Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

HERALDO PALMEIRA As vesperais

Paco/Pixabay

As vesperais

  • Heraldo Palmeira

Fazia muito tempo que não se viam. Aconteceu por acaso, numa tarde comum de meio de semana no shopping. Deram de cara na entrada do cinema, grande surpresa. Agradável para ambos. Abraço demorado. Aquela energia, quase arrepio, que não passa despercebida.

Entraram em salas diferentes, mas deixaram um café programado para o fim da sessão. Falaram das velhas lembranças, da vida desde então, dos casamentos longos que viviam em amores imprecisos, dos filhos que não tiveram e como seriam… Ambos estavam felizes com o que tinham construído. O Rio de Janeiro da juventude, paixão compartilhada e agora distante, continuava lindo e problemático lá no canto dele.

Os gostos em comum permaneciam: filmes, livros, músicas, dança, cena cultural pop… As vesperais viraram frequentes. Eles haviam estabelecido aqueles encontros como ponto de fuga das rotinas inevitáveis. Mesmo a vida estando boa, aquela rota secreta de prazeres tão especiais tomara forma de uma conquista que também era relevante. Não desejavam nada além de um oásis a ser visitado de vez em quando, onde podiam se despir de tudo sem estabelecer qualquer compromisso. E tomavam café, assistiam a filmes, ouviam jazz, se faziam tanto bem…

Na verdade, as vesperais viraram o jazz da vida anos a fio, guardadas a sete chaves. Intensas quando abriam a porta das tardes; suaves quando deixavam atrás de si o oásis na boca da noite, na hora de voltarem aos seus mundos particulares. Era deliciosa a sensação de agir como adolescentes fazendo algo escondido. O segredo jamais foi dividido com o resto do mundo. Não era justo desmanchar castelos e ferir os outros habitantes. Muito menos deixar outras pessoas transitarem no território que ficou sagrado. Aquele era um amor exclusivo. Talvez egoísta. E sem remorsos, pois não é possível tratar as curvas dos sentimentos apenas com traços retos. O desenho da vida exige régua e compasso e pode formar círculos surpreendentes.

Envelheceram cúmplices pelo resto da vida e foram consolo nas perdas pessoais ocorridas fora do oásis. Um dia, partiram para o Rio querido e levaram o segredo das vesperais. Nunca mais se soube deles. Até porque ninguém nunca soube, eles jamais permitiram. Decidiram desde o primeiro momento ludibriar o mundo de curiosos, uma competência rara dos amantes silenciosos e fechados em copas.

Estavam cobertos de razão. Nem os melhores amigos guardariam segredo, talvez por pura inveja – bastava olhar para eles e ficava claro que foram feitos um para o outro, e isso incomoda a quem não foi feito para ninguém.

Numa bela noite de primavera, ela cruzou com uma amiga numa ruela de Paris. Foi tudo rápido, não deu espaço para muita conversa. Pediu desculpas e disse que estava a caminho da Gare du Nord para buscar uma amiga que estava chegando.

– Você tá morando onde?

– Hmmmf da Itália – mentiu, já se afastando e acentuando apenas o nome do país.

No outro lado da rua, ele permaneceu no balcão de um café onde costumavam ir, encantado com a rapidez do despiste dela. Depois seguiram para a rue des Lombards, onde jantariam ouvindo jazz. Como faziam toda semana.

*HERALDO PALMEIRA, escritor e produtor cultural

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