Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

HERALDO PALMEIRA Nhoque da fortuna

OpenClipart-Vectors/Pixabay

Nhoque da fortuna

  • Heraldo Palmeira

De passagem por Nova Friburgo (RJ), encontrei a cidade em plena temporada de inverno, com turistas misturados à cena cotidiana. Surpreso, deparei até com uma velha e surrada Romi Isetta, aquele carrinho ítalo-brasileiro que fez sucesso nos anos 1950 em razão do design para lá de esquisito. Estacionada sob uma árvore frondosa diante da casa do seu dono, ainda mantinha a fantasia que usou no último Carnaval, denunciando uma ressaca descomunal.

A noite na Serra Fluminense estava agradabilíssima, com estranhos 22 graus para uma época do ano em que os termômetros costumam registrar, sem grande esforço, até temperaturas abaixo de zero.

Fui jantar num lugar chamado Quinta Rica, ao largo da Praça Getúlio Vargas. Comida farta, honesta e barata num reduto sem grandes luxos e muito tradicional no centro da cidade. A casa oferece três opções de preços: rodízio de sopas, bufê ou rodízio completo. Pelo menos naquela noite, não percebi turistas por ali. Havia casais e famílias em grandes mesas, dando a entender que o endereço faz parte da vida de quem mora no lugar.

Na hora de pagar a conta, peguei a comanda e segui direto para o caixa. Ali, pequena fila formada, eis que uma senhora de bengala, cabelo branquinho, fez cara de desânimo e se encaminhou para o final.

Abriu um largo sorriso quando estendi o braço em convite para que entrasse na minha frente – acho que fui o primeiro a perceber sua aproximação e ela fatalmente mereceria essa deferência de qualquer uma das pessoas que aguardavam o atendimento da moça do caixa.

Aquela criaturinha começou a me cobrir de palavras delicadas, apesar de minha atitude não ser digna de qualquer registro – era apenas uma questão de respeitar o direito dela. De súbito, externando uma ordem do coração, eu disse que ela era minha convidada e peguei sua comanda, deixando-a docemente constrangida. Ganhei um beijo afetuoso e ela seguiu o rumo da saída, enquanto fui cheio de vida tomar o cafezinho oferecido pela casa, numa mesa mais adiante.

Quando me dei conta, havia um verdadeiro frisson de várias senhoras ao redor da minha novíssima amiga. Todas na casa dos 80 anos, ouviam, em grande algazarra, os detalhes da “aventura” no caixa. Quando ela me viu novamente, começou a apontar e fui cercado por aquela delicada nuvem de cabelos brancos e rostos maternais, com direito a afagos simpáticos e todas as atenções.

Entrei na conversa, percorremos juntos o grande corredor e terminamos na calçada chamando a atenção de quem passava pela rua, tal o nosso alvoroço. Até explodirmos numa gargalhada depois que minha novíssima amiga contou, com grande graça, uma piada daquelas cabeludas.

Nos despedimos com alegria e combinamos que minha próxima visita a Friburgo deverá ser obrigatoriamente num dia 29 qualquer. Assim, poderei reencontrá-las no mesmo lugar, para comermos juntos o nhoque da fartura – que leva aquelas senhoras ao Quinta Rica no dia 29 de todos os meses, desde 1995.

Na verdade, “minhas meninas” da Serra Fluminense nem precisam mais buscar fartura, fortuna, sorte e que tais, pois já têm isso de sobra naquele prazer inigualável da convivência despreocupada. Tão despreocupada que fomos embora de compromisso assumidíssimo para um reencontro num futuro qualquer, e nem dissemos nossos nomes.

*HERALDO PALMEIRA, escritor e produtor cultural

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