Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

HERALDO PALMEIRA Sons de uma vida

James Farfan/Pixabay

Sons de uma vida

  • Heraldo Palmeira

Nos meus primeiros anos de vida me apaixonei perdidamente pelo rádio. Afinal, televisão no interior do Nordeste daqueles tempos era algo parecido com pé de cobra: a gente sabe que existe porque a bicha anda, mas nunca se viu um só diante do olho. Desde que me entendo por gente, há um rádio por perto. E do rádio veio outra paixão absoluta: a música. Dessa segunda paixão, a guitarra me saltou fascinante aos olhos.

Como cresci nos anos 60 e 70, obviamente as guitarras elétricas eram ícones poderosos para qualquer rapazote daqueles tempos. Em qualquer banda, os guitarristas eram os músicos mais dotados de argumentos cênicos, talvez pela própria vocação solista das guitarras. Como as meninas enlouqueciam por eles, todos nós queríamos ser guitarristas mesmo sem qualquer talento para uma missão estelar dessa.

Claro que havia Beatles e suas já lendárias Epiphone, Gretsch e Rickenbacker. As Rickenbacker até viraram símbolos do pop britânico dos anos 60. Mas o reino das seis cordas de aço tinha também Fender e Gibson, concorrentes espetaculares.

Lester William Polfus, que começou a tocar gaita aos oito anos, tornou-se músico profissional aos 13 e ficou mundialmente famoso como Les Paul, um guitarrista de altíssimo nível técnico que criou e tocou diversas guitarras que terminaram fabricadas pela Gibson, inicialmente sem a assinatura da empresa.

A partir de experimentos iniciados em 1941 nas oficinas do visionário Epaminondas Stathopoulo, que herdou do pai grego Anastasios uma empresa familiar fabricante original de alaúdes, banjos e bandolins – de onde nasceria a Epiphone Company, hoje subsidiária da Gibson Guitar Corporation –, Les Paul terminou desenvolvendo a primeira guitarra de corpo maciço.

O guitarrista extrapolou os limites do ofício de instrumentista ao contribuir para a arte e a ciência da música e para o desenvolvimento da indústria fonográfica. Corria 1948 quando iniciou uma experiência na própria garagem, que terminou encampada pela gigante Capitol Records. Utilizando discos de acetato, ele gravou uma trilha em um deles. A seguir, fez rodar o primeiro (já gravado) e inseriu outros registros do arranjo da mesma música num segundo disco – onde ficou guardado o conteúdo do primeiro somado à sua nova intervenção. E assim sucessivamente.

Naquele primeiro experimento ele descartou cerca de 500 discos de acetato com os resultados que não aprovou. Mais adiante, avançou tecnicamente dessa sobreposição de sons para as gravações com trilhas em canais paralelos. Em suma, terminou por inventar a captação multicanal que permite multiplicar sem limites registros instrumentais e vocais para produzir uma mesma música, sistema mantido até hoje nos estúdios e nas tecnologias disponíveis.

Mereceu da fábrica Gibson grande homenagem em forma de guitarra. A modelo Les Paul (foto), que ajudou a desenvolver, chegou ao mercado em 1952 e logo se tornou uma das mais conhecidas do mundo. De corpo sólido, comercializada em diversas versões, é o instrumento mais popular da marca.

Enfim, subiu aos palcos a concorrente definitiva para outra lenda, a Fender Stratocaster – criada pelo também mestre Clarence Leonidas (Leo) Fender –, com quem a Les Paul vem duelando ao longo de décadas pelas mãos dos melhores guitarristas da história da música.

Nos anos 1960, uma nova parceria técnica com a Capitol Records permitiu a Les Paul criar as lendárias oito câmaras de eco subterrâneas do icônico Capitol Studios. Instalado na Capitol Tower – o prédio redondo que se transformou em monumento histórico e cultural de Los Angeles (EUA) –, o equipamento funciona perfeitamente até hoje e garante um som particular às gravações realizadas pelas grandes estrelas da música internacional. Um dos exemplos mais famosos dessa sonoridade é o álbum Surfin’ USA, do grupo The Beach Boys.

Les Paul morreu em 2009. Vivia em Nova York, tinha 94 anos e era considerado um inventor revolucionário com toda justiça. Suas criações continuarão em cena mesmo quando seu nome for apenas uma vaga lembrança.

*HERALDO PALMEIRA, escritor e produtor cultural

Ouça aqui o chamado “som de ponta” do Capitol Studios

The Beach Boys   https://open.spotify.com/album/6u5tGarzvESDsQiIpC4SlI?autoplay=true

Radiohead   https://www.youtube.com/watch?v=7OW3_loQcAs

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