Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

JOÃO GALVÃO NETO Aquele toque Beatle

lulek41/Paweł Ludziński/Pixabay

Aquele toque Beatle

  • João Galvão Neto

No início dos anos 1960, na Avenida 10 com a Avenida 5, (os do bairro do Alecrim decodificarão de imediato), a música popular nos chegava via as rádios de Natal, o que tocava no cinema São Sebastião, no Parque de Diversões que ali se instalava para a Festa de São Sebastião (a igreja fica na Avenida 9, fazendo parte de todo aquele ambiente). Um pequeno empresário da Avenida 10 decidiu instalar um serviço de som – Amplificadora Rio Grande, para divulgar informações úteis e tocar canções através de alto-falantes colocados em postes de energia nos cruzamentos da Avenida 10 com a 5; Avenida 10 com a Presidente Mascarenhas; na Avenida 5 com a 12; na Avenida 8 com a 5; e na Avenida 10 quase com a Avenida 4. Nem todos tinham rádios em casa e isso proporcionava a atualização com as canções que começavam a fazer sucesso no país e no mundo, mensagens importantes para a comunidade alcançada, informações sobre onde se vacinar e suas datas.

Meu irmão Eri Galvão, aos 13 para os 14 anos, e eu, aos 10, começamos a “trabalhar” como locutor e controlista (que ligava o equipamento e comandava a abertura de microfones e tocava os discos), respectivamente, em horários não escolares. O encanto pela arte e, principalmente, pela música já era verdade em nossa casa. Lembro-me claramente de ouvir e “tocar” Ray Charles em compactos simples ou duplos com canções marcantes: What’d I Say? (1961), I Can’t Stop Loving You (1962) e Hit The Road, Jack (1963), por exemplo, e o surgimento de um artista que, apesar de fã da música popular internacional, compõe um tipo totalmente pessoal de samba: Jorge Ben (hoje, Benjor). Mas o que mudaria nossa percepção de música popular e nos indicaria o rumo a seguir foi o aparecimento da música dos Beatles.

A primeira canção dos Beatles de que me lembro foi I want to hold your hand. Aprendemos a cantar as canções internacionais por imitação sonora do amontoado de sons diversos que ouvíamos e nos influenciavam – ainda não éramos estudantes de inglês. Eri Galvão, inquieto e criativo, pediu à nossa mãe para matriculá-lo na SCBEU-Socieda Cultural Brasil-Estados Unidos para que ele aprendesse o inglês e assim pudesse entender aquelas canções que já nos viciavam (sim, eu estava totalmente influenciado e me tornara um seguidor daquela música) e faziam com que corrêssemos atrás dos amigos que tinham equipamentos de som (radiolas) com toca-discos para sessões de apreciação dos novos discos que alguns recebiam ou compravam em primeira mão. Eri me conseguiu uma bolsa de estudos na SCBEU com a qual fiz todo o curso básico, com o tempo nos tornamos professores de inglês, o que nos possibilitou viver dessa atividade por muito tempo e, por toda a vida, como no meu caso.

Neste mês de outubro, os beatlemaníacos (é assim que somos chamados mundialmente) comemoram 60 anos do lançamento de Love Me Do, uma canção dos Beatles escrita por Lennon/McCartney. Foi a primeira gravação da banda como um single (compacto simples, no Brasil), cujo lado B trazia a canção P.S. I Love You, lançada no dia 5 de outubro de 1962.

Desde o primeiro álbum Please Please Me (with Love Me Do and 12 other songs), lançado em 22 de março de 1963 até o lançamento do álbum Let It Be em 1970, o mundo acompanhou o amadurecimento de um grupo de compositores e cantores como nunca mais se conseguiu reunir em uma banda. A banda fez releituras importantes de grandes sucessos da música pop e negra americanas4i, principalmente, baladas e rock’n’roll, mas a marca que mudaria a face do pop internacional veio com composições próprias e com o canto vocal de alta qualidade, característica dos Beatles. O aperfeiçoamento na arte de compor canções e arranjar foi grandemente incentivado por George Martin, seu produtor, que disse: “Vão pra casa e façam suas canções”.

Pense em uma banda que tenha três front men de alta competência, cantando, tocando e compondo. A resposta possível, invariavelmente, será Beatles. Paul McCartney em entrevista sobre o sucesso dos discos da banda declarou que ao ouvir um disco dos Beatles, nenhuma canção ouvida será seguida por outra canção semelhante. A variação da criação artística, dividida por três (às vezes, quatro) compositores, leva o prazer de ouvir a discografia Beatle ao máximo até hoje e alcança um público infantil cujos pais nem haviam nascido quando a banda acabou em 1970.

Apesar do lançamento de Let It Be como último disco dos Beatles, sabe-se que a última gravação da banda foi Abbey Road, disco lançado em 1969 que termina com a canção The End que diz: “And in the end the love you take is equal to the love you make” (e no final o amor que você recebe é igual ao amor que você faz). Mas desde minha primeira audição dos Beatles, no tempo da amplificadora, eu sempre soube que não podemos soltar a mão do outro, pois a minha geração e outras que se seguiram aprenderam a cantar como um mantra “I wanna hold your hand” (eu quero segurar sua mão).

*JOÃO GALVÃO NETO, professor de línguas portuguesa e inglesa. E beatlemaníaco.

Ouça aqui

I Want to Hold Your Hand   https://www.youtube.com/watch?v=v1HDt1tknTc

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