Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

Alpargatas, alquimia de borracha e lona

Tim Kawasaki

Alpargatas, alquimia de borracha e lona

  • Heraldo Palmeira

Lona e solado de borracha juntos podem resultar em fórmula infalível. No Brasil, a Alpargatas sabe muito bem desde que lançou o tênis Conga, em 1959. Os dois componentes garantiam um produto leve e confortável que calçou praticamente todas as crianças durante os 30 anos seguintes, visto que as opções azul marinho + solado branco, ou completamente branca, foram adotadas nos uniformes escolares. As duas versões terminaram as mais vendidas, pois a oferta em outras cores era bastante reduzida. Mais adiante, o Conga Esporte foi a tentativa de emprestar estilo ao modelo original – perdeu a protuberância frontal em borracha para ganhar aspecto de sapato, mantido o material original borracha e lona.

Em 1961, a empresa lançou o Bamba, com design mais caprichado, alinhado com as tendências internacionais e incorporando as linhas dos americanos Converse e All Star. O modelo básico brasileiro era o Monobloco, chamado de “Cabeção”, algo como um Conga abrutalhado. A versão Maioral deu linhas mais refinadas ao modelo básico. Quando apareceu a opção de cano alto, o produto explodiu no mercado. Além disso, os consumidores ficaram encantados com as várias opções de cores disponíveis.

Em 1970, a Alpargatas acertou novamente o centro do alvo ao lançar o Kichute. Repetia a fórmula, usando apenas o preto na lona e solado, com uma onda novinha em folha: parecia uma chuteira e tinha travas, permitindo que a molecada jogasse peladas em quadras, na areia e até no meio da rua – era uma arma poderosa para enfrentar os temíveis chamboques arrancados dos dedos pelos paralelepípedos sempre desnivelados. Com o Brasil tricampeão mundial de futebol naquela jornada mágica na Copa do México, sob o comando de Pelé, o interesse pelo esporte explodiu e as vendas também – chegaram a mais de 9 milhões de pares por ano, calçando 10% da população brasileira da época, e a glória suprema era amarrar os cadarços na canela, por cima da meia.

Para reforçar a ideia de produto multiuso, um dos comerciais foi ambientado numa corrida de kart com narração de um já famoso Galvão Bueno. Ninguém menos que Zico foi garoto-propaganda em cenário de futebol. Em 2009, o tênis estava no centro do roteiro e nos pés da gurizada peladeira do filme Meninos de Kichute, do diretor Luca Amberg, contando a história de um garoto que sonhava ser goleiro da Seleção.

Com o tempo, foi proibido nas escolas. Como a molecada passava o dia com aquilo nos pés, correndo de um lado para outro e pisando em falso em razão das travas altas versus irregularidades dos pisos, ganhou fama de fazer mal à coluna das crianças. Foi um golpe fatal.

Novos tempos trouxeram produtos mais modernos e liquidaram os três xodós dos pés brasileiros. O Conga e o Bamba deixaram o mercado na década de 1990 e o Kichute se arrastou até o início dos anos 2000, quando foi descontinuado. Perderam espaço para concorrentes cheios de milongas como amortecedores de gel, molas impulsionadoras, customizações para os mais diversos usos e possibilidades quase infinitas de combinações de cores, enfeites e estilos.

Apesar desses reveses, a Alpargatas se manteve muito forte no mercado porque já havia criado (em 1962) outro fenômeno comercial que segue jovial até hoje: um chinelo de borracha que ganhou o mundo batizado de “Havaianas” e certamente ocupou a lacuna comercial deixada pelos tênis ancestrais da empresa. Mas, esta é outra história para ser contada em outra ocasião.

Bamba (a partir do quarto trimestre) e Kichute (início de 2023) estão voltando ao mercado, adaptados para a realidade atual a partir de um acordo comercial entre a Alpargatas e a também brasileira Justa.

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