Por Heraldo Palmeira
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24 de novembro de 2024

BETO BARRETTO Que sentimento é esse?

Pixabay

Que sentimento é esse que me habita?

  • Beto Barretto

Daqui a poucas semanas completo 10 anos que me mudei com Luanda e Mateus para o Rio de Janeiro. Nascido e criado em Brasília, nunca havia experimentado viver em outra cidade. Foram 50 anos bem vividos, suficientes para fixar na minha mente, no corpo e no meu coração raízes e sentimentos profundos por Brasília.

Foi lá que cresci, passei minha infância, juventude e a vida adulta. Fiz todo o meu estudo, até a universidade, em instituições públicas. Foi lá também que, por concurso público, aos 15 anos, entrei como menor aprendiz para o Banco do Brasil. Foram 33 anos de Empresa e uma carreira bem-sucedida. Meu único emprego e apenas um registro profissional na Carteira de Trabalho.

Enfim, todos os grandes acontecimentos da minha vida como batizado, dois casamentos, nascimento dos meus filhos Tati, Bruna e Mateus e dos netos Giovanna e Alexandre se passaram na Capital do Brasil. Quando me mudei deixei para trás histórias de vida, pessoas que amo muito e também a cidade. Lá estão, minha mãe, com 90 anos, dois irmãos, duas filhas, amigos e tudo, tudo aquilo que vivi. Com o decorrer do tempo, no Rio, passei a sentir algo como se tivesse deixado também uma parte de mim a 1.167 quilômetros de distância.

Não. A culpa não é da Cidade Maravilhosa. A adaptação ao Rio de Janeiro não é difícil. São muitos encantos e belezas naturais. O cenário é exuberante com o mar, praias, montanhas e o pôr do sol convivendo em harmonia. Sem falar da vida cultural intensa, com shows, museus e restaurantes.

A questão é mais complexa. Envolve sentimento. Não é racional. É subjetivo. Passa pelo imaterial. A falta que Brasília me faz é mais do que nostalgia. É mais do que saudade! É mais do que ter um lugar preferido. De querer estar num lugar. É mais do que isso…

Acredito que todo mundo tem um bairro, uma cidade, um lugar que ama demais e sente falta. Seja por ter nascido ali, vivido os melhores momentos da infância, seja porque ali foi feliz, porque o lugar lembra os pais, seja porque casou ou teve filhos que ali nasceram, ou por ter realizado o grande sonho.

Como se constrói na mente – e no coração – uma equação que mostre ou ensine a fazer com que você sinta que uma determinada cidade é essencial na sua vida? Ainda não sei a resposta. Talvez a famosa frase de Antoine de Saint-Exupéry no livro O Pequeno Príncipe possa nos dar uma pista: “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”.

Quem sabe, não exista uma carga genética nessa equação sentimental? Não seja um sentimento oriundo de outras gerações? Por exemplo, meu primo Marquinhos, nasceu e mora em Salvador. Mas, o seu lar é onde passou a infância: Miguel Calmon, no sertão baiano. Sempre que pode, pega a família e volta às suas origens para visitar sua mãe – minha tia Nininha –, recarregar as baterias e continuar a manter viva as lembranças de sua infância e adolescência. E, claro, reviver na memória as aventuras compartilhadas na roça com seu pai, meu tio Jessé.

Quem também me inspira e deve ter transmitido esse sentimento inexplicável pela terra natal foi meu pai, Euclides de Carvalho Rios. Ele tinha um amor extremo pela terra onde nasceu e cresceu, Miguel Calmon (BA), a mesma cidade que Marquinhos exalta sempre com muito amor. Desde que chegou a Brasília, em 1961, meu pai, a cada dois anos, partia com minha mãe, comigo e meus dois irmãos rumo à sua terra encantada. Eram dois dias de viagem cansativa por estradas malcuidadas, algumas até sem asfalto. Mas, para ele, não havia sacrifício quando se segue o destino dentro do coração.

Sempre deixou claro que o sonho dele, no dia em que se aposentasse, seria o de voltar a morar no interior da Bahia. Tinha verdadeira adoração pelo Arroz, um pequeno lugarejo nas cercanias de Miguel Calmon. Infelizmente ele não chegou a realizar esse sonho.

Talvez, para mim, parte da explicação sobre esse sentimento de amor à terra natal esteja no livro Veredas de Canabrava (Raízes de Amor). Escrito por meu pai, o seu conteúdo traduz com simplicidade todo o significado do que ele viveu ali, e o valor daquilo tudo para a sua vida.

A orelha do livro registra: “Passaram-se 15 anos do despertar da minha infância até o dia que parti para o Rio de Janeiro, período de vaivém entre a casa da vovó Laura, no arraial do Arroz, a de vovô Terêncio, no povoado de Bananeira, e cidadezinhas do interior da Bahia. Durante esses três lustros, aprendi a querer e a amar profundamente o meu povo e a terra natal, o Arroz, tão-somente humilde lugarejo, lambido pelo rio Canabrava e retirado quarto de légua da cidade de Miguel Calmon (antiga Canabrava). Nesse pedacinho de chão, meus ancestrais maternos plantaram as suas raízes. De ano em ano, feito aves de arribação, meus pais, estiveram, lugar após lugar, numa luta incansável por dias melhores. Quando em um não dava certo – e quase sempre não dava – retornávamos ao ponto de partida, ao refúgio, e ao porto seguro que era o Arroz… Era um ano, quando muito, em terras estranhas, e meio ano, se tanto, no Arroz, de onde se relutava em sair. E, sempre que partíamos, eu era aquele que se desmanchava de tristeza e saudade, antes mesmo de partir, a tal ponto aperreado que morria de inveja dos primos e primas que nunca se mudaram, uma só vez, na vida”.

*CARLOS ALBERTO (BETO) BARRETTO DE CARVALHO, jornalista

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