Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

É assim que eu digo? (Parte 2)

Gerd Altmann/Pixabay

É assim que eu digo? (Parte 2)

  • João Galvão Neto

Dando continuidade à nossa discussão sobre aspectos usuais da língua portuguesa brasileira, pensem na expressão bastante ouvida de “tomar de conta”, quando deveria ser “tomar conta”: Ele toma de conta dos instrumentos da banda. “Abra do olho”, em vez de “abra o olho” também é recorrente na linguagem diária. Sem falar no “de queísmo”, quando alguns acrescentam “de” antes do “que”: Penso de que poderíamos ter viajado no último fim de semana.

Agora vejamos o que ocorre com o “desuso” das formas verbais pronominais necessárias ao correto entendimento da mensagem.

Verbos pronominais

São entendidos verbos pronominais aqueles necessariamente seguidos por um pronome oblíquo. A maioria dos gramáticos da língua portuguesa os dividem em verbos pronominais essenciais e acidentais, ou seja, verbos que são sempre usados com um significado correferencial – essenciais, e verbos que às vezes denotam correferencialidade – acidentais.

Pronominais essenciais são aqueles sempre usados com um pronome oblíquo como, atrever-se, queixar-se, arrepender-se, indignar-se, abster-se, apiedar-se, condoer-se, suicidar-se. Na prática, o verbo reflexivo se distingue do pronominal porque, o primeiro, pode ocorrer com as expressões “a mim mesmo”, “a ti mesmo”, “a si mesmo” concordando com o sujeito. Os verbos pronominais essenciais são aqueles sempre usados com pronomes átonos, como já exemplificados, enquanto os pronominais acidentais, como pentear (se), matar (se), designar (se), atribuir (se), nem sempre podem ser usados com esses pronomes. Muitas vezes são usados como verbos transitivos, tendo objeto diferente do sujeito da ação:

Ele ama o filho | compare com Ele se ama.

Isto posto, vejamos alguns exemplos coletados de textos escritos ou de falas nos meios de comunicação ou até em canções:

“Que lindo isso! Emocionei!” Se o falante se sentiu tocado por algo ele se emocionou, logo foi gerada uma não-frase. Caso ele tenha executado uma ação que causou admiração e sentimentos nos outros, aí, sim, ele emocionou. Caso típico de um pronominal acidental;

“Eu aposentei no ano passado.” Essa é uma não-frase usual nos últimos tempos, uma vez que o verbo aposentar pode significar que a instituição aposentou os funcionários com certa idade (transitivo direto) ou se o funcionário completou os requisitos e pleiteou aposentadoria ele se aposentou. A frase dada nem tem objeto para a transitividade, nem é pronominal como o autor desejava;

“O aluno faltoso reprovou em duas disciplinas.” Essa frase é ouvida repetidamente nos ambientes escolares. Abre-se espaço para a pergunta: o aluno estava ensinando onde e quem ele reprovou? Apesar da má construção estrutural, é entendido por todos que o aluno foi reprovado em duas disciplinas por seus professores. Faz-se necessária portanto, uma construção passiva para que o significado pretendido esteja claro;

“Eu iria deprimir muito se isso acontecesse.” Mais um caso em que o uso pronominal se impõe para a clareza do que se pretende dizer. Prefira: Eu iria me deprimir muito se isso acontecesse. O verbo é transitivo ou pronominal. Se transitivo necessita de um objeto, o que não ocorre no exemplo dado.

Em suma, encontramos muitos verbos pronominais acidentais que no sentido pretendido não são considerados assim, gerando, portanto, frases imperfeitas. Os essenciais não admitem outras possibilidades, os acidentais com ou sem pronomes oblíquos mudam totalmente o significado da sentença: ele debateu o assunto com todos versus ele se debateu para se soltar das cordas.

Subjuntivo versus Indicativo

Outro ponto que tem sido negligenciado na língua portuguesa brasileira do dia a dia é o uso do indicativo em lugar do subjuntivo. Pelos aspectos formais da gramática, há três tipos de modos verbais finitos: indicativo, subjuntivo e imperativo; e um infinito: infinitivo. Comparemos o Indicativo – o modo do fato, caracterizado por uma afirmação ou pergunta sobre algo como um fato, como em ele vem, ou ele virá? O Subjuntivo – o modo da suposição, mostra que nós supomos uma ação, como em se ele vier. Informal e usualmente, o subjuntivo é precedido de conjunções que caracterizam esse modo, tais como, se, a não ser que, talvez etc.

O modo subjuntivo é assim chamado porque geralmente está subordinado a alguma outra sentença, raramente existindo sozinho, a não ser quando expressa desejos. O subjuntivo não pode ser usado para estabelecer ou perguntar sobre um fato. É usado para transmitir um acontecimento irreal, hipotético ou desejado, ou seja, de possível realização, mas ainda duvidoso. Exemplos indicando um objetivo, um desejo, uma condição ou uma dúvida.

Objetivo: Eu te dou um prêmio (indicativo) para que você possa trabalhar bem novamente (subjuntivo).

Desejo: Deus salve a rainha.

Condição: Se eu a encontrar em qualquer lugar (subjuntivo), eu a reconhecerei de imediato (indicativo).

Dúvida: Quem quer que ele seja (subjuntivo), não sairá impune (indicativo).

Ocorre muito na fala cotidiana do Sudeste e Centro-Oeste brasileiro a utilização do indicativo quando o subjuntivo se faz necessário. Por exemplo: Eu vou passar na escola para apanhar meu filho, você quer que eu pego o seu? O uso errado de pego quando o subjuntivo pegue se faz obrigatório.

O adjetivo mor

“Mor” é um adjetivo, forma abreviada de “maior” e bastante utilizado adjetivando substantivos em formas compostas: causa-mor, capitão-mor etc. Seu uso acrescenta ao substantivo um sentido de grandeza. Por exemplo, quando o indivíduo é o capitão-mor, ele é a maior autoridade entre todos os outros capitães.

Capitão-mor tem como forma plural capitães-mores. Mor não é substantivo nem nome próprio (até agora, pelo menos). Em Currais Novos (RN), há uma escola importante chamada Capitão-mor Galvão, o homenageado tem como nome Cipriano Lopes Galvão. As pessoas daquele município não a chamam Escola Mor Galvão, e sim Escola Capitão-mor Galvão. Natal tem dois logradouros chamados de Capitão-mor Gouveia. Um, a avenida Capitão-mor Gouveia, e outro, a rua Capitão-mor Gouveia, em dois pontos diferentes da cidade. Todos são chamados pela mídia como Mor Gouveia, como se o adjetivo mor fosse o prenome do homenageado. Na verdade, o nome é Capitão-mor Pero Mendes de Gouveia.

Se um número de pessoas que prezam nossa língua deixar de exigir o uso correto do idioma, poucos aprenderão a forma correta e saberão que mor não é nome próprio. O acesso à informação evita a incorporação de erros de linguagem e a fossilização de um falar errado que diminui a qualidade da nossa fala popular. A continuar assim, não tardará muito e veremos em listas de turmas escolares e de resultados de concursos alguém com o nome de Mor da Silva. Espero estar errado.

Entendo que a língua é felizmente dinâmica e que sofre, sofreu e sofrerá mudanças. Porém nunca na velocidade pretendida por comunicadores e até legisladores.

*JOÃO GALVÃO NETO, professor de línguas portuguesa e inglesa

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