Por Heraldo Palmeira
Los Angeles
Nova York
São Paulo
Lisboa
Londres
Fase da Lua
.
.
23 de novembro de 2024

CARLOS CASTELO Neve no telhado, fogo na lareira

Libel SanRo/Pixabay

Neve no telhado, fogo na lareira

  • Carlos Castelo

“Quem possui a faculdade de ver a beleza, não envelhece” (Franz Kafka)

Ageísmo, etarismo, idosismo. Como trabalho há mais de 30 anos em publicidade, muitos me perguntam sobre esse tema. Talvez por acharem exótico um macróbio ainda estar positivo e operante numa agência. É verdade, eu sou do tempo em que camiseta era peça íntima, mas sempre achei absurda a discriminação contra os maiores de 40 anos nas corporações.

Presenciei, é claro, inúmeras situações esdrúxulas relacionadas ao binômio profissionais/envelhecimento. A começar por mim.

Há um gene qualquer na família de minha mãe que faz com que fiquemos com os cabelos brancos precocemente. Pois lá estava eu, ali pelos 32 anos, criando uma campanha numa conceituada empresa de comunicação, quando um diretor de arte me chamou para tomar café. Apontou na direção de minha juba, já bem grisalha, e aconselhou: “pinte os cabelos, pode parecer bobagem, mas aqui é um lugar em que gente da Criação precisa ser sempre jovial”.

Não tenho nada contra homens que escurecem suas mechas. Contudo, nunca tive desejo de mudar a cor das minhas melenas. Mantive-me na tonalidade cinza-ratinho, apelando às musas para que não fosse “descontinuado” do emprego. Não fui, tive sorte, porém muitos devem ter engrossado as fileiras do desemprego por causa de alguns fios brancos ou rugas de expressão.

Uma das coisas mais patéticas em agências de propaganda, por essa época, eram os mais maduros tentando se passar por garotos. Lembro-me de um colega, já bem entrado nos anos, que vinha trabalhar de skate. Não porque curtisse as pranchas, mas para parecer moderno. Como era de se esperar, certa manhã caiu do seu SK8 e quebrou o dedo da mão. No dia seguinte, voltou ao escritório pilotando um patinete elétrico.

Para exteriorizar juventude, e assegurar a vaga, valia tudo. Soube de gente que, nas férias, viajava para a Baixada Santista e mentia que tinha ido para os Lençóis Maranhenses praticar kitesurf. Outros pesquisavam, noite e dia, as gírias da moçada para não serem vistos como tiozões ou tiazinhas.

Hoje parece chacota, no entanto, a situação era dramática para nós, os longevos. Comentava-se, à boca pequena, numa determinada empresa que uma experiente redatora teve de implantar stents nas coronárias e, ao voltar aos jobs, disse que se hospedara num famoso spa, para um rápido detox.

Agora, felizmente, as coisas vêm melhorando. Existe uma ação maior das agências no sentido de incluir, aumentar a diversidade. Há um bom tempo não vejo um cinquentão vestido de Justin Bieber, nem balzaquianas se comportando como ninfetas para garantir o leitinho dos netos. E, para minha satisfação, nunca mais ninguém me chamou de lado e, em tom confessional, sugeriu que eu fizesse balayage em meus fios encanecidos.

Mas, como em tudo, é preciso que os batalhadores do Brasil se mantenham em estado de alerta. Para que o movimento de revisão do papel dos mais velhos na economia não seja apenas uma tendência efêmera, mas algo contínuo. Não tem nada mais trágico do que, em seu ambiente de trabalho, um extintor de incêndio ser mais lembrado do que a sua pessoa física.

*CARLOS CASTELO, jornalista

(Texto publicado no Estadão)

©