Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

Alarme mental

Fszalai/Pixabay

Alarme mental

  • Heraldo Palmeira

O adoecimento mental sempre foi um capítulo à parte na vida humana, potencializado por um detalhe crucial: o preconceito. Não são poucas as regiões do mundo em que falar de tratamentos que envolvam psicologia e psiquiatria toca no território dos tabus. É mesmo um diagnóstico de difícil aceitação e enfrentamento para pacientes e seu mundo familiar e social. Na verdade, algo rejeitado pela própria sociedade. E não menos complexo é encarar suas causas de frente, buscar soluções para interromper o crescimento da incidência dessas patologias.

Nesta complexa crise existencial que estamos enfrentando, marcada por desalento, desesperança e impaciência, a vida digital se tornou fonte de distúrbios de ansiedade, depressão crônica, isolamento social e uma série de outros danos graves, imprevisíveis e até irreparáveis.

É impressionante como as pessoas foram permitindo que a tecnologia dominasse suas vidas, a ponto de passar a definir até intimidades. Criou-se uma realidade on-line sobre agrupamento social com base no conceito de companheirismo, cujo resultado é uma gigantesca ilusão de milhares de amigos nas redes sociais.

É algo tão hipnotizante que gerou uma espécie de recusa generalizada em reconhecer que a maioria desses “amigos” são completos estranhos. De repente, estabeleceu-se um campo minado onde a comunicação autêntica foi substituída por mecanismos digitais de adesão (curtidas, likes…). É um modelo de ligação frio e implacável, sem qualquer significado emocional e que leva a uma profunda sensação de solidão.

Entre 1964 e 1966 o cientista alemão Joseph Weizenbaum criou o Eliza, simulador de diálogos e considerado o primeiro chatbot da História, no laboratório de inteligência artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A linha mestra simulava conversas em que o software atuava como psicólogo e o usuário assumia o papel de paciente.

Embora fosse um dos nomes mais importantes da IA em todos os tempos, não demorou para que Weizenbaum percebesse, com surpresa, que seus alunos e muitas outras pessoas estavam atribuindo características similares aos sentimentos humanos à ferramenta, além do fator viciante que Eliza exercia sobre todos.

Em seu livro O Poder do Computador e a Razão Humana, publicado em 1976, ele reconhece a importância da inteligência artificial, mas defende que não deveríamos permitir que computadores tomem decisões importantes, já que as máquinas não detêm qualidades humanas como compaixão e sabedoria. Em sua cruzada para alertar que esse tipo de relação intensa do homem com a máquina terminaria afetando o comportamento social – algo que estamos comprovando –, gerou certo incômodo no mundo científico.

A professora americana Sherry Turkle, especializada em sociologia e psicologia da personalidade e figura de destaque do Media Lab (MIT) – laboratório cujo lema é “o futuro é vivido e não imaginado” –, sempre foi grande entusiasta da vida digital e defensora do uso de computadores na educação. Depois de realizar um estudo envolvendo jovens com vida intensamente relacionada ao mundo computacional, ela se deparou com vários distúrbios comportamentais e de saúde nesse grupo e passou a rever seus próprios conceitos.

No seu livro Alone Together (sozinhos juntos, em tradução livre do inglês), lançado em 2011, Turkle destaca que nossas vidas emocionais perdem relevância à medida que a tecnologia ganha importância no cotidiano, e descreve como essa influência promove mudanças comportamentais e relações perturbadoras entre famílias, amigos e parceiros amorosos.

O novo padrão de comportamento social e suas consequências registradas no campo da saúde têm provocado enormes discussões, a ponto de já aparecem com destaque no radar das grandes preocupações dos especialistas e das autoridades. Começa a se formar um consenso de que algo está acontecendo fora dos padrões que estavam estabelecidos e exige providências à altura do problema.

Números assustadores Em 2017 a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontava que cerca de 1 bilhão de pessoas enfrentava algum tipo de transtorno do sistema nervoso central. Com o avanço da pandemia de Covid-19 e outros fatores, esse número chegou a 2 bilhões.

Na sequência, a Fundação Gates decidiu financiar um estudo global envolvendo vários centros de pesquisas, cujo intuito era aprofundar a compreensão desses números alarmantes. O trabalho incluiu 37 doenças que não haviam sido consideradas no levantamento da OMS, e o resultado, que acaba de ser publicado na revista científica The Lancet, é ainda mais assustador: 3,4 bilhões de pessoas (43% da população mundial) sofrem de algum tipo de distúrbio relacionado ao sistema nervoso.

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