no interior daqueles tempos.

Caminhando pela avenida Paulista em pleno domingo, deparei-me com um senhorzinho vendendo carros de lata de óleo. Estilizados. Parei na hora e, em segundos, alheios ao movimento frenético da rua, estávamos gastando o verbo sobre carros e motos célebres. Todos em linha de produção no artesanato do homem simpático.

Aproveitei para recomendar a ele uma visita à exposição montada no Conjunto Nacional, onde uns quase 30 carros estavam parados no tempo emoldurando um Jaguar E-Type e um Shelby Cobra de desregular qualquer coração.

Ao fim da conversa, acrescentei à minha frota um fusca azul e prata, modelo 1954 segundo seu construtor. “Veja, o vidro traseiro é bipartido!” – e me deu desconto porque o tanque estava vazio. Saí pela avenida em busca de casa, feliz da vida como um menino que viajou para a infância feliz.

Já na minha poltrona predileta, admirei meu carrinho e senti saudades daqueles bólidos da infância. Sem emplacamento. Sem carteira de motorista. Sem combustível. Sem seguro. Sem acidentes. Sem engarrafamentos. Sem poluição. E nem precisava ter aquele luxo de carroceria de alumínio reluzente. Eram carros perfeitos, como o meu fusca 54 novinho em folha!

*HERALDO PALMEIRA, escritor e produtor cultural

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