Por Heraldo Palmeira
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18 de maio de 2024

Bola murcha

lbrownstone/Pixabay

Bola murcha

  • Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli

Como o futebol representa – apesar da Seleção europeizada – a essência do que nos sobrou de autenticidade e catarse coletiva, a emoção pontificou particularmente nestes últimos dias, quando partidas decisivas mais uma vez demonstraram que a paixão dos torcedores ainda sustenta a identificação dos brasileiros com o futebol.

Na decisão da Copa Sul-Americana, jogada em estádio acanhado da belíssima Punta del Este, famoso destino turístico uruguaio jamais inserido em qualquer rota futebolística, o Fortaleza enfrentou de igual para igual a LDU, um timezinho “copeiro” danado do Equador que já ganhou tudo em nosso continente – Libertadores, Recopa Sul-Americana e, agora, a Copa Sul-Americana pela segunda vez.

O Fortaleza fez ótima campanha e só perdeu nos pênaltis para a LDU, depois de uma final intensamente disputada. Mesmo assim, não se viu ou ouviu a tradicional pachecada dos narradores e comentaristas quando tratam dos grandes clubes brasileiros. Afinal, embora muito bons de bola, Caio Alexandre, Zé Wellison, Tinga não são jogadores de grife na concepção da indústria das transmissões esportivas. Sem contar que o Leão do Pici também tem no elenco vários gringos, dentre eles o excelente técnico argentino Vojvoda e seus compatriotas Silvio Romero, Brítez, Lucero, Pochettino, Machuca e Escobar, além do português Tobias Figueiredo. Depois alguém sai dizendo que os pachecos da mídia não conseguem se esgoelar porque tem muito gringo no forró cearense e começa o mimimi.

Na reta final do Brasileirão, o sempre imprevisível Botafogo passou de melhor time do país a grande amarelão duas vezes nos 45 minutos finais, após os 4×3 da virada palmeirense e os 4×3 da virada gremista. Tudo isso jogando em casa. A euforia sem limites dos “sábios do esporte”, que viam no aplicado time de Lucio Flavio algo muito além da realidade, desmoronou. Por encanto, cessaram os pedidos por Tiquinho Soares na Seleção, os elogios desmedidos ao “mais um de tantos” Adryelson ou as comparações com os históricos times do Fogão de outras épocas. Tudo que era ótimo virou péssimo e, depois da segunda partida (contra o Grêmio), a torcida deixou o estádio em coro de “time sem-vergonha!”, doída por ver se esvaindo a confortável vantagem de 13 pontos para o segundo colocado.

A pachecada vidente não perde tempo e já afirma que o Botafogo não deverá mais ganhar o Brasileirão. Também vaticina que o novo deus da bola se chama Endrick, mistura verde do arranque de Ronaldo Fenômeno e do faro de gol de Romário – um menino de 17 anos, ainda na fase de simples promessa que está brigando para ser titular. Naquele meio tempo da virada em cima do Fogão, o garoto carregou seu time visivelmente desgastado na temporada e que tem oscilado em suas atuações, já transformado pela mídia no novo favorito ao título. Até ser atropelado pelo Flamengo sem ver a cor da bola, algo impressionante que deixou o técnico Abel Ferreira zonzo, dizendo que podia ter levado mais gols e elogiando a arbitragem.

Na Libertadores, o Fluminense, do “mágico e maravilhoso estrategista” Fernando Diniz – comparado de forma risível aos maiores técnicos que o país já teve – fez a torcida esquecer da “fracassada” Máquina Tricolor de 1975-76 (aquele timaço de Rivelino, Paulo Cézar Caju, Carlos Alberto Torres, Pintinho, Doval) e conquistou a sonhada “glória eterna”.

Foi dia decisivo na disputa entre dois personagens-fantasmas criados pelo cronista genial e tricolor Nelson Rodrigues. Era a vitória de Gravatinha, que sempre prenunciava vitória do Fluminense quando “aparecia” no estádio, ao contrário do seu desafeto Sobrenatural de Almeida, sempre carregado de zica e sinal de derrota no ar. Claro que a torcida não quer saber que a conquista se deu em cima de um dos piores Boca Juniors da história do futebol dos hermanos, está mais interessada com o Mundial de Clubes. Que certamente será uma prova de fogo.

No meio disso tudo, descobrimos que passamos a vida inteira errando a letra do Hino Nacional logo na largada – sinal de que não estamos bem na Fórmula 1 – e enfiando palavras onde só precisa ter música, como garantiu a cara de paisagem das “otoridades” presentes ao show de horrores da ventríloqua do “microfone defeituoso”. Ainda bem que os repórteres já estão em campo para encontrar e entrevistar a tal dona “Ovira do Ipiranga”. A última notícia é que o bairro paulistano do Ipiranga está sendo revirado em busca dessa ilustre desconhecida figura nacional. Nem Nelson Rodrigues conseguiria imaginar tanto fantasma.

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