Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

A bola do Brasil 2

Nelson Almeida/AFP/Reprodução

A bola do Brasil 2

  • Heraldo Palmeira

O estádio 974 tem alguns pontos interessantes. O número que lhe dá nome representa a quantidade de containers utilizada para sua construção, bem como o código internacional de telefonia do Catar. Diz a comunicação oficial que será desmontado logo após a Copa e não está claro se será remontado em outro lugar ou simplesmente descartado como sucata. Dinheiro para qualquer opção não será problema.

Fiquei preocupado que os tais 974 containers não fossem suficientes para guardar tanta feiura que se viu em campo durante aquele Brasil 1×0 Suíça. Um gaiato da mesa ao lado não perdoou quando parte da iluminação do estádio apagou por alguns segundos: “Deve ser alguém de bom senso tentando esconder essa pelada!”.

Tudo bem, sabemos que a Copa é uma competição de tiro curto, são apenas sete jogos para levantar o caneco, estamos classificados para as oitavas de final… Mas, convenhamos, um joguinho mequetrefe daqueles deixa preocupação porque cada passo das oitavas em diante significa partidas mais difíceis e eliminatórias.

Na entrevista pós-jogo, comentando a ausência de Neymar, Tite saiu-se com esta pérola para fazer referência a Casemiro: “A equipe faz a estrela”. Com todo o respeito, apesar da reconhecida eficiência, o jogador do Manchester United não é exatamente alguém que empolgue torcidas e nunca foi dotado de um futebol brilhante.

Tenho imensa curiosidade de saber em que planeta essa gente vive, inclusive pela prática de tentar valorizar um jogo péssimo com números do adversário obtidos em torneios anteriores – basta lembrar quanto tempo faz que passamos pelas Eliminatórias e que nossos números daquela etapa nada significam na Copa, apenas nos deram acesso a ela. Foi assim, com estatísticas ralas da Suíça, que o ilustre Adenor Bachi buscou disfarçar o horroroso desempenho do seu/nosso time.

Cresci aprendendo que um time só merecia respeito quando tinha um jogador que a gente sabia nome, número da camisa e morria de medo dele. Pelo simples fato de que era craque, o cara que resolvia a parada. Não se pode relacionar nada disso àquele timeco da Suíça. Em seu arsenal de desculpas, Tite ainda incluiu os superpoderes de alguns dos jogadores que a maioria de nós jamais viu jogar, ouviu falar e, muito menos, sentiu medo deles durante o jogo. Parece mais esclarecedor o post do bom amigo Maarten van Sluys, mineiro com sangue holandês, globe-trotter da hotelaria e apaixonado por futebol: “Péssimo o futebol da Seleção. A cara do Tite: lentidão e criatividade zero”.

Com a Suíça completamente recuada e retrancada – na famosa tática do ferrolho –, por que insistir com Fred tendo Éverton Ribeiro assistindo aquela pelada sentado no banco? Afinal, ele é hoje o maior especialista brasileiro em quebrar linhas defensivas com sua incomparável capacidade de “esconder” a bola e armar jogadas em espaços mínimos. Outra pergunta óbvia: por que insistir com o fiasco antigo Gabriel Jesus e não colocar Pedro em campo? Afinal, é um centroavante de grande porte físico capaz de incomodar os zagueirões e que faz como poucos o pivô, ainda mais podendo dialogar com o colega de Flamengo num momento em que ambos estão em grande fase.

Já que Tite não rima com ousadia, para o próximo jogo as circunstâncias obrigaram-no a sair da zona de conforto. Além das lesões de Neymar, Danilo e Alex Sandro, o departamento médico entrou em cena preocupado com outros jogadores que passaram por quadro febril ou de mal-estar. Como estamos classificados (Deus é mesmo brasileiro), ficou decidido que a equipe reserva deverá enfrentar Camarões. Inclusive porque o primeiro jogo das oitavas ocorrerá apenas três dias depois.

Ainda no Rio de Janeiro, fui para o mesmo reduto da rua Alice onde assisti ao primeiro jogo. O privilégio desta vez foi rever o cantor Geraldo Azevedo, que conheci ainda nos anos 1970 e segui encontrando de tempos em tempos. Uma alegria enorme e a oportunidade de recordar ótimas passagens da música.

Não duvido que aquele primeiro tempo contra a Suíça irritou até as camadas superiores. Tanto que assim que a bola rolou depois do intervalo, o Homem jogou um temporal impressionante sobre nós. A chuva tornou-se forte e não parava de cair. Em pouco tempo, a ladeira virou cachoeira e não se via mais o asfalto nem as calçadas, tudo embaixo da correnteza que empurrou as pessoas para dentro dos quatro bares-restaurantes que funcionam no sopé. Mais um pouco, folhas, galhos e lixo começaram a rolar junto com a água.

De repente, um rebuliço abriu enorme clareira na galera, com trilha sonora de gritos majoritariamente femininos, levando uma senhora a subir no banco de madeira e sentar-se no encosto. Impassível, uma ratazana “de responsa” fora expulsa da toca e subira na base de cimento do guarda-sol enorme que cobria as mesas. Ensopada, ficou ali protegida e se enxugando.

Alguns motoristas, por inabilidade para trafegar no aguaceiro ou pura sacanagem mesmo, passaram espanando água sobre as mesas (e pessoas) nas calçadas. A reação da torcida foi aquela delicada chuva de palavrões oferecida aos juízes e suas mães.

Quando ficou claro que a ratazana estava ilhada e ficaria ali até a água baixar, nova clareira surgiu, desta feita como uma enorme ola dos estádios. A mesma gritaria, agora mais forte – as mulheres novamente dominando a partitura do pânico –, informou o nome da “música”: “barata, ba-raaaa-taaaa!!!”.

A algazarra anunciava uma miríade, mas era apenas um pobre exemplar dos blatídeos. Depois de tentar romper a barreira adversária em vários pontos, entrou a mil por hora no nosso restaurante. Com a enxurrada de pés sobre cadeiras, a barata ficou sozinha e sem marcação, inteira no meu campo de visão, mas distante do meu alcance de zagueiro plantado. Dei um toque para o volante à minha frente e ele apenas levou uma letra veloz da atacante quando resolveu dar o primeiro combate. Entretanto, o lateral esquerdo avançado não teve trabalho para apragatar a ameaça, ao que se ouviu aquele uníssono de quando a bola passa raspando a trave: “uhhhhhhh!”. Pela maioria feminina, um pouco mais agudo, é verdade: “ihhhhhhh!”.

Foram cerca de dez minutos de alvoroço com o jogo rolando em segundo plano. Ao fim, a água já havia baixado e, do outro lado da rua, a ratazana resolveu retomar a vida. Foi saindo devagarinho e caminhou na direção de uma senhorinha de cara amarrada – parecia estar tiririca com o banho involuntário e as roupas encharcadas – que vinha descendo a rua.

A galera foi à loucura tentando alertar aos gritos sobre a trombada iminente, mas ela parecia surda porque não demonstrou ouvir nada. E talvez andasse com a vista cansada, piorada por óculos embaçados e molhados, já que também não compreendeu os acenos frenéticos da pequena multidão.

O roedor, caminho bloqueado, subiu pela perna e ela sequer percebeu a invasão da pequena área. O bicho caiu dois passos depois e a mulher entrou no restaurante como se procurasse alguém e sem dar sinais de haver registrado a jogada desleal do adversário.

O jogo retomou o papel principal. Continuava péssimo, mas pudemos festejar o gol de Casemiro com a ajuda de uma bunda suíça. Depois do apito final, pensei na quantidade de pessoas que vi subindo nas cadeiras ou levantando pernas e cheguei a uma conclusão científica: ratos não têm a menor chance diante de baratas. Muito menos em ambiente de chuvas e trovoadas.

Acompanhe aqui a nossa série sobre a participação do Brasil em todas as Copas

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