Por Heraldo Palmeira
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Fase da Lua
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7 de novembro de 2024

HORÁCIO PAIVA Espelho da Lua

Mollyroselee/Pixabay

Espelho da Lua

  • Horácio Paiva

Há tempos li uma tradução em versos da Odisseia, feita pelo erudito Manuel Odorico Mendes (1799-1864; brasileiro e autor da primeira tradução integral dessa obra para português), onde se vê, no início do Livro II, essa linda alusão transliterada à aurora:

“Veste-se, à luz da dedirrósea aurora,

Sai da alcova o amadíssimo Ulisseida (…)”

Sim, “dedirrósea aurora”, ao invés de “aurora de dedos cor de rosa”. E assim escrito no Século XIX…

Pois bem, outro dia vi um pôr de sol belíssimo, com uma base cor de rosa forte e, acima, navegando entre as nuvens, num azul claro esmaecido e contrastante, a foice de uma lua nova que chegaria em breve ao quarto crescente e, afinal, à lua cheia.

Se a base do quadro lembrou-me a imagem clássica de Homero, a lua, em foice, levou-me à modernidade do surrealismo e a esse dístico bem humorado que fiz (dedicado ao meu amigo Francisco Sobreira) e que integra o Tablado Surrealista, publicado em meu livro A Torre Azul, assim:

BANQUETE LUNAR

Ceifando estrelas a lua nova

para comê-las a lua cheia.

Jorge Luis Borges, num elegante ensaio sobre poesia, relembra uma bela metáfora persa que trata a lua como “espelho do tempo”. A propósito, diz o genial escritor hermano:

“Na expressão ‘espelho do tempo’” encontra-se a fragilidade e também a eternidade da lua. Verifica-se aí uma grande contradição da lua: a de estar tão à beira da transparência, tão à beira do nada e, no entanto, ter a eternidade como medida.”

Assim, não há maior espelho do que a lua – iluminado e romântico espelho do tempo –, nem maior festa a que ela realiza, pondo em êxtase as marés, a natureza, nossas emoções e imaginário, sobretudo em sua fase de plenitude, grandeza e realeza, a lua cheia, da qual sou arauto, com todas as homenagens devidas:

LUA CHEIA

abram as janelas e as tarrafas

que o vinho salta das garrafas

e o amor borbulha

aviem todos e todas

já se consumam as bodas

do luar e a noite alta

e vocês em casa a dormitar

acordem de suas trevas

abram portas e janelas

para o cortejo lunar

*HORÁCIO PAIVA, advogado e escritor

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